25/04/2006
- O Centro Europeu de Previsão de Tempo
de Médio Prazo (ECMWF) anunciou recentemente
que um de seus programas, o GEMS - Global
and Regional Earth-System (Atmosphere) Monitoring
using Satellite and in-situ data -, irá
desenvolver modelos de previsão e de
monitoramento do transporte de emissões
de queimadas que terão como principal
referência o modelo do Instituto Nacional
de Pesquisas Espaciais (Inpe/MCT), em operação
desde 2003. Um relatório do ECMWF menciona
ainda o modelo do Laboratório de Pesquisa
Naval, de Monterey (EUA), que, com o do Inpe,
seriam os únicos no mundo.
Um dos principais motivos
apontados pelo relatório do Centro
Europeu para a necessidade de um modelo para
todo o Planeta é o fato de que a fumaça
das queimadas afeta diretamente a saúde
das pessoas, daí a necessidade de um
sistema de alerta. No Brasil, as plumas das
queimadas, que chegam a cobrir vastas regiões,
afetam principalmente as populações
das regiões Norte e Centro-Oeste, desencadeando
problemas respiratórios.
As previsões poderiam
ser úteis, ainda, à aviação,
já que aeroportos nestas regiões
são obrigados a cancelar vôos
e aterrissagens por falta de visibilidade.
As plumas das queimadas, observadas com mais
freqüência entre os meses de junho
e novembro (período da seca), atingem
também os países sul-americanos
na fronteira com essas regiões e, em
menor escala, o Sul e Sudeste do País.
As emissões podem viajar milhares de
quilômetros pela ação
dos ventos, explica o pesquisador Saulo Freitas,
do Inpe, podendo inclusive ocorrer troca de
emissões de queimadas entre continentes.
Um segundo ponto assinalado
pelo ECMWF, destacando a importância
deste trabalho, é o potencial impacto
das partículas de aerossóis
(em geral, pequenas partículas em suspensão
na atmosfera em estado sólido ou líquido)
de queimadas nas condições atmosféricas,
tanto em escala local quanto regional. Estudos
mostram que os aerossóis de fumaça
provocam dois tipos diferentes de efeitos
que levam, ambos, à diminuição
das chuvas.
De um lado, os aerossóis
provocam, indiretamente, a diminuição
da formação de nuvens convectivas,
pois, ao absorverem a radiação
solar, esquentam a atmosfera em níveis
mais altos, tornando a atmosfera mais estável
e, portanto, menos propícia às
chuvas. Por outro, apesar de os aerossóis
servirem como núcleos de condensação
de água dentro das nuvens, se houver
um número excessivo destes núcleos,
as gotas dentro das nuvens não conseguem
crescer de modo a se precipitarem, formando
a chuva. Esta dinâmica gerada pelas
emissões de queimada pode, portanto,
alterar o ciclo hidrológico nas regiões
afetadas pelas plumas.
A expectativa do ECMWF é
de que a inserção das emissões
de queimadas em modelos atmosféricos
operacionais deverá melhorar significativamente
as previsões de tempo, trazendo ainda
uma grande contribuição aos
estudos de mudanças climáticas.
O monitoramento e as previsões,
para até 24 horas, da qualidade do
ar na América do Sul, do Inpe, estão
disponíveis no site “Poluição
Atmosférica”, pelo link: www.cptec.inpe.br/meio_ambiente/.
A homepage fornece também produtos
para o monitoramento e previsões do
transporte de emissões de poluentes
provenientes de fontes urbano-industriais.
A história da modelagem
A pesquisa que originou o atual monitoramento
e previsão de poluição
do ar associado às emissões
de queimadas teve início no programa
de doutorado dos pesquisadores Saulo Freitas
e Karla Longo, no Instituto de Física
da USP, sob a orientação da
atual coordenadora do Centro de Previsão
de Tempo e Estudos Climáticos do Inpe,
Maria Assunção Dias, e do pesquisador
Paulo Artaxo, da Universidade de São
Paulo.
Os primeiros indícios
de que as emissões de queimadas formavam
uma pluma de aerossóis e gases na atmosfera
em escala continental, com importantes impactos
climáticos, surgiram em meados dos
anos 80, durante a campanha científica
internacional ABLE II, na Amazônia,
envolvendo várias instituições
de pesquisa do País. Durante o LBA
(Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera
na Amazônia), já nos anos 90,
com a maior interação de grupos
de pesquisa do País e do exterior,
estudos sobre o tema foram aprofundados.
Para o desenvolvimento do
modelo de monitoramento e previsão,
Freitas explica que foram utilizados produtos
de detecção de queimadas por
sensoriamento remoto do próprio Inpe
e da Universidade Winsconsin, dos Estados
Unidos, e mapas de vegetação
gerados também a partir de observações
de satélite. A pesquisadora Karla Longo
reforça que é também
fundamental o contínuo aprimoramento
dos conhecimentos que buscam compreender e
representar, o mais próximo da realidade,
os efeitos das emissões das queimadas
na atmosfera.
O trabalho dos pesquisadores
do Inpe vem recebendo há alguns anos
o reconhecimento da comunidade científica
nacional, que o considera um dos melhores
no Brasil e no mundo sobre poluição
de queimadas. “O relatório do ECMWF
só veio confirmar a liderança
brasileira nesta área de pesquisa e
aplicação”, festeja Assunção.
Os pesquisadores Saulo Freitas
e Karla Longo estão atualmente empenhados
na validação da previsão
do ozônio troposférico, um produto
gerado a partir de emissões de queimadas
e presente na atmosfera desde a superfície
até 12 mil metros, aproximadamente.
O ozônio, quando presente em baixas
altitudes, é um gás tóxico,
prejudicial às plantas e à saúde
humana. Segundo Saulo, “este trabalho deverá
reforçar a liderança mundial
do Inpe em pesquisas nesta área, e
manter a Instituição como um
centro de referência na comunidade científica
internacional em estudos sobre o clima e meio
ambiente.”