03/04/2006 - Enquanto
aguardavam o início da plenária
final da 8a Conferência das Partes da
Convenção sobre Diversidade
Biológica, que se encerrou na sexta-feira,
31 de março, participantes foram convidados
a fazer uma breve avaliação
do evento, apresentado como o mais importante
realizado no país desde a Rio-92. As
opiniões, em sua maioria feitas em
tom de desabafo, apontam que, com exceção
da moratória às tecnologias
Terminator, não houve avanço
sobre os principais temas discutidos. Leia
a seguir alguns trechos dos depoimentos.
Martin Kaiser, do
Greenpeace Internacional
“Basicamente, essa conferência foi um
fracasso. Perdeu-se a oportunidade de estabelecer
acordos para brecar a perda global da biodiversidade
e práticas ilegais e destrutivas de
extração madeireira ou de exploração
marinha. Foram adiadas decisões de
combate à biopirataria e a respeito
da adoção de um regime internacional
de acesso e repartição de benefícios,
em vez de negociar essas questões aqui.
Em relação ao financiamento
da CDB, os Estados Unidos querem enfraquecer
as contribuições do GEF para
a biodiversidade, e os outros países
doadores não pretendem dar mais dinheiro.
Também não se chegou a nenhum
resultado sobre financiamento a áreas
de proteção marinhas ou terrestres.
Sobre a meta de redução de perda
de biodiversidade até 2010, nenhum
país estava realmente preparado e teve
vontade política para que fosse atingida.
O Brasil, como anfitrião da conferência,
fracassou em desencadear uma agenda para a
criação de novos mecanismos
de financiamento para a proteção
da biodiversidade.”
Lim Li Lin, da Rede
do Terceiro Mundo
“Esta foi uma das mais intensas e difíceis
COPs das quais eu já participei. O
tema particularmente mais difícil foi
o de acesso e repartição de
benefício. Nós não estávamos
nem discutindo a sustância do regime
internacional, mas seu modus operandi. Isso
é muito crítico, porque os países
em desenvolvimento querem um processo claro,
com um cronograma definido a respeito de quando
terminaremos as negociações,
e os países desenvolvidos, tais como
Austrália, Nova Zelândia e Canadá,
não querem um regime de nenhuma maneira.
Nós tivemos, entretanto, decisão
boa em relação às sementes
Terminator. Por causa da pressão pública
de fora e do bom trabalho dos negociadores,
a moratória foi mantida. Em relação
às árvores transgênicas,
existe uma decisão de que seja aplicado
o princípio de precaução
porque não existem suficiente dados,
conhecimento e capacidade técnica acumulada
sobre o assunto. Não é a melhor
decisão que poderíamos ter tido.
A melhor decisão seria a moratória
às árvores transgênicas,
mas, dentro das circunstâncias, ao menos
existe um acordo de que existem efeitos de
longo prazo e transfronteiriços, pouca
informação a respeito dos impactos
no meio ambiente e também foram reconhecidos
os possíveis impactos sobre comunidades
indígenas e locais. Parte da decisão
é que esse tema será discutido
no SBSTTA - órgão subsidiário
de aconselhamento científico, técnico
e tecnológico da CDB – e redefinido
na COP-9; então, daqui até lá
nós temos muito trabalho pela frente.”
Marciano Toledo
da Silva, da Via Campesina
“De certa forma ela reflete o que está
acontecendo em outras convenções:
todas as questões estão virando
produtos comercializáveis. Os resultados
da conferencia não foram satisfatórios.
Tivemos grandes vitórias, como a moratória
aos GURTs e a adoção do princípio
de precaução em relação
às árvores transgênicas,
mas muitos pontos não avançaram,
empurrados para serem discutidos daqui a alguns
anos, e a redução da perda da
biodiversdade até 2010 não vai
ser conquistada e, até lá, perderemos
muita biodiversidade e consequentemente conhecimento
tradicional associado.”
Fernanda Kaingang,
do Instituto Indígena Brasileiro para
a Propriedade Intelectual
“Os povos indígenas do mundo estão
frustrados. A gente assistiu aos países
iniciarem uma negociação sobre
a criação de um regime internacional
de acesso repartição de benefícios
na qual eles não reconhecem o nosso
papel de protagonistas na conservação
da biodiversidade, não reconhecem o
nosso direito de decidir sobre o uso dos conhecimentos
tradicionais – o consentimento prévio
e informado e o direito de dizer não,
eu não quero o acesso. Países
desenvolvidos como o Canadá, Austrália
e Nova Zelândia sistematicamente resistiram
a reconhecer os direitos fundamentais dos
povos indígenas. Por que durante a
discussão do regime internacional e
dentro da convenção todo mundo
se lembra da OMC, da OMPI, mas ninguém
se lembra dos tratados de proteção
dos direitos indígenas, como a Convenção
169? Saímos frustrados. Mesmo em relação
ao artigo 8j nós não vimos nenhum
avanço. Mais uma vez a voz e a participação
dos povos indígenas foi restrita. Esperamos
que nas próximas COPs se passe a retroceder
menos e a implemente mais um pouco do muito
que já foi discutido.”
