30/05/2006
- Cerca de 200 índios de diversas etnias
de dentro e de fora do Parque Indígena
do Xingu estão concentrados desde hoje,
quarta-feira 31 de maio, no trecho do rio
Culuene - principal formador do rio Xingu
-, no Mato Grosso, onde uma hidrelétrica
está sendo construída. As lideranças
indígenas exigem a interrupção
da obra e que o Poder Público se comprometa
a preservar a região das cabeçeiras
do Xingu. Os protestos devem se estender até
o fim desta semana.
Os povos índigenas
do Xingu querem a paralisação
das obras da Pequena Central Hidrelétrica
(PCH) Paranatinga II, em construção
no rio Culuene, o principal formador do rio
Xingu. Nesta quarta-feira, 31/5, cerca de
200 índios se concentraram no local
da barragem para realizar um protesto que
deve durar toda a semana.
O movimento xinguano, que
mobiliza representantes de diversas etnias
do Parque Indígena do Xingu (PIX) e
aldeias do povo Xavante, que também
vivem na região, planeja realizar protestos
e manifestações no local até
o próximo domingo. Suas lideranças
afirmam que os índios não saem
das instalações sem serem ouvidos
por autoridades do governo federal e pelos
donos do empreendimento. Exigem a interrupção
imediata da obra.
O principal protesto está
marcado para esta quarta-feira, 31 de maio,
quando os membros da etnia Kalapalo planejam
realizar a tradicional cerimônia do
Quarup. O local não poderia ser mais
apropriado: o trecho do Culuene no qual a
obra está sendo construída é
considerado sagrado pelos povos indígenas
da região do Alto Xingu. De acordo
com lideranças indígenas, foi
nesse lugar que se realizou o primeiro ritual
funerário do Quarup.
A PCH está sendo
erguida no leito do Culuene entre os municípios
matogrossenses de Campinópolis e Paranatinga.
Seu projeto prevê o alagamento de uma
área de 1.290 hectares, dos quais 920
de vegetação nativa. O lago
será formado pela edificação
de duas barragens e o projeto está
orçado em R$ 4,6 milhões. Comop
se não bastasse tudo isso, a barragem
está sendo construída a apenas
dois quilômetros da Reserva Ecológica
Estadual do rio Culuene, em território
histórico dos povos xinguanos, rico
em vestígios arqueológicos de
antigas populações que ali viveram,
agravando ainda mais esta situação.
Desde 2005, a hidrelétrica
tem sido objeto de diversas idas-e-vindas
judiciais. Sua execução chegou
a ser embargada pela Justiça, que determinou
que seu licenciamento ambiental fosse feito
pelo governo federal. O avanço das
obras também incluiu um polêmico
acordo entre o governo do Mato Grosso e algumas
lideranças indígenas. O acordo
foi contestado pela maioria dos caciques do
Xingu e, posteriormente, negado inclusive
por alguns dos que o tinham assinado. Saiba
mais aqui e aqui.
A mobilização
indígena visa impedir a conclusão
da obra e a formação do reservatório.
O principal temor dos índios é
que a barragem prejudique a reprodução
das espécies de peixes que praticam
a piracema - migração rio acima
para desova. Com o rio obstruído, a
reprodução das espécies
seria afetada, causando a diminuição
na quantidade de peixes nos rios da região
e afetando a pesca e a segurança alimentar
das populações indígenas.
Outros impactos negativos já estão
ocorrendo, segundo relato dos índios.
As escavações da obra teriam
provocado o assoreamento do Culuene, alterando
o fluxo e a correnteza do rio e dificultando
a navegação na região.
As lideranças xinguanas
concentradas no local desejam se reunir com
representantes do Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis
(Ibama), do Ministério Publico Federal,
do Ministério de Meio Ambiente e da
Fundação Nacional do Índio
(Funai) até domingo. Destes encontros
as lideranças esperam obter o compromisso
de que nenhuma barragem seja construída
no rio Xingu ou em seus afluentes, que seja
proibido o desmatamento de matas ciliares
e que os índios tenham apoio para recuperar
as nascentes no Xingu. Leia abaixo a carta
do movimento indígena endereçada
as autoridades.
Carta em defesa
do Rio Xingu
Canarana, 30 de maio de
2006.
PARA
Marina da Silva, Ministra do Meio Ambiente
Silas Rondeau, Ministro de Minas e Energias
Márcio Thomas Bastos, Ministro da Justiça
Blairo Maggi, Governador do Mato Grosso
Mércio Pereira, Presidente da FUNAI
Izanoel Sodre, Diretor Geral do CGPIMA, FUNAI
Marcus Luiz Barroso Barros, Instituto Brasileiro
de Meio Ambiente - IBAMA
Mário Lúcio, Ministério
Público Federal
Débora Duprat, 6a Câmara do Ministério
Público Federal
Rebeca Summer, Comissão de Direitos
Humanos da Organização das Nações
Unidas
Presidente do Conselho Nacional de Recursos
Hídricos
Prezados Senhores (as),
Em 2004, quando soubemos
da construção de uma barragem
no Rio Kuluene, em local sagrado para os habitantes
do Xingu, que chamamos de Sagikengu, onde
foi feito por Mawutisinin o primeiro Kuarup
de nossa história, as lideranças
do Xingu e Xavante unidas, se manifestaram
contra a construção da barragem.
De lá para cá apostamos na justiça
e na palavra dos não-índios
para sua paralisação. A empresa
e o Governo do Estado tentaram comprar nosso
silêncio, com dinheiro, carros e casas,
e a obra vem avançando, mesmo depois
de liminares da justiça e depois dos
estudos feitos por antropólogos mostrarem
que aquele era mesmo um lugar sagrado para
nós; e os estudos de impacto anunciaram
a diminuição dos peixes, principal
fonte de alimentação de nossas
famílias. De lá para cá
muito estrago foi feito no rio, e vemos com
tristeza que dia após dia mais estragos
são feitos. Hoje, quase dois anos depois,
ainda lutamos contra a obra, e vamos novamente
até o local para exigir sua paralisação
definitiva e a recuperação do
estrago que foi feito. Contamos com sua presença,
para fortalecer nossas reivindicações
e para nos ajudar a resolver, de forma pacífica
este impasse.
• Queremos manter a bacia
hidrográfica do rio Xingu preservado,
para ser uma referência de preservação
de biodiversidade, etno-ambiental e cultural.
• Queremos que as autoridades
façam o tombamento do local de Sagikengu,
patrimônio histórico das etnias
do Xingu.
• Queremos que os índios
sejam consultados antes de qualquer obra nas
nascentes do rio Xingu.
• Queremos o reflorestamento
das matas ciliares que foram destruídas
nas nascentes do rio Xingu.
• Queremos um fundo para
fiscalização das nascentes do
rio Xingu, gerido por nós indígenas.
• Queremos o fortalecimento
do IBAMA na região das nascentes do
rio Xingu.
• Queremos um cinturão
verde no entorno do Parque Indígena
do Xingu.
• Queremos que não
seja realizada nenhuma outra construção
de barragem no Rio Xingu e seus afluentes.
• Queremos que não
seja permitido desmatar a 500 metros da margem
dos rios, de qualquer tamanho.
Movimento indígena
em defesa do Rio Xingu