12.06.2006 - Brasília
– Barcos, jipes, helicóptero e avião
serão utilizados pela equipe da Expedição
Juruena-Apuí para percorrer mais de
mil quilômetros do recém-criado
Parque Nacional do Juruena e do Mosaico de
Apuí. Será a primeira vez que
um grupo de técnicos de conservação
ambiental, biólogos e jornalistas visitam
a área, decretada parque nacional no
último dia 5 de junho – Dia Mundial
do Meio Ambiente –, para colher dados sobre
a rica biodiversidade local. Com duração
de 20 dias, entre 13 de junho e 2 de julho,
a expedição também irá
detectar focos de garimpo e o modo de vida
de comunidades tradicionais, como os povos
Kayabi e Apiacás que vivem na região.
A iniciativa é do WWF-Brasil (Programa
de Áreas Protegidas e Apoio ao Arpa),
Ibama, e Secretaria de Estado de Meio Ambiente
e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas
(SDS), e conta com parceria do ICV (Instituto
Centro da Vida) e do WWF-Alemanha.
Essa ação
enquadra-se nas atividades complementares
do WWF-Brasil em apoio à implementação
do Programa Áreas Protegidas da Amazônia
(Arpa). “Esse programa representa a mais importante
e talvez a maior iniciativa de conservação
no mundo, e para isso toda Rede WWF se mobiliza”,
afirma a secretária-geral do WWF-Brasil,
Denise Hamú.
Cláudio Maretti,
coordenador do WWF-Brasil para Áreas
Protegidas entende que “as informações
levantadas nessa viagem serão preciosas
para subsidiar a elaboração
do plano de manejo do parque, de forma a continuar
dando apoio ao programa do governo federal
de Áreas Protegidas na Amazônia,
o Arpa, com um dos nossos focos principais
nessa região prioritária”. Localizado
no norte do estado do Mato Grosso e sul do
Amazonas, o recém-criado Parque Nacional
do Juruena conta com uma área de quase
2 milhões de hectares. É o terceiro
maior parque do Brasil, atrás apenas
do Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque
(com 3,9 milhões de hectares) e do
Parque Nacional do Jaú (com 2,3 milhões
hectares). Os dois últimos já
recebem suporte do Programa Arpa.
Área de extrema variedade
biológica, o Parque Nacional do Juruena
é lar de espécies que correm
risco de extinção em outras
regiões da Amazônia, como a onça
pintada Panthera onca, a ariranha Pteronura
brasiliensis, o gavião real Harpia
hapia, o peixe boi Trichechus inunguis, e
deve proteger possíveis espécies
que ainda nem sequer foram catalogadas pela
ciência, por ser uma área pouquíssimo
pesquisada. O decreto do governo federal criando
a área protegida era uma reivindicação
antiga do movimento ambientalista. Algumas
das instituições que apóiam
sua implementação também
participaram da construção da
sua proposta de criação. O parque
nacional era uma das últimas unidades
de conservação que faltavam
ser criadas para completar o corredor meridional
da Amazônia, importante tanto pela sua
qualidade ecológica, como para resistir
ao avanço do desmatamento que vem de
sul para norte do Brasil, além do que,
já nasce com apoio garantido pelo programa
Arpa.
“Nessa região foram
registrados os maiores índices de desmatamento
nos últimos anos, principalmente pela
expansão da fronteira agrícola.
Com a criação de novas unidades
de conservação e a presença
do poder público no local, esses índices
devem diminuir”, afirma Gustavo Irgang, coordenador
de conservação do ICV, explicando
que o corredor é uma importante linha
de defesa para controlar a expansão
da degradação da floresta amazônica.
A terceira fase da expedição
será no Parque Estadual do Sucunduri,
localizado no Mosaico de Apuí, sul
do estado do Amazonas, onde uma equipe de
15 pesquisadores da SDS estarão fazendo
inventários de fauna e flora, com grande
chance de serem encontradas novas espécies.
“O Mosaico do Apuí foi criado pelo
governo do estado do Amazonas no segundo ano
de nossa gestão e agora, conforme o
previsto, estamos enviando pesquisadores para
iniciarem os estudos para subsidiar o plano
de manejo da área. Esse mosaico é
uma barreira verde contra o avanço
do arco do desmatamento no sul do estado”,
declarou o secretário de estado do
meio ambiente e do desenvolvimento sustentável
do Amazonas, Virgílio Viana.
