27/04/2006
- Em encontro promovido pela Oibi na Comunidade
Tucumã-rupitá, (rio Içana)
elas mostraram os experimentos que vêm
realizando em suas roças tradicionais
para tentar conquistar os mercados do sudeste
com os frutos que cultivam, agregando-lhes
valor cultural e ambiental
Durante encontro,
mulheres baniwa apresentam coloridas variedades
de pimenta
Elas chegam de diversas
partes da Bacia do Rio Içana. A maioria
é Baniwa, mas dividem suas terras ancestrais
e sabedorias com as Wanano, Kubeua e Coripaco
que vivem no Médio e Alto Rio Içana,
na Terra Indígena Alto Rio Negro, fronteira
com a Colômbia e a Venezuela. O colorido
típico se vê nos enfeites dos
cabelos, nas roupas e principalmente nos produtos
de roça que trazem dentro dos aturás
e paneiros que vão garantir a refeição
de mais de 250 pessoas reunidas na Comunidade
de Tukumã-rupitá. Ali, de 7
a 11 de abril aconteceu mais uma rodada de
assembléia e encontros coordenados
pela Organização Indígena
da Bacia do Içana (Oibi).
Nos olhos dos maridos, o
brilho da admiração. Todos mestres-artesãos
do consagrado projeto Arte Baniwa que encerra
seu VII Encontro para dar lugar ao II Encontro
das Mulheres. Eles assumem o papel de expectadores
no Centro Comunitário de Tukumã,
empolgados diante dos planos que envolvem
as iguarias que as mulheres colocam na mesa:
pimentas de diversas cores, formas, aromas
e picâncias. Processadas exclusivamente
pelas mulheres, gozam de excelente reputação
no mercado local que envolve os municípios
de São Gabriel da Cachoeira do lado
brasileiro, Mitu do lado colombiano, e San
Felipe do lado venezuelano. Consumidas em
forma de pó "Aatti Iipepe"
ou ao natural são consideradas por
muitos o segundo produto em importância
numa roça regional, só perdendo
para a mandioca.
Teores de vitamina
C superiores aos da laranja
A mitologia Baniwa registra
que as pimentas foram um presente do herói
mítico Ñapirikoli para que seus
descendentes purificassem e protegessem os
alimentos de qualquer ameaça que pudesse
lhes fazer mal. As propriedades das pimentas
são também largamente reconhecidas
hoje pela ciência ocidental que lhes
atribui excelentes propriedades medicinais
como analgésico, antiinflamatório,
protetor das mucosas do estômago e,
sobretudo, pelas ações bactericida,
e alto valor nutritivo. Concentra, por exemplo,
teores de vitamina C vinte vezes superiores
aos da laranja.
Porém, a boa reputação
da pimenta nem sempre é acompanhada
por esquemas comerciais devidamente justos,
que valorizem a dedicação e
o esforço das mulheres que as produzem.
Por isso, a Oibi, em parceria com o ISA, traçou
em 2005 um plano de implementação
de uma experiência comercial que prevê
o lançamento da pimenta em centros
comerciais do sudeste brasileiro sob o mesmo
rótulo da arte de arumã (Arte
Baniwa) praticada pelos homens baniwa: um
produto com valor cultural e ambiental agregado.
Assim, uma série
de informações começou
a ser levantada a partir do I Encontro de
Mulheres realizado em abril de 2005, quando
a proposta de comercializar a pimenta baniwa
no sudeste brasileiro ganhou maior fôlego.
Dados sobre produtividade e a diversidade
das pimentas cultivadas mereceu atenção
especial para que a Oibi possa monitorar e
indicar as melhores estratégias para
garantir menor impacto da experiência
sobre os sistemas de cultivo tradicional.
O cuidado se explica porque os mercados urbano-industriais
não ajustam seu consumo com base nas
capacidades socioambientais de oferta contribuindo
para a erosão da diversidade genética
e para a degradação ambiental,
sobretudo da Amazônia. Por isso foi
formada uma equipe de pesquisadores do ISA
e da Escola Indígena Baniwa e Coripaco
(EIBC-Pamáali) com o objetivo de reunir
as informações mais relevantes
para que a experiência de valorização
comercial do produto nativo não se
traduza impacto sobre a diversidade de pimentas
das roças tradicionais. O trabalho
de pesquisa intercultural está em fase
adiantada, e alguns resultados foram apresentados
no encontro. O que mais se destaca é
a variedade de tipos de pimentas que as mulheres
mantêm sob cultivo na Bacia do Içana.
Coleção
já totaliza 107 amostras de frutos
Até o momento foram
catalogados 49 diferentes nomes para as variedades
existentes nas roças de 19 mulheres
distribuídas por 11 comunidades num
trecho aproximado de 150 km. Para considerar
a diversidade lingüística os pesquisadores
resolveram reunir amostras para comparação
em uma coleção que já
totaliza 107 amostras de frutos de pimentas
na Escola Pamáali e disponível
para que os professores e alunos as utilizem
em seus estudos.
A jovem pesquisadora baniwa
da escola, Paula Florentino, exibiu as amostras
para a platéia durante o encontro.
“Nossas pesquisas em livros científicos
que adquirimos dos brancos mostraram que existem
5 espécies de pimentas cultivadas no
Brasil. Hoje sabemos que aqui no Içana
nós cultivamos todas elas. Além
disso cultivamos mais de 22 tipos ou variedades
de pimenta pertencentes a essas cinco espécies.
Agora vamos aprofundar nossos conhecimentos
porque suspeitamos que algumas variedades
são exclusividades mantidas somente
aqui pelos povos indígenas do Alto
Rio Negro”, contou.
Nazária Andrade Montenegro,
coordenadora da Escola Pamáali é
uma das pesquisadoras baniwa mais entusiasmadas
com o trabalho. “Essa demanda das mulheres
e da Oibi reforçou cada vez mais o
Projeto Político-Pedagógico
da nossa escola que é formar os alunos
por meio da pesquisa e da valorização
da nossa biodiversidade e da nossa cultura.
Já fizemos isso com o projeto Arte
Baniwa, que envolve os homens, e agora estamos
iniciando com a pimenta, que envolve as mulheres".
Nestes tempos em que levantamentos
realizados por órgãos de pesquisa
ressaltam a importância das terras indígenas
para a conservação da floresta
Amazônica, ainda é de pouco destaque
o papel peculiar e crucial exercido pelas
mulheres para garantir a segurança
alimentar dessas populações
que ocupam mais de 20% das terras da Bacia
do Rio Negro no lado brasileiro. Sem elas
o processo de seleção, domesticação
e conservação de diversas espécies
cultivadas da nossa agrobiodiversidade também
estaria seriamente ameaçado ao lado
do restante da rica biota da região.
Na Bacia do Rio Içana, a organização,
a curiosidade dos jovens pesquisadores estimulados
nas escolas indígenas em parceria com
outras instituições de apoio
externo podem contribuir para alterar o cenário
da Amazônia, favorecendo a perpetuação
do imenso patrimônio cultural e biológico
existente nessas terras.