18/05/2006 - O Ministério
Público Federal no Pará deve
ajuizar nos próximos dias recurso no
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
para suspender novamente quaisquer procedimentos
de licenciamento da Usina Hidrelétrica
de Belo Monte. Os procuradores da República
que atuam no caso vão contestar a decisão
do juiz Herculano Martins Nacif, da Vara Federal
de Altamira, e tentar reestabelecer os efeitos
da liminar anterior, concedida pelo juiz Antonio
Carlos Campelo, substituto de Nacif.
A Procuradoria sustenta
ser ilegal a maneira como Ibama e Eletronorte
pretendem fazer os Estudos de Impacto Ambiental
(EIA), com base em um Decreto Legislativo
considerado inconstitucional e sem prévia
audiência com as comunidades indígenas
afetadas pelo empreendimento. "Nosso
maior temor é que se repita o desperdício
de dinheiro público do estudo anterior,
de 2001, que custou R$ 8 milhões e
foi considerado irregular em todas as instâncias
do judiciário, justamente por não
obedecer os procedimentos determinados pela
legislação. O dinheiro foi jogado
fora por pressa e falta de respeito aos trâmites
legais. Essa mesma pressa que é demonstrada
agora e pode anular mais uma vez os estudos",
afirma Marco Antonio Almeida, procurador em
Altamira, responsável pelo pedido de
suspensão do EIA.
O procurador Felício
Pontes Jr, de Belém, também
atuando no caso, explica que não produz
efeito legal argumentar que os índios
serão ouvidos durante os Estudos. Para
ele, a Constituição é
clara a respeito dos requisitos de uma autorização
para obras do porte de Belo Monte. "O
artigo 231 não deixa margem para dúvidas.
A autorização do Congresso é
política, e não técnica,
e só pode ser definida após
consulta às comunidades indígenas
afetadas. É fundamental obedecer a
esse mandamento, sob pena de jogarmos por
terra todo o esforço dos constituintes
de 1988 em garantir o direito dos índios
às suas terras e recursos", diz.
O artigo a que se refere
Pontes define um rito para que o Estado brasileiro
possa efetivar grandes obras de engenharia
afetando comunidades indígenas: o Congresso
Nacional ouve primeiro os índios para
então decidir, politicamente, se há
mais vantagens ou desvantagens para o país
em levar adiante determinado empreendimento.
Essa decisão é expressa por
meio de um decreto legislativo, como o de
nº 788/2005, que foi o primeiro baseado
no artigo 231 e autorizou a usina de Belo
Monte. O problema é que, aprovado em
tempo recorde, apenas 15 dias, acabou editado
sem a necessária oitiva aos indígenas
afetados.
"A pressa de quem defende
o projeto de Belo Monte é que está
atrapalhando, porque impede a obediência
às leis brasileiras e o respeito necessário
aos bens ambientais, que deveriam ser preocupação
do Congresso, da União e de todos os
brasileiros", diz Pontes. O próprio
senador paraense Luiz Otávio Campos,
durante a sessão que aprovou o decreto,
se espantou com a rapidez do trâmite.
"Estou na Casa há mais de sete
anos, e há projetos que estão
aqui desde que cheguei e não saem das
comissões, não andam. São
projetos de vários para não
dizer de todos os senadores. E esse projeto,
por incrível que pareça, foi
apresentado no dia 8 de julho, na semana passada.
Faz quatro dias que esse projeto foi aprovado
na Câmara e vamos aprová-lo aqui
no Senado hoje. Eu nunca vi isso! Manifesto
apenas minha admiração... Eu
queria encaminhar desde a oportunidade que
tive de encaminhar a urgência, mas queria
saber o motivo de tanta urgência",
disse o senador.
Veja o que diz o artigo 231, parágrafo
3º da Constituição Brasileira,
sobre aproveitamento hidrelétrico em
terras indígenas:
"O aproveitamento dos recursos hídricos,
incluídos os potenciais energéticos,
a pesquisa e a lavra das riquezas minerais
em terras indígenas só podem
ser efetivados com autorização
do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades
afetadas, ficando-lhes assegurada participação
nos resultados da lavra, na forma da lei."
O jurista Dalmo Dallari,
um dos mais respeitados do país, interpretou
assim a necessidade de ouvir as comunidades
indígenas: "Não é
pura e simplesmente ouvir para matar a curiosidade,
ou para ter-se uma informação
relevante. Não. É ouvir para
condicionar a decisão. O legislador
não pode tomar decisão sem conhecer,
neste caso, os efeitos dessa decisão.
Ele é obrigado a ouvir. Não
é apenas uma recomendação.
É, na verdade, um condicionamento para
o exercício de legislar. Se elas (comunidades
indígenas) demonstrarem que será
tão violento o impacto (da mineração
ou da construção de hidrelétrica),
será tão agressivo que pode
significar a morte de pessoas ou a morte da
cultura, cria-se um obstáculo intransponível
à concessão da autorização".