Arpa
Criado oficialmente em 2003
pelo governo brasileiro, o Arpa tem como objetivo
consolidar 50 milhões de hectares de
unidades de conservação na Amazônia,
ao longo de 10 anos, incluindo a criação
de cerca de 38 milhões de hectares
de novas áreas protegidas (desde 2000).
Até o momento, são mais de 20
milhões de hectares protegidos criados
com apoio desse programa e quase 8 milhões
de hectares em processo de consolidação.
Coordenado pelo Ministério do Meio
Ambiente, o Arpa é implementado pelo
Ibama em parceria com governos estaduais da
Amazônia que aderiram ao programa. A
gestão financeira e os processos de
aquisição e contratação
são de responsabilidade do Funbio.
Também participam do programa o Fundo
Global para o Meio Ambiente ('GEF'), o Banco
Mundial, o KfW (banco de cooperação
da Alemanha), a GTZ (agência de cooperação
técnica da Alemanha) e o WWF-Brasil,
com doações e cooperação
técnica.
O WWF-Brasil participou da criação,
da implantação, do planejamento,
da gestão e da execução
do programa, bem como atua na sua manutenção
em longo prazo. Além do depósito
de US$ 4,5 milhões no Fundo de Áreas
Protegidas (FAP), desde 2003 a organização
já destinou cerca de US$ 10 milhões
para a execução do ARPA – para
os processos de criação e implementação
das unidades de conservação,
como pesquisa, compra de equipamentos, infra-estrutura
etc.– parte dos US$ 70 milhões com
os quais se comprometeu colaborar no prazo
de 10 anos.
“Além das inovações
do Arpa esta nossa expedição
inicia a demonstração de uma
nova forma de implementação
de áreas protegidas na Amazônia,
pois com o envolvimento destes e outros parceiros,
e o apoio do programa Arpa, podendo eventualmente,
até se chegar no futuro na constituição
de um fundo fiduciário específico
para essa importante região, composta
pelo Parque Nacional do Juruena e Mosaico
do Apuí, procuraremos desenvolver um
caso de participação e informação
científica desde o início da
sua gestão”, afirmou Marcos Pinheiro,
técnico especializado em áreas
protegidas do WWF-Brasil e coordenador da
Expedição Juruena-Apuí.
Equipe faz maratona
para chegar em Alta Floresta
Por: Ana Cíntia Guazzelli
e Cláudio Maretti
13.06.2006 - Nosso primeiro dia da Expedição
Juruena-Apuí foi marcado por muitas
horas de viagem, excessos de bagagem e pela
vontade coletiva de chegar em Alta Floresta
(MT) antes do início do jogo Brasil
x Croácia. Somos, até agora,
15 integrantes da equipe de 16 e viemos de
diversos estados do Brasil. Um é da
Alemanha, vários de Mato Grosso ou
de Brasília, alguns do sul do país.
Fomos nos encontrando aos poucos em diferentes
aeroportos e juntos chegamos, por volta das
15h, no Hotel Floresta Amazônica, onde
já estava montado, numa oca, um telão
para assistirmos ao jogo.
Esse pode ser o último
jogo que assistimos, pois nas próximas
três semanas, entraremos cada vez mais
mato adentro, para ver as maravilhas da natureza
- e, talvez, infelizmente, perder maravilhas
do futebol... Tomara!
O cansaço era geral.
Michael Evers, coordenador do Programa de
Florestas do WWF-Alemanha, viajou durante
19 horas e passou por três aeroportos
brasileiros. Nós, de Manaus, eu, Robson
Maia e João Lúcio Teixeira,
cinegrafistas, embarcamos na madrugada do
dia 13 e encontramos com os curitibanos Zig
Koch, fotógrafo, e Ivan, responsável
pelo rafting, no aeroporto de Brasília
já pela manhã. Lá, embarcaram
Rogério Azevedo, da Diretoria de Áreas
Protegidas do Ministério do Meio Ambiente,
Francisco Livino, representante da Diretoria
de Ecossistemas, do Ibama, o biólogo
Dante e Cláudio Maretti, coordenador
do Programa de Áreas Protegidas e Apoio
ao Arpa, do WWF-Brasil. Em Cuiabá,
nossa próxima parada, o Nelson, biólogo,
representante da Secretaria de Estado de Meio
Ambiente, do Mato Grosso (Sema-MT) já
nos aguardava dentro do avião da Trip,
de aproximadamente 40 lugares. No aeroporto
de Alta Floresta, encontramos com os outros
integrantes da equipe, Gustavo Irgang, do
Instituto Centro de Vida (ICV) e com a bióloga
Solange, que nos acompanharam ao hotel. Ayslaner
Gallo, engenheiro florestal do ICV e o jornalista
alemão Wolfgang Kuhnat se uniram à
equipe à noite, durante uma breve reunião
de integração.
