16/05/2006
- Revi as aldeias, onde não estavam
mais morando os xamathari. Mudaram os nomes
das aldeias e vão mudando as lideranças.
As únicas a permanecerem ainda são
a do Antão, com um numeroso núcleo
de parentescos e a de Davi; ambos velhinhos
vivos e atuantes. Pessoalmente teria desejado
visitar ambos os velhos. Somente que o meu
passo não é mais o mesmo e as
distâncias também aumentaram.
Minhas rápidas observações
são:
O processo de envolvimento
com o mundo branco está sendo rápido,
acelerado e com diferentes presenças
governamentais e particulares, que visam diferentes
e, às vezes, contrastantes objetivos.
A diferente presença
cria no mundo yanomami: questionamentos, aliciamentos
e desafios.
A) Questionamentos
Os motivos da presença
de napë diferentes não somente
pela idade e mentalidade, mas especialmente
pelo preparo técnico-profissional,
pela competência cultural, pela capacidade
comunicativa e de aproximação
e a convivência interpessoal e comunitária.
Aqui entra todo o profundo processo do subconsciente
etno-centrista com todo o seu pipocar na ação-comunicação
entre brancos e yanomami.
O testemunho religioso dos
brancos das várias organizações
presentes no mundo yanomami.
Os vários apelidos
dados e recebidos por parte da comunidade
yanomami. No meu conviver com os xamathari
recebi vários apelidos: marokoxi (careca),
kaë wik (barbudo), napë (branco),
xori (cunhado), xoabë (titio), hapemi
(papaizinho, padre).
Freqüentemente os xamathari
questionavam minha solidão e o sentido
de minha presença prolongada no meio
deles.
Os karawethari questionavam
o meu estilo de reza. A capela estava aberta
e todas as vezes que se celebrava a missa
ou se rezava o breviário tinha liberdade
de participar.
Os karawethari questionavam
os recursos técnicos e o uso dos mesmos
nas celebrações rituais deles:
o gravador, a máquina fotográfica,
os papéis cheios de perguntas e especificamente
a minha surdez para captar claramente os sons
e os tons!
Os karawethari questionavam
minhas ausências e chegaram até
ao uso de retaliações: as saídas
prolongadas deles, quando eu voltava para
a missão.
B) Aliciamentos
No mundo humano e não
somente no mundo yanomami o maior e as vezes
o pior aliciamento é o presente. Ele
é dado por simpatia, por cálculo,
por interesse, por trocas. Aqui se abre toda
a ampla, complexa e complicada dinâmica
dos matohi (objetos), com o famoso uso e abuso
de objetos úteis ou descartáveis.
O outro aliciamento é
o dos recursos tecnológicos da pastoral
missionária. Minha impressão
é que quanto mais somos isolados maior
é a tentação de tecnologia
sofisticada e depois fala-se aos outros de
pobreza, desprendimento, sacrifícios,
etc..
As promessas que imitam
e concorrem despudoradamente com as dos políticos.
Lembrem-se que promessa é dívida!
As fianças são
terríveis; as conseqüências
no instaurar nas trocas o estilo de dar fiado;
é melhor dar logo sem mais cobrar....O
que é impossível no mundo comercial-financeiro
pragmatista. Então é melhor
educar pequenos e grandes ao sentido do justo,
honesto e correto valor de cada objeto e de
exigir de todos co-responsabilidade com prestação
de contas e com equilíbrio no respeito
da dignidade humana de todos, adultos e crianças.
Último aliciamento
pouco simpático é o das ameaças.
O bendito mal do mundo atual do terrorismo
psicológico, econômico, político,
cultural e religioso. Gostaria explicitar,
mas devo pular por falta de tempo.
C) Desafios
São inúmeros,
tentarei fixar e frisar alguns que parecem
óbvios, mas estão sempre presentes.
Espero que sejam possivelmente superados.
Ser missionário ad gentes é
um dom de Deus e uma vocação
cultivada e alimentada na vida religiosa.