Ricarda Steinbrecher,
da Federação dos Cientistas
Alemães
“Em termos do que essa conferencia conquistou,
parece que foi muito pouco, o que é
muito triste, uma vez que é essa é
única convenção internacional
que nos temos com mandato para proteger a
biodiversidade e o seu uso sustentável.
Nós deveríamos passar para frente
o eu nos foi dado e nós estamos fazendo
uma bagunça disso. Sobre as questões
que acompanhei na COP-8, acho que são
únicas bem–sucedidas: a reafirmação
da moratória às tecnologias
Terminator, o que é crucial, especialmente
quando pensamos em termos dos impactos sobre
as comunidades indígenas e locais e
pequenos agricultores, e a outra foi a adoção
do princípio de precaução
em relação às árvores
transgênicas. Todos concordaram que
não temos dados suficientes, não
sabemos quais são os impactos e potenciais
destrutivos sobre os ecossistemas florestais
mundiais.”
Ângela Cordeiro,
do Centro Ecológico – Assessoria e
Formação em Agricultura Ecológica
“Não sei se é muito pessimista,
mas a minha avaliação é
de que temos uma série de derrotas
consolidadas. Acho que os textos aprovados
são versões enfraquecidas das
propostas iniciais. Prevaleceram as propostas
de eliminar qualquer coisa que envolvesse
incentivo para a biodiversidade local e participação
das comunidades locais, não só
nas discussões especificas de 8j e
ABS, mas em outros temas. Essa foi uma prática
do Canadá, da Austrália e da
Nova Zelândia. Acho que isso reflete
um despreparo, uma incapacidade e falta de
coordenação de outras delegações,
inclusive a do Brasil. Acho que a decisão
a respeito das árvores transgênicas
ficou ruim. Temos também algumas outras
derrotas adiadas, como é o caso do
Terminator, uma vez que a gente nunca sabe
o que vem na próxima COP. O que a gente
tem ouvido dos povos indígenas eles
também estão bastante frustrados.”
Marcos Terena, do
Fórum Indígena Internacional
sobre Biodiversidade
“A participação dos povos indígenas
no Brasil aqui na COP-8 foi importante para
mostrar que a megabiodiversidade do Brasil
envolve também uma sociobiodiversidade.
Em relação às discussões
e decisões, em todo processo da ONU
não podemos falar como agentes principais,
quem fala por nós sãos os Estados.
Além disso, os acordos são definidos
nas plenárias oficiais, onde nós
não podemos participar.”
Michael Schmdleher,
da Amazonlink.org
“Esse é um processo muito, muito lento.
O que é um problema, uma vez que a
adoção de um regime internacional
de acesso e repartição de benefícios
é uma questão urgente. E, nesse
ritmo, a gente vê vai demorar muito
para sair. Outra notícia preocupante
é a que diz respeito da intenção
dos Estados Unidos de diminuir em 50% as contribuições
para o Fundo Mundial para o Meio Ambiente.
A gente percebe que a CDB está um pouco
afastada da realidade. As decisões
tomadas aqui não têm tanta validade,
pois, muitas vezes, outras práticas
e outros acordos internacionais, como os da
OMC, prevalecem. Além disso, a gente
está vendo que a mídia nacional
e internacional deu pouca atenção
à conferência.”
Edna Marajoara,
da Cooperativa Ecológica das Mulheres
Extrativistas do Marajó
“Nós participamos de todo o processo
e durante as decisões sobre acesso
e repartição de benefícios
as discussões foram feitas em inglês,
sem tradução, e a gente não
tinha como acompanhar. Acho que o governo
brasileiro deveria prover um intérprete
para acompanhar as comunidades tradicionais.
Em relação às decisões,
nós temos uma proposta de regime internacional
de acesso a repartição de benefícios
que vai começar a ser discutida daqui
a quatro anos. Isso até parece a questão
dos transgênicos. Daqui a alguns anos
os nossos conhecimentos tradicionais terão
sidos todos violados. E aí, eles vão
proteger o quê?”
José Naim
Perez, Machupe, Chile, do Fórum Internacional
Indígena sobre Biodiversidade
“Eles nos deixam com um sabor amargo em nossas
bocas. Não houve nenhum avanço
em relação às questões
dos povos indígenas. Eles não
querem se comprometer com os direitos indígenas.
Eles não querem entender que o acesso
à biodiversidade e aos recursos genéticos
muitas vezes afeta diretamente os povos indígenas.
E se eles não estabelecerem um mecanismo
sobre acesso e repartição de
benefícios vai ser muito complicado,
porque nós não vamos permitir
que eles se apropriem dos nossos últimos
recursos e de nossos conhecimentos.”