07/04/2006 - Após
serem recebidos pelos presidentes da Câmara,
Senado e Supremo Tribunal Federal, 30 representantes
dos mais de 500 índios acampados na
Esplanada dos Ministérios não
foram ouvidos pelo Executivo brasileiro. Membros
do cerimonial da Presidência da República
alegaram “falta de tempo e espaço”
para receber a comitiva.
O encontro de 86 povos indígenas
no gramado central do Brasil começou
com suas lideranças acusando o governo
federal de não cumprir com os compromissos
assumidos com os índios, principalmente
por retardar a demarcação de
terras indígenas e colapsar o sistema
de saúde. E terminou com este sentimento
de traição confirmado.
O acampamento Terra Livre
em Brasília, que marca o início
das mobilizações indígenas
pelo País ao longo do mês, durou
três dias de reuniões, discursos
e protestos entre as mais de cinco centenas
de índios acampadas na Esplanada dos
Ministérios e incluiu a visita de caciques
de diferentes etnias as sedes dos Três
Poderes da República, para a entrega
de documentos e reivindicações.
As lideranças foram recebidas pelos
chefes do Legislativo e do Judiciário,
mas não conseguiram a atenção
do presidente Lula e de nenhum representante
do Executivo, apesar da audiência ter
sido marcada na véspera. “O episódio
mostra o grau de prioridade dado à
questão indígena pelo governo
federal”, afirma Jecinaldo Barbosa Cabral,
coordenador da Coiab (Coordenação
das Organizações Indígenas
da Amazônia Brasileira).
Na quarta-feira 5 de abril,
à tarde, 30 índios tiveram uma
reunião com o presidente da Câmara
Federal, deputado Aldo Rabelo (PC do B-SP),
na qual expressaram sua insatisfação
e revolta com a política indigenista
do governo. "O massacre do nosso povo
não pode continuar", pediu um
cacique Guarani Kaiowá. Ontem, quinta-feira,
as lideranças, das etnias Terena, Sateré-Mawé,
Pataxó, Guarani, Pankararu, Murá,
Kaxinawá, Xucurú e Krahô,
protagonizaram uma audiência no Senado
Federal, onde protocolaram o documento final
da mobilização. Mais tarde,
em conversa com a ministra Ellen Gracie, presidente
do Supremo Tribunal Federal (STF), os líderes
pediram urgência na solução
de processos de demarcação de
terras.
No final do dia, porém,
o encontro marcado na véspera com representantes
do presidente Lula não aconteceu. O
cerimonial do Planalto alegou que tanto o
chefe de gabinete Gilberto Carvalho como o
ministro Luiz Dulci, chefe da secretaria-geral
da presidência, não dispunham
de agenda nem sala ampla o bastante para atender
os 30 caciques de povos vindos de diferentes
pontos do País. O presidente Lula,
por sua vez, estava ocupado em cerimônia
de reinauguração do Palácio
da Alvorada, que fora reformado ao custo de
R$ 18,4 milhões, pagos por empresários.
Dos Guarani Kaiowá
do Mato Grosso do Sul aos Pataxó do
sul da Bahia, dos Kaingang de Santa Catarina
aos Guajajara do Maranhão, todos tinham
um recado claro: exigem que seus direitos
constitucionais sejam respeitados e que tenham
acesso à terra, saúde e educação
de qualidade. Os porta-vozes do Planalto,
entretanto, declararam que Dulci não
poderia alterar seus compromissos e que apenas
3 índios estavam autorizados a pisar
no palácio para falar com Carvalho.
“Nenhuma das salas está apta a receber
30 pessoas”, justificaram os membros do cerimonial.
Os índios não cederam. O impasse
na entrada da sede do presidente não
foi dissolvido, e os caciques voltaram ao
acampamento certos de que o governo federal
não pode ser considerado aliado dos
povos indígenas.
Reivindicações
A carta resultante dos trabalhos
dos mais de 500 índios reunidos em
Brasília apresenta quatro pontos principais.
Leia aqui o documento na íntegra. O
primeiro seria o estabelecimento de uma nova
política indigenista, que substitua
a atual, classificada como “retrógrada,
tutelar e oficialista”. Os participantes do
acampamento Terra Livre pedem que seja criado
o Conselho Nacional de Política Indigenista,
vinculado a Presidência da República
e com competência deliberativa.
O segundo eixo de reivindicação
trata da desobstrução dos processos
de reconhecimento, demarcação
e homologação de terras indígenas.
