22/05/2006
- Representantes da sociedade civil e de populações
ribeirinhas reuniram-se em Altamira com o
objetivo de formular um plano de ações
para proteger a floresta e sua biodiversidade,
além de buscar alternativas para defender
as comunidades locais das agressões
que vêm sofrendo nos últimos
anos. Rede de ação pela conservação
da região terá como base a implementação
de novas Unidades de Conservação
e a proteção de seu entorno.
Uma aliança entre
sociedade civil e populações
tradicionais da Terra do Meio, no Pará,
foi firmada, na semana passada, para implementar
o mosaico de Unidades de Conservação
(UCs) previsto para a região. Entre
terça e quarta-feira, dias 16 e 17
de maio, 45 representantes de ONGs, do governo
federal, dos movimentos sociais e das comunidades
locais de ribeirinhos estiveram reunidos em
Altamira (PA), a 830 quilômetros de
Belém, durante o seminário Perspectivas
para a Terra do Meio, para trocar informações
sobre os principais problemas ambientais locais,
discutir e definir estratégias comuns
para a implementação de iniciativas
de conservação.
O objetivo foi formular
um plano de ação para proteger
a floresta e sua grande biodiversidade, além
de buscar alternativas para defender as comunidades
locais das agressões que vêm
sofrendo nos últimos anos. Foram debatidas
propostas referentes a temas como regularização
fundiária, gestão das áreas
protegidas, alternativas econômicas,
fortalecimento institucional das comunidades
e atendimento às suas necessidades
básicas. O seminário foi organizado
por um conjunto de organizações
que atuam direta e indiretamente na área,
como a Comissão Pastoral da Terra (CPT),
a Fundação Viver, Produzir e
Preservar (FVPP), o Instituto Socioambiental
(ISA) e o WWF-Brasil.
Um dos resultados do encontro
foi a criação de uma rede de
ação pela conservação
da Terra do Meio que terá como base
a criação e implementação
de novas UCs, a proteção de
seu entorno, a integridade do mosaico e das
populações tradicionais locais.
De acordo com o documento elaborado pelos
participantes ao final do evento, entre os
objetivos da articulação estão:
a inclusão social das populações
tradicionais garantindo o direito à
sua plena participação na gestão
das áreas protegidas; a promoção
da presença do Estado e a fiscalização
de atividades ilegais; o desenvolvimento econômico
e social em bases sustentáveis e socialmente
justas; a garantia da conservação
da biodiversidade e a repartição
dos benefícios oriundos dos serviços
ambientais (confira a íntegra do texto
clicando aqui).
Luta antiga
Em 2002, a equipe do Programa
Xingu do ISA foi responsável, em parceria
com organizações locais, por
um estudo encomendado pelo Ministério
do Meio Ambiente (MMA) que identificou o mosaico
de UCs da Terra do Meio. O mapeamento revelou
que a região é uma das menos
conhecidas e menos povoadas do País,
apresenta cerca de 98% de sua área
bem preservada e é rica em biodiversidade
e vários recursos naturais, como jazidas
de ouro e grande concentração
de madeiras-de-lei. Por isso, tornou-se palco
de um intenso conflito fundiário que
opõe grandes fazendeiros, grileiros
e madeireiras ilegais, de um lado, e famílias
de ribeirinhos e extrativistas, de outro.
A luta por proteger a Terra do Meio é
antiga, faz parte da agenda do movimento social
do Pará desde a década de 1970.
Vários outros estudos e pesquisas,
além do trabalho do ISA, apontam a
região como de alta prioridade para
a conservação e o uso sustentável
de seus recursos.
Em fevereiro de 2005, o
governo federal decretou a criação
da Estação Ecológica
(Esec) da Terra do Meio, a maior do planeta,
com 3,3 milhões de hectares, e, contígua
a ela, ao sul, o Parque Nacional da Serra
do Pardo, com 445 mil hectares (saiba mais).
Em novembro de 2004, já havia sido
criada a Reserva Extrativista (Resex) Riozinho
do Anfrísio, com cerca de 736 mil hectares
(confira). O MMA está finalizando o
processo de instituição de mais
duas Resex no local: a do Médio Xingu,
com 301 mil hectares, e do Iriri, com aproximadamente
396 mil hectares, ambas na altura do município
de Altamira. Falta ainda oficializar a Floresta
Estadual do Iriri e a Área de Proteção
Ambiental (APA) de São Felix do Xingu.
