21/06/2006 - A mobilização
reivindicou a continuidade do licenciamento
ambiental do projeto hidrelétrico de
Belo Monte, suspenso por uma ação
judicial promovida pelo Ministério
Público Federal, o asfaltamento da
BR-230 (Transamazônica), a liberação
de planos de manejo florestal, a regularização
fundiária e subsídios para a
atividade agropecuária na região.
Um protesto organizado por
fazendeiros e empresários em defesa
da hidrelétrica de Belo Monte, da indústria
madeireira e do agronegócio paralisou,
na última segunda-feira, dia 19 de
junho, Altamira (PA), 830 quilômetros
a sudoeste de Belém. Entre as principais
reivindicações da mobilização,
destacam-se a continuidade do licenciamento
ambiental da usina, suspenso por uma ação
judicial promovida pelo Ministério
Público Federal, o asfaltamento da
BR-230 (Transamazônica), a liberação
de planos de manejo florestal, a regularização
fundiária de posses acima de 500 hectares
e subsídios para a atividade agropecuária
na região.
Uma carreata percorreu as
principais ruas da cidade e terminou em um
ato público, que contou com discursos
de vários políticos e com a
presença, segundo a Polícia
Militar, de pouco menos de dez mil pessoas.
A rodovia Transamazônica ficou interditada
durante algumas horas. Grandes toras de madeira
foram queimadas próximo ao centro da
cidade, carretas com bois foram estacionadas
na frente das principais agências bancárias
e quatro mil quilos de carne, de acordo com
os organizadores, teriam sido distribuídos
à população. Vários
bancos, repartições e serviços
públicos não funcionaram.
A manifestação
foi marcada por discursos contrários
à atuação do governo
federal na área ambiental, organizações
não-governamentais e movimentos socioambientalistas,
de defesa dos direitos humanos e da reforma
agrária. Segundo representantes desses
movimentos e da gerência executiva do
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis (Ibama)
na cidade, também houve ameaças
e incitação à violência
contra ativistas e instalações
da autarquia. Ainda de acordo com essas fontes,
o protesto teria contado com participação
direta de grileiros de terra, madeireiras
ilegais e fazendeiros que utilizam trabalho
escravo.
Reação
à política ambiental
“Esta reação
vem sendo pensada há muito tempo e
começou com a colocação
de várias faixas, em diversos pontos
da região, com mensagens de ataque
às ONGs e aos movimentos sociais”,
comenta Tarcísio Feitosa, coordenador
da Comissão Pastoral da Terra (CPT)
em Altamira. Ele conta que a criação
de UCs e a negativa do governo em regularizar
posses de terra acima de 500 hectares têm
contrariado os interesses de grileiros de
terras e das madeireiras ilegais, muitos deles
apoiados por políticos e autoridades
da região.
A manifestação
foi organizada oficialmente pelo Comitê
Pró-Desenvolvimento da Transamazônica
e Xingu, fundado em maio deste ano e integrado
por dezenas de organizações
patronais como a Associação
Comercial, Industrial e Agropastorial de Altamira
(Aciapa), o Sindicato dos Pecuaristas e a
Associação da Indústria
Madeireira da cidade, além de 11 prefeituras
de municípios da Transamazônica.
O protesto também teria sido apoiado
por entidades como o Rotary, o Lyons Club
e igrejas evangélicas. Eles consideram
que a política ambiental do governo
federal, as ONGs e o atraso na implantação
de obras de infra-estrutura estão atravancando
o progresso local. Exatamente no mesmo momento
em que acontecia o protesto, representantes
de grandes empreiteiras como a Camargo Corrêa,
a Odebrechet e a Andrade Gutierrez reuniram-se
com o governador em exercício do Pará,
Milton Nobre, em Belém, para pedir
que o governo estadual interfira em favor
da construção da hidrelétrica.
"Belo Monte está
sendo usada como gancho para um movimento
que protesta contra as ações
do governo de fiscalização ambiental
e regularização fundiária.
Eles estão insatisfeitos com o fechamento
das madeireiras", diz Antônia Melo,
integrante da Fundação Viver,
Produzir e Preservar (FVPP) e coordenadora
do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA)
na região da Transamazônica e
Xingu. Ela avalia que não mais de cinco
mil pessoas participaram do protesto e argumenta
que os responsáveis por ele vêm
espalhando um clima de apreensão e
de ameaça aos movimentos sociais na
região. "Eles sortearam brindes,
como celulares e eletrodomésticos,
para tentar atrair pessoas para a manifestação".