Marcos Pinheiro, do WWF-Brasil e coordenador
da expedição, não conseguiu
embarcar em Manaus e só deve estar
conosco depois de amanhã.
Para 20 dias de
aventura na floresta amazônica, muita
bagagem e a vontade coletiva de sucesso da
expedição.
A ansiedade é natural,
pois lutamos pela criação desse
parque nacional por mais de três anos.
Agora temos mais um mega-parque, na frente
da degradação (norte de Mato
Grosso), e prevemos nos próximos dias
conhecer um pouco melhor essa área
com a qual passaremos a trabalhar daqui para
frente. Esse parque nacional, com quase dois
milhões de hectares (e, portanto, praticamente
metade do estado do Rio de Janeiro) é
parte de uma frente de reação
à degradação e desmatamento
que vem de sul para norte. Mais que somente
um grande parque nacional, ou um mega mosaico
de áreas protegidas, dentro de uma
enorme ‘paisagem de conservação’
– onde as unidades de conservação
são o núcleo principal, esta
região é de grande diversidade
biológica, e sendo uma ecorregião
de transição para o franco bioma
amazônico, esperamos encontrar de espécies
animais e vegetais endêmicos, isto é,
que só existem naquela região,
e novidades ecológicas para os próximos
dias.
Para alegria de todos, chegamos
no hotel a tempo de assistir ao primeiro jogo
do Brasil na Copa da Alemanha. Durante a partida,
um churrasco de picanha e frango nos foi servido
e bem aproveitado, já que não
sabemos o que nos espera no futuro próximo,
durante a segunda fase da expedição,
quando desceremos por seis dias o rio Juruena,
a começar dia 16. Enquanto isso, faremos
contatos com os atores sociais desta região,
‘pré parque’.
À noite, participamos
de uma reunião de integração
da equipe e assistimos a uma palestra sobre
onças, proferida por Sílvio
Marchini, da Fundação Ecológica
Cristalino (FEC). Ele pretende, com sua pesquisa
de doutorado, elaborar e conduzir intervenções
de educação e comunicação
para a conservação da espécie.
A importância dessa palestra é
ligada a sua atualidade: gerir áreas
protegidas hoje em dia não é
mais tarefa para puros biólogos. Além
das funções gerenciais, ainda
mais quando há um programa de apoio
como é o caso do Programa Áreas
Protegidas da Amazônia (Arpa), gerenciar
uma unidade de conservação é
fundamentalmente uma tarefa de entendimento
do contexto, integração com
o entorno e gestão de conflitos. A
diferença é que se faz isso
com vistas à conservação.
E a importância das unidades de conservação
está também no fato de permitir
colocar gente para fazer isso.
Amanhã, às
5h30, a equipe de comunicação
fotografará e filmará um ninho
de gavião real com filhote. A harpia
é a maior e mais forte ave de rapina,
ou águia, do mundo. Ela tende a fugir
das áreas de interferência humana
e demanda enormes áreas de floresta
natural. O fato de estar aqui, dentro do fragmento
florestal próximo ao Hotel Floresta
Amazônica é bom sinal: de que,
para frente, teremos grandes áreas
naturais. Também está prevista
a visita a um fragmento florestal urbano com
uma sumaúma gigante e árvores
de mogno.
À tarde, amanhã,
partimos para Apiacás, onde nos encontraremos
com o poder público e atores sociais
locais. Ao que tudo indica, muitas surpresas
nos aguardam.
Já estamos
na região amazônica
Por Cláudio C. Maretti
14.06.2006 - O dia começou bem, pois
logo cedo fomos observar um ninho de harpia
(Harpia harpia), ‘gavião-pega-macaco’
ou gavião-real, como também
é conhecido em alguns lugares. Apesar
de maravilhosa, a atividade é um tanto
arriscada, pois o ninho fica em cima de uma
árvore, a cerca de 20 metros de altura,
cuja subida inspira cuidados. Há ainda
o risco de ataque, sobretudo da mãe
em defesa do filhote. Além disso, ainda
é preciso tomar cuidado para não
perturbar demais, nem mãe, nem filho.