Um dos maiores mosaicos de áreas protegidas
do mundo
A consolidação
final do mosaico de UCs da Terra do Meio poderá
significar o estabelecimento de um outro grande
mosaico contínuo de áreas protegidas
ao longo da Bacia do Rio Xingu, desde o norte
do Mato Grosso, atravessando o centro do Pará
até a altura da sede urbana do município
de Altamira. Trata-se de 18 Terras Indígenas
(de 24 diferentes etnias) e de dez UCs contíguas,
num total de mais de 26 milhões de
hectares de floresta amazônica protegidos
– provavelmente um dos maiores conjuntos de
áreas protegidas do mundo.
"O início da
implantação do mosaico da Terra
do Meio, com a criação da Reserva
Extrativista Riozinho do Anfrísio,
da Esec e do Parque Nacional, já foi
um passo significativo para a concretização
desse bloco de áreas", admite
Cristina Velásquez, assessora do Programa
de Política e Direito Socioambiental
(PPDS), do ISA, e uma das organizadoras do
seminário realizado em Altamira. Ela
insiste, no entanto, que o conjunto permanece
incompleto e que só sairá efetivamente
do papel com investimentos e presença
permanente do Estado.
A decretação
das áreas, nos últimos dois
anos, contribuiu significativamente para a
diminuição da pressão
do desmatamento na região (veja tabela
abaixo).
UC Federais Área
total da UC (ha) Desmatamento até 2002
(ha) Desmat.2002-2004 % Desmat. 2004-2005
%
ESEC da Terra do Meio 3.373.110,0 8.088,93
31.218,87 385,95 11.199,39 35,87
PARNA da Serra do Pardo 445.392,0 4.226,37
19.338,96 457,58 2.708,55 14,01
RESEX Riozinho do Anfrízio 736.340,0
1.068,82 685,72 64,16 1.358,49 198,11
Fonte: Instituto Socioambiental
2006.
Medidas como fiscalização
e regularização fundiária,
entretanto, são urgentes e fundamentais
para garantir a conservação
da biodiversidade e a proteção
do território das comunidades locais.
"Isso vai contribuir ainda mais para
a diminuição da grilagem de
terras públicas, dos assassinatos de
líderes sindicais e de seus defensores,
além de promover a melhoria nas condições
de vida dessas populações",
diz Cristina.
Processo paralisado
Apesar da grande expectativa
das comunidades e do movimento social pela
criação das Resex do Iriri e
do Médio Xingu, o processo está
paralisado desde as duas reuniões de
esclarecimento dos moradores que foram organizadas
pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
e dos Recursos Naturais Renováveis
(Ibama), em janeiro deste ano (leia mais).
Na época, o governo federal prometeu
aumentar sua presença no local e agilizar
a instituição das UCs. Durante
o seminário da semana passada, o responsável
pela Diretoria Socioambiental do Ibama, Paulo
Oliveira, comprometeu-se a finalizar o quanto
antes o trâmite burocrático para
a instituição das áreas.
Enquanto isso, representantes
do movimento social local contam que os ribeirinhos
continuam sofrendo ameaças e a tentativa
de cooptação da parte de grileiros
e madeireiras ilegais (veja mais). Na Resex
do Riozinho do Anfrísio, os ribeirinhos
continuam sem escolas, sem atendimento médico
e sem a fiscalização do Ibama.
Segundo dados levantados pelo Laboratório
de Geoprocessamento do ISA, o desmatamento
na UC aumentou 198% entre 2004 e 2005.
Publicação
lançada ao final do seminário
aponta prejuízos de Belo Monte
Ao final do seminário,
no dia 17, foi lançado o livro Custos
e Benefícios do Complexo Hidrelétrico
Belo Monte: Uma Abordagem Econômico-Ambiental,
de autoria dos pesquisadores Wilson Cabral
de Sousa Júnior, John Reed e Neidja
Cristine Silvestre Leitão. Além
do público do seminário, estudantes,
representantes do governo municipal, da igreja
e do movimento social local compareceram.
A publicação é uma iniciativa
da organização não-governamental
Conservação Estratégica
(CSF-Brasil) e também foi lançada
em Brasília, na última quinta-feira,
dia 18.
O estudo aponta que
a baixa vazão do rio Xingu na estação
seca torna inviável economicamente
o projeto hidrelétrico, pois a capacidade
do reservatório previsto seria limitada,
não permitindo armazenar água
suficiente para aproveitar a capacidade instalada.
As perdas poderiam chegar a US$ 3,6 bilhões
ao longo de 50 anos. Os autores concluem isso
pode tornar necessária a construção
de uma ou mais barragens adicionais na Bacia
do Xingu, alagando mais TIs e UCs. A obra,
uma das mais polêmicas já projetadas
no País, pode afetar diretamente a
vida de nove povos indígenas que vivem
na região e vem suscitando mobilizações
e intensos protestos do movimento social da
Amazônia nos últimos dezessete
anos.