O chefe de serviço
da Gerência Executiva do Ibama em Altamira,
Roberto Scarpari, confirma que alguns dos
manifestantes que fizeram discursos durante
o ato público defenderam atos de violência
contra o órgão federal e que
o movimento foi apoiado por grileiros e madeireiras
ilegais. “Temos informações
de que integrantes de uma organização
chamada Bioambiente incitaram as pessoas a
depredar nossas instalações.
A Polícia Federal filmou as falas e
já está investigando o caso.”
Scarpari lembra que cerca de 60 planos de
manejo florestal estão suspensos na
região da Transamazônica por
não atenderem à legislação,
o que desagrada o empresariado local. A Bioambiente
é uma entidade composta sobretudo por
estudantes de agronomia que vem atuando, em
parceria com empresas do grupo Cecílio
Rego de Almeida, contra a criação
de UCs na região (leia mais).
“Nossas reivindicações
prioritárias são o asfaltamento
da Transamazônica, a regularização
fundiária e o ordenamento do setor
madeireiro”, explica Vilmar Soares, coordenador
do Comitê e integrante da Aciapa. Ele
afirma que o movimento não compactua
com práticas ou empresas ilícitas
e que foi financiado por doações
legais, que totalizaram cerca de R$ 100 mil.
Soares desautoriza qualquer tipo de incitação
à violência feita durante a manifestação
e diz que as pessoas que tenham feito isto
terão de se responsabilizar pelo que
disseram. “Queremos convocar a CPT e a FVPP,
outras ONGs e movimentos a discutir em conjunto
o documento final do movimento. Nossa linha
de atuação é debater
e promover o desenvolvimento sustentável
na região. Não é brigar
com ninguém”.
Soares afirma que a mobilização
não defende a construção
da usina de Belo Monte, mas apenas a conclusão
dos estudos ambientais da obra. Ele lembra
que das 24 madeireiras instaladas em Altamira,
apenas seis estão funcionando e considera
que o Ibama deve voltar a liberar os planos
de manejo florestal urgentemente. O empresário
conta ainda que representantes do comitê
irão à Brasília para
apresentar suas reivindicações
e garante que a mobilização
não é contrária à
atuação das ONGs e movimentos
sociais.
Batalha judicial
Localizada no município
de Altamira, Belo Monte é uma das mais
polêmicas hidrelétricas já
projetadas no País, pode afetar diretamente
a vida de nove povos indígenas que
vivem na Bacia do Xingu e vem suscitando mobilizações
e intensos protestos do movimento social da
Amazônia nos últimos dezessete
anos (veja o especial A Polêmica de
Belo Monte). A usina é alvo de uma
batalha judicial cujo último lance
foi o acolhimento, no final do mês passado,
da parte do Tribunal Regional Federal da 1ª
Região, em Brasília, do pedido
de suspensão do processo de licenciamento
ambiental feito pelo MPF em Altamira.
Para movimentos
sociais, a usina de Belo Monte foi usada como
justificativa para protestar contra as ações
ambientais do governo federal.
A decisão impede
a realização de qualquer ato
ou procedimento iniciando o licenciamento
e anulou os efeitos de uma outra deliberação
assinada, no dia 16 de maio, pelo juiz federal
de Altamira Herculano Martins Nacif que autorizava
a continuidade do processo sob responsabilidade
do Ibama. Segundo o MPF, há risco de
desperdício de dinheiro público
se forem iniciados os estudos antes do julgamento
do mérito da questão uma vez
que todo o processo pode ser invalidado se
for, mais à frente, considerado ilegal.
O mérito da discussão
está no Decreto Legislativo nº
788, de 2005, aprovado pelo Congresso Nacional
e que autorizou o empreendimento. Para o MPF,
comunidades indígenas e organizações
socioambientalistas, a norma representa um
desrespeito à legislação
porque foi editada sem consulta às
populações que podem ser afetadas
pelo projeto. A obrigatoriedade de ouvir os
índios antes de liberar qualquer obra
que afete suas terras e seu modo de vida está
determinada no artigo 231 da Constituição.
Pesquisadores e ONGs consideram que, antes
dos estudos de impacto ambiental específicos,
deveria ser realizada uma avaliação
ambiental estratégica integrada para
toda a Bacia do Rio Xingu, uma vez que ela
abriga um grande número de UCs e Terras
Indígenas.