A observação foi um sucesso.
Pudemos ver adequadamente essa maravilha de
animal, a água mais forte e de pegada
mais importante, além de envergadura
provavelmente também maior do mundo.
Melhor é o sinal que ela nos dá,
pois habita um fragmento florestal, à
beira da floresta amazônica de onde
ela retira seu alimento: mamíferos
de porte significativo como por exemplo, macacos.
Seguindo nesse ritmo, visitamos
mais alguns fragmentos florestais na área
urbana do município de Alta Floresta,
infelizmente menos cuidados que os do Hotel
Floresta Amazônica, onde encontramos
o ninho de harpia. Mas servem bem de testemunho
do que antes foi a “alta floresta”, ou “floresta
alta” desta região: uma sumaúma
com mais de 30 metros de altura.
Sumauma (Ceiba pentandra).
Essa árvore, ou melhor, a sapobemba
(as raízes com alas, como pode ser
visto na foto), desta ou de outras espécies,
é usada na floresta para comunicação.
Percutindo um toco na sapobemba, ecoa o som
que dirige aqueles que estão perdidos.
O Programa Arpa (Áreas Protegidas da
Amazônia) usa a sumaúma como
símbolo e diz: “atenda o chamado da
sumaúma”, pretendendo chamar a atenção
da sociedade, dos grupos sociais e dos indivíduos
a contribuir pela proteção das
áreas mais delicadas ou mais importantes
da Amazônia brasileira.
Antes de sairmos, a mídia
local quis conhecer as instituições,
os objetivos e os participantes da expedição.
“Viemos aqui mais para escutar”, disse Francisco
Livino, representante da Diretoria de Ecossistemas
do Ibama. “Este parque já começa
com condições de ser implantado,
por conta do apoio do Programa Arpa (Áreas
Protegidas da Amazônia) do Ministério
do Meio Ambiente”, disse Rogério Vereza,
do MMA. “Não se pode mais pensar em
uma área protegida que seja geria de
forma isolada. É fundamental que elas
façam parte da conservação
e desenvolvimento sustentado regional”, afirmou
Cláudio C. Maretti.
A cidade e o desenvolvimento
Alta Floresta é um
município conhecido por ter sido palco
de um ‘boom’ garimpeiro nos anos 70 e sobretudo
anos 80. Depois veio atividade madeireira.
Dessa forma, a região foi desbravada
do jeito mais clássico, ou seja, em
projetos de colonização, com
apoio governamental, junto com desmatamento
de conquista, normalmente de legalidade duvidosa,
para assim dizer, Alta Floresta se desenvolveu
como cidade de importância local. A
cidade está localizada no extremo norte
do estado de Mato Grosso, a 830 km da capital
do estado, Cuiabá e conta com uma população
de 77.000 habitantes. Um dia conhecida como
centro do desmatamento, Alta Floresta ainda
guarda alguns fragmentos florestais, mas deixou
de ser o foco principal dessa atividade.
Diferente de outros trechos
do Mato Grosso, é pouco provável
que as plantações de soja se
instalem neste local. As principais atividades
são a criação de gado
e a exploração madeireira.
Tecnicamente fala-se da
“mineração da madeira”, representando
uma atividade não sustentada, na qual
são retirados os valores da floresta
de forma predatória, considerando apenas
uma vez. Isto é, assemelha-se a uma
atividade mineireira, com extração,
e sem sustentabilidade. De fato, nesta região,
além da atividade garimpeira, a extração
de madeira representa uma evolução
com ganho temporário, sem sustentabilidade.
Isso pode ser visto pela evolução
da atividade, e sua migração.
Estudo do Instituto Centro
de Vida (ICV –organização não-governamental
de atuação local, com focos
na conservação e no desenvolvimento
sustentado) mostra que, segundo dados do IBGE,
a extração madeireira teve uma
forte queda em Alta Floresta entre 1996 e
2003, caindo de 80 para 11 mil m3/ano. No
mesmo período, a produção
em Apiacás, uma pequena cidade vizinha
com cerca de seis mil habitantes, teve crescimento
significativo, passando de 4,9 mil para 77
m3/ano. Vale lembrar que esses dados refletem
apenas uma parcela dos valores reais, mas
são, porém, reveladores de tendências.