Não se manda para terras e povos ainda
não evangelizados por “obediência”
mas é por opção pessoal
em constante e dinâmico diálogo
entre os responsáveis religiosos com
os Bispos e com os seus irmãos e irmãs.
O superior como o Bispo devem ter um suficiente,
normal e objetivo conhecimento da realidade
concreta - a concretude de Maritain, de Marcel,
de Sartre e de Heidegger.e seus desafios.
Situação especial, por exemplo,
das missões do Rio Negro.
Atualização
constante e dinâmica dos planos e dos
planejamentos, superando o risco de cair no
legalismo e do terrorismo ideológico,
que nos afastam terrivelmente do vivido, do
sofrido e até chegar aos limites da
exasperação e do fracasso recíproco
e concluir com a clássica, trágica
e ilógica expulsão.
A tentação
do reformismo. Nosso esforço ao chegar
na missão Sagrada Família foi
recolher dos próprios xamathari a ação
evangelizadora do padre Antônio Góes.
Foi um trabalho paciente e humilde para tentar
de ter um sumo cuidado com o passado, sem
queimar papéis e etapas; e sobretudo
sem imprimir o terrível ritmo da PRESSA.
Aprendamos dos últimos papas, que se
fecham ou até se prostram no solo da
capela particular para rezar e pedir a iluminação
do Espírito Santo. Hoje sei de padres
ad gentes que não têm tempo para
celebrar a missa cotidiana, pula facilmente
a oração do breviário
e a meditação e chega até
a esquecer as orações populares.
Último desafio dessa
conversa é o conhecimento aprofundado
e dinâmico da concretude do povo, onde
se trabalha. Grande tentação
é querer docilidade, disponibilidade,
obediência dos que trabalham conosco,
no lugar de oferecer aberturas, criatividade
e responsabilidade. Com os termos de moda:
diálogo, partilha, co-responsabilidade,
clareza de planos e planejamentos arrisca-se
de dobrar experiências e novidades,
porque não possuem o selo de qualificação,
de competência, de eficiência.
Com o selo de diaconia, de coinonia, ágape,
metanoia, corre-se o risco de fechar a busca
de calar-se no vivido, sofrido. Hoje com esses
nomes tão ricos biblicamente, teologicamente
e pastoralmente se corre o risco de percorrer
ou abrir o caminho do fundamentalismo evangelizador,
arriscando de atropelar as sementes do Verbo
encarnado e a ação iluminadora
do Espírito Santo em comunhão
com o Pai.
Conclusão
Passo inicial é o
levantamento sócio-catequético-pastoral
nas áreas rionegrinas yanomami, recorrendo
ao trabalho de levantamento de fichas e questionários.
No campo educacional, exige-se
um profundo e contínuo conhecimento
crítico e político da legislação
escolar oficial para estudar com pessoas qualificadas,
incluindo as lideranças yanomami, e
recorrendo a um processo lento, paciente e
iluminante e assim elaborar diretrizes e planos
de estudo que respeitem e salvaguardem o mundo
yanomami em dinâmico envolvimento com
o mundo globalizado.
Cultivar e Educar as lideranças
nos vários níveis para continuar
o processo de aproximação e
envolvimento sem descaraterizar ou destruir
as raízes étnicas comunitárias
e religiosas.
Elaborar um projeto bíblico-mistagógico
para facilitar o processo catequético-litúrgico-ministerial
para a implantação de uma vivência
sacramental que testemunhe a caminhada autenticamente
cristã das comunidades que já
“receberam” alguns sacramentos, mas que precisa
revitalizar, revivificar e torná-los
a ser sinais eficazes de graça e de
caridade, para que as comunidades vivam e
testemunhem o Cristo ressuscitado que morreu
sob Pôncio Pilatos mas apareceu com
toda a novidade de sua mensagem para anunciar
o Reino de Deus ao Povo yanomami e para enviar
o Espírito Santo para que esse mesmo
povo se torne Templo santo de Deus e Moradia
Divina.
Depoimento no Seminário Salesiano de
Animação Missionária,
em Quito, 2.5.2006 - "Subsídio
para um debate", por Pe. Luis Laudato,sdb.