O documento, que foi protocolado no STF e
no Senado, lembra que, dos 14 processos de
reconhecimento territorial encaminhados pelos
índios ao Ministério da Justiça
e Fundação Nacional do Índio
(Funai) em 2005, para a publicação
de portarias declaratórias, apenas
um avançou. Afirma também que
“as pressões políticas de setores
anti-indígenas continuam se sobrepondo
aos direitos territoriais indígenas,
principalmente nos estados de Santa Catarina,
Mato Grosso, Bahia e Mato Grosso do Sul”.
Levantamento feito pelo
Conselho Indigenista Missionário (Cimi),
aponta que ainda aguardam portarias as terras
Pitaguary (do povo Pitaguary, no Ceará),
Toldo Imbu, Aldeia Kondá, Xapecó,
Toldo Pinhal ( dos Kaingang, de Santa Catarina),
Balaio (dos povos da região do Rio
Negro, no Amazonas), Morro dos Cavalos (dos
Guarani Mbya e Nhandeva, de Santa Catarina),
Las Casas (dos Kayapó, no Pará),
Potiguara de Monte-Mor (dos Potiguara, da
Paraíba), Tenharim Marmelos (dos Tenharim,
do Amazonas), Arroio Korá e Guyraroká
(dos Guarani Kaiowá e Nhandeva, do
Mato Grosso do Sul) e Yvyporã Laranjinha
(dos Nhandeva, no Paraná). Veja aqui
o total de terras pendentes, de acordo com
o levantamento do Cimi.
O terceiro ponto destacado
pelos povos indígenas aborda as ameaças
aos direitos indígenas no Congresso
Nacional. Atualmente mais de 80 projetos de
lei e propostas de emenda constitucional relativos
a questão indígena tramitam
no Legislativo. Entre os temas tratados estão
o da mineração em terras indígenas,
o uso dos recursos naturais, o aproveitamento
de recursos hídricos, a situação
jurídica dos indígenas, entre
outros. A tônica principal dos projetos
e emendas, contudo, é a contestação
dos direitos territoriais.
O advogado Raul Silva Telles
do Valle, do ISA, explica que os projetos
cujas tramitações estão
mais avançadas tentam modificar o processo
de demarcação de terras indígenas,
criando obstáculos e limitações
para que novas terras seja garantidas. “Estamos
vivendo uma ressaca dos direitos indígenas”,
aponta Valle. “Após a Constituição
de 1988 a demarcação de terras
avançou bastante, e começou
a esbarrar nos interesses políticos
e econômicos das oligarquias locais.
O que vemos hoje no Congresso Nacional é
uma reação conservadora às
conquistas da década passada”.
As lideranças indígenas
exigem que todas as propostas sejam debatidas
em uma Comissão Permanente de Assuntos
Indígenas, a ser criada na Câmara
Federal, e analisadas sob o marco do Estatuto
dos Povos Indígenas, que tramita há
12 anos naquela Casa. No encontro com o deputado
Aldo Rebelo, na quarta-feira, a comitiva indígena
ouviu do presidente da Câmara que a
criação da comissão permanente
passava a ser um compromisso assumido publicamente
por ele.
O quarto ponto da carta
final do Terra Livre trata da gestão
territorial e sustentabilidade das terras
indígenas. As lideranças se
dizem preocupadas com o formato final do Ante
Projeto de Lei (APL) sobre acesso a recursos
genéticos e conhecimentos tradicionais
associados, atualmente em análise na
Casa Civil. Afirmam também que são
contra a construção de usinas
hidrelétricas em regiões próximas
a terras indígenas, como nos rios Xingu,
Madeira e Tocantins.
Saúde e educação
A carta ainda aponta que
o sistema de saúde indígena
sofreu uma piora acentuada no último
ano. Para alterar esse quadro, os representantes
dos povos de 20 estados basileiros exigem
uma maior capacitação dos índios
que integração os conselhos
distritais de saúde, maior autonomia
administrativa e financeira dos Distritos
Sanitários Especiais Indígenas
(Dseis), o abandono da tendência de
municipalização da gestão
promovida pela Fundação Nacional
de Saúde, “visando o uso político-eleitoral
da estrutura da Funasa”. Por fim, o documento
pede que o governo federal implemente de fato
uma política de educação
indígena diferenciada, que conte com
convênios com universidades públicas
e um maior orçamento para o setor,
promessa que teria sido feita pelo Ministério
da Educação em 2005 mas não
cumprida. Leia aqui o documento na íntegra.