Madeireiras rumo
ao Norte
Isso mostra claramente a
dinâmica da frente madeireira rumo ao
extremo norte mato-grossense. Existiam até
há muito pouco tempo cerca de 20 indústrias
madeireiras em Apiacás e 15 em Nova
Bandeirantes. Mas, desse total, apenas 16
(46%) estavam em atividade em setembro de
2005 –sendo que o restante foi paralisada
por conta dos desdobramentos da Operação
Curupira – investigação da Polícia
Federal em 2005 sobre as atividades madeireiras
ilegais que acabou paralisando a liberação
de Autorizações para Transporte
e Comercialização de Produtos
Florestais (ATPFs). Ou seja, há uma
dinâmica de crescimento e decadência
–em ‘boom’– que não deixa muita coisa
nos locais como desenvolvimento duradouro.
Apiacás
Apiacás parece uma
cidade de faroeste em decadência antes
de ter chegado em algum nível importante
de desenvolvimento e qualidade de vida. A
cidade foi originada de um projeto de colonização
do Indeco (Instituto de Desenvolvimento do
Centro-Oeste), em 1988, tornando-se município
emancipado alguns anos mais tarde, em 1993.
Porém, o crescimento se deveu essencialmente
à atividade garimpeira entre 1985 e
1992. Com a queda do garimpo, a atividade
madeireira se instalou com mais vigor. Assim,
mostrou o crescimento indicado acima.
No entanto, praticamente
toda a atividade era ilegal e esta região
foi palco de uma operação de
fiscalização e controle de vários
órgãos, incluindo Polícia
Federal, Ministério Público
e Ibama – a chamada Operação
Curupira –, que descobriu várias irregularidades,
prendeu gente e gerou um bloqueio nos processos
de autorização da exploração
florestal por algum tempo. O secretário
municipal de Indústria, Comércio,
Turismo e Meio Ambiente diz que dos cerca
de 14.000 habitantes do município (pelo
menos uns 60% na zona urbana), vários
milhares, mais de três mil, segundo
ele, já abandonaram a cidade com o
‘bloqueio’ da atividade madeireira desde então.
Ou seja, mesmo nos momentos de bonança
econômica, a atividade, além
de não sustentável, se baseia
em situações ilegais.
É difícil
imaginar que a implantação do
Parque Nacional do Juruena venha provocar
algum dano econômico. Ao contrário,
do ponto de vista de atividades legais, o
provável é que se provoque uma
melhoria da situação.
Desafios
Mas difícil é
explicar isso para a população
local. Ela diz que diz que veio para cá
incentivada pelo Governo Federal, supostamente
para render um serviço à nação.
“Integrar - que eles entenderam desbravar,
ou desmatar - para não entregar” era
o lema na época da ditadura. Eles sempre
se sentiram abandonados pelo Estado e, por
isso, se acostumaram com atividades ilegais.
Na visão deles, agora vêm os
chamados “ambientalistas” (misturando governo,
Ibama, ONGs etc.) e “criam o parque”. A difícil
tarefa é: como convencê-los a
acreditar nesse potencial e esperar vários
anos para vê-lo se realizar?
Amanhã, mesmo com o feriado de Corpus
Cristi, teremos reunião com o Conselho
Municipal de Desenvolvimento Sustentável
e Meio Ambiente de Apiacás, na Câmara
Municipal, onde esperamos uma reação
não propriamente calorosa a nossa causa.
Equipes se dividem
e partem para Apiacás
Por: Ana Cíntia Guazzelli
14.06.2006 - Alta Floresta (MT) – São
18h00 e ainda estamos em Alta Floresta nos
preparando para enfrentar cerca de seis horas
de estrada de terra até o município
de Apiacás. A saída estava prevista
para às 15h00, mas atrasou. Francisco,
do Ibama, Cláudio, do WWF-Brasil, o
fotógrafo Zig Koch, o cinegrafista
Robson Maia e o jornalista alemão,
Wolfgang Kuhnat, saíram mais cedo,
de avião (um Cesna, de seis lugares).
Caso contrário, não chegariam
a tempo para o pouso: o aeroporto não
comporta aterrissagens noturnas. Nós
outros, 10 restantes, vamos em quatro veículos
tracionados – três cedidos pelo Ibama
e um do nosso parceiro Instituto Centro de
Vida – ICV.
Parte da equipe colocando
as bagagens nos carros para seguir viagem.
(Foto: Zig Koch)
A viagem, segundo um dos motoristas, é
longa. Chegaremos em Apiacás por volta
das duas horas da manhã. Por isso,
resolvi aproveitar o tempo de embarque da
bagagem (quatro carrocerias de Toyotas lotadas),
para escrever rapidinho sobre o nosso dia.
Não tenho nem a certeza de que conseguirei
terminar antes da saída e, infelizmente,
hoje não teremos fotos do Zig Koch,
que já deve ter chegado lá.
Aliás, hoje seria o dia do gavião
real (Harpia harpia), fotografada a cerca
de 40 metros de distância. Zig e Lúcio,
o outro cinegrafista, escalaram uma plataforma
de 25 metros de altura para buscar o melhor
ângulo do bicho, que para alegria de
todos, ainda estava com um filhote no ninho.
Amanhã, vocês terão a
oportunidade de apreciar as fotos e conhecer
um pouco mais deste animal em extinção.
Publicaremos também a foto de uma samaumeira
imensa, preservada em um fragmento florestal
urbano, que fica a 20 minutos de Alta Floresta.
Logo após o almoço,
aconteceu uma entrevista coletiva com a imprensa
local. Participaram os representantes do Ministério
do Meio Ambiente, Ibama, Sema, WWF-Brasil,
ICV e um pesquisador. A maioria das perguntas
dos dois repórteres presentes estava
relacionada à falta de alternativas
econômicas para os moradores da área
de entorno do recém criado Parque Nacional
do Juruena. Este também deverá
ser o tom da conversa que acontecerá
amanhã, em Apiacás, durante
reunião do Conselho de Desenvolvimento
do Meio Ambiente (Condema). Alguns rumores
nos alertaram que moradores e fazendeiros
estariam aguardando nossa equipe com uma grande
manifestação no aeroporto da
cidade. Mas isso vocês só poderão
saber amanhã, quando terão notícias
também sobre a nossa viagem até
Apiacás.
Uma notícia triste
abalou um pouco os ânimos da equipe:
o caminhão que transportava todo o
material de rafting do Ivan, que iria acompanhar
a expedição fazendo o levantamento
das condições do rio Juruena
para esse tipo de esporte e avaliar a vocação
do parque para o ecoturismo, virou na estrada
BR 163, na altura da cidade Sinop, e o equipamento
foi perdido totalmente. A boa notícia
do dia foi a de que o Marcos Pinheiro, coordenador
da expedição, enfim chegaria
a Apiacás hoje. Se conseguiu ou não,
só saberemos amanhã também.
Último dia
em Apiacás, sem conflitos
Por: Ana Cíntia Guazzelli
e Cláudio Maretti
15.06.2006 - Apiacás/MT – Ontem chegamos
a Apiacás um pouco mais das duas horas
da manhã. Divididos em cinco pick ups,
demoramos mais de 7 horas para rodar cerca
de 200 km pela estrada de terra que liga Alta
Floresta a Apiacás, e se encontra em
péssimo estado de conservação.
Alguns integrantes da equipe que fizeram a
viagem de avião, ainda estavam acordados.
Cláudio Maretti há várias
horas tentava funcionar o equipamento de comunicação
via satélite que utilizaremos a partir
de hoje para enviar diariamente as fotos e
textos. Fui dormir depois das três horas
e ele ainda não havia desistido, nem
conseguido êxito na operação.
Pela manhã, além
do encontro com o poder público local
durante reunião do Conselho Municipal
de Desenvolvimento do Meio Ambiente - Condema,
a grande expectativa era a chegada do Marcos
Pinheiro, do WWF-Brasil, e coordenador da
expedição. Desde o dia 13, primeiro
dia da expedição, ele tentava,
em vão, sair de Manaus. Hoje, ele chegaria
em avião fretado por volta das 8h30,
ainda para participar da reunião. Às
9h00, quando já estava de saída,
recebi um telefonema dele: muito próximo
de Apiacás, sobrevoando o rio Juruena,
um forte cheiro de queimado invadiu a pequena
aeronave. O piloto desligou a bateria e resolveu
retornar para Manaus, por precaução
e para garantir o conserto. Marcos aterrissou,
enfim, em Apiacás às 16h00 e
foi recebido com entusiasmo por todos.
A informação
de que seríamos recebidos ontem com
uma grande manifestação no aeroporto
de Apiacás (uma pista de 1.100 metros)
não se confirmou. Ao contrário,
a equipe foi recepcionada pelo secretário
municipal de meio ambiente que contribuiu
inclusive com a logística local. Apesar
disso, todos fomos para a reunião do
Condema hoje pela manhã um tanto ressabiados.
Assim, também, percebemos que estavam
os presentes. E esse foi o tom do início
do evento. A impressão era a de que
as duas partes tinham se preparado para uma
batalha, que de fato acabou não acontecendo.
Os integrantes da equipe da Expedição
Juruena-Apuí se apresentaram, seguidos
dos membros do Condema. Com a presença
da prefeita Silda Kochemborger, a reunião
transcorreu sem conflitos, nem alterações.
A plenária não estava lotada.
Alguns atribuíram o vazio ao feriado
de Corpus Christis; outros garantiram que
a população de Apiacás
não acredita mais em reuniões,
pois a maioria das que eles participaram,
foi recheada de promessas infundadas, sem
retorno concreto para a melhoria de suas condições
de vida.
Uma série de reivindicações
foi apresentada. O representante do Ministério
do Meio Ambiente, Rogério Vereza, se
comprometeu em levá-las ao conhecimento
da ministra do meio ambiente, Marina Silva.
O representante do Ibama, Francisco Livino,
também foi bastante questionado e,
dentro do espaço a ele reservado, respondeu
a todas perguntas, procurando não fazer
promessas vazias, nem gerar expectativas.
As reivindicações
começaram com o aspecto da compensação
e os destaques estavam relacionados ao transporte
e ao asfalto, além da melhoria do aeroporto,
que atualmente não passa de uma pista
de 1.100 metros, sem registro, nem homologação.
Também pediram atenção
à crise econômica do município,
sobretudo à atividade madeireira, que
está em franca decadência. Alguns
dizem que antes da Operação
Curupira havia entre 12 e 26 serrarias em
pleno funcionamento e hoje apenas uma se encontra
em atividade. Outra questão levantada
foi a regularização das fazendas
e o pedido de atenção à
castanha do pará, que não tem
sua extração regularizada, nem
é beneficiada no município.
Com isso se constatou que
a população aceita a criação
do parque e espera que sua implementação
traga benefícios para a sociedade local.
Há solicitações de que
a implantação aconteça
o mais rápido possível. A prefeita
explicitou seu desejo de que a sede seja em
Apiacás. Portanto, houve concordância
na maioria dos assuntos levantados, exceto
o fato de que há uma espécie
de prejuízo à atividade madeireira
por conta da proteção ambiental.
“O problema não é a proteção
ambiental que está prejudicando a atividade
madeireira, mas a sua ilegalidade”, afirmou
Cláudio Maretti, do WWF-Brasil. Ele,
em parceria com o ICV, anunciou que já
existe um acordo com o Ibama para ajudá-lo
a fazer o plano de manejo do Parque Nacional
do Juruena, que deverá ser baseado
em informações científicas,
inclusive contemplando o conhecimento tradicional
e voltará sua atenção
para as atividades do entorno. O WWF declarou
que tem interesse em apoiar essa iniciativa,
não investindo nas atividades, mas
dando assistência técnica e tentado
promover a aproximação entre
os órgãos governamentais e os
interessados.
A conclusão foi a
de que a prefeita vai liderar um processo
de colocação de sugestões
e idéias para a equipe do plano de
manejo. As informações que não
forem para o plano de manejo serão
levadas para a as autoridades competentes
em Brasília. A reunião terminou
por volta das 12h30 e todos almoçaram
juntos no único restaurante da cidade,
o Boi Bom.
À tarde, parte da
equipe visitou a fazenda de Daniel Loretti
da Silva, que transformou uma fazenda de gado
em uma área de plantação
consorciada, onde a principal cultura é
o cupuaçu. Ele acredita que a agricultura
familiar seja a melhor alternativa para o
desenvolvimento de Apiacás. Segundo
Daniel, 35 alqueires com criação
de gado, rende anualmente aproximadamente
3 mil reais; já 1 ½ alqueire
de plantação de cupuaçu,
depois 6 anos, proporciona uma renda de 30
mil reais anuais, além de se poder
consorciar com outras culturas, como milho
e mandioca, que geram ganhos imediatos.