Panorama
 
 
 

WWF-BRASIL EXPLORA O PARQUE NACIONAL JURUENA

Panorama Ambiental
Brasília (DF) – Brasil
Junho de 2006

Entramos no Parque Nacional Juruena

17.06.2006 - Entramos no Parque Nacional Juruena. Mas antes ainda tivemos dificuldade para saída de Apiacás por causa do translado por helicóptero. Esse tipo de transporte sempre traz dificuldades quando temos muita carga ou muita gente – e no caso desta Expedição Juruena-Apuí, temos os dois. Além disso, sempre na Amazônia devemos considerar que os planos de viagem são apenas indicativos, pois as distâncias são grandes e a infra-estrutura e os serviços precários.

Além dos colegas da comunicação (jornalistas, fotógrafos, cinegrafistas...) que se deslocaram ontem para a área do Garimpo Juruena, nos voamos hoje de helicóptero em três viagens, mais algumas adaptações, todos para a região do salto Augusto, no rio Juruena, dentro do parque nacional. Um primeiro grupo foi diretamente para uma pista de pouso, de uma ‘fazenda’, ao lado do Salto Augusto. Outro grupo, comigo junto, foi levado até o garimpo, consultamos a situação dos jornalistas que ainda se encontravam por lá, e depois fomos levados para onde se encontrava “a chalana” – como é conhecido o barco Cobrana 3 –, num porto próximo do garimpo. O helicóptero foi resgatar os colegas na pista de pouso e trouxeram para a pousada Salto Augusto. O terceiro grupo foi levado de Apiacás diretamente para a pousada, e o helicóptero depois voltou para resgatar os colegas no garimpo e sobrevoou com eles a área... Ufa!!
Finalmente nos reunimos todos na pousada Salto Augusto, muito próxima do próprio salto Augusto, no final da tarde. A pousada Salto Augusto fica cerca de 10 Km dentro do parque nacional, descendo pelo rio Juruena. Estamos na foz do rio São João da Barra. Entretanto, vários trabalhos foram sendo feitos. O Dante Buzzetti, ornitólogo, saiu ao redor, tanto da pista de pouso, como da pousada, e já conseguiu reconhecer umas oitenta espécies de aves, além de ter olhado vários ninhos, que é sua especialidade. Estamos especulando sobre a formação rochosa, mas tudo leva a crer que estamos em uma região de “basalto de subsuperfície” que em contato com arenito “cozinhou”, formando quartzitos, como afirmou o Gustavo Irgang, geógrafo e ecólogo. Estes, como das formações mais resistentes ao intemperismo, junto com a anterior, provavelmente formam a resistência que representa o local da queda d’água.

Ivã Avi, especialista, fez observações sobre o potencial de esportes de aventura no início do rio. Zig Koch, fotógrafo, Robson Maia e Lúcio Teixeira, cinegrafistas, puderam fazer imagens do parque nacional, do rio e das quedas d’água. Cláudio Maretti (eu), Michael Evers, Marcos R. Pinheiro, especialistas em conservação do WWF-Brasil e do WWF-Alemanha, com Francisco Livino, da Direc-Ibama, Rogério Vereza, da DAP-SBF-MMA e Osmar, da Prefeitura de Apiacás, fizemos observações e conversamos sobre os primeiros passos para a implementação do parque nacional.

Solange Arrolho, professora da Universidade Estadual do Mato Grosso (Unemat), especialista em recursos hídricos e águas continentais, já coletou lambaris dos gêneros Astyanax, Tetragonopterus, Brachichalcinus, matrinchã Brycon, piau Leporinus fridericii e bicuda Bourengerella. Espera-se que a icitofauna, isto é, os peixes, do rio Juruena seja similar a outras da região norte do Mato Grosso e guarde semelhanças com os sistemas de rios de águas transparentes da Amazônia, além de suas próprias particularidades.

Os rios da Amazônia se classificam em três tipos de águas. Dos rios de águas brancas, ou barrentas, dos quais o mais conhecido é o próprio Solimões, sobretudo por causa dos sedimentos advindos dos Andes. Eles normalmente são os mais ricos em termos de peixes, quase sempre associado com a presença de muitos insetos. Os rios e outros corpos de água negra dependem da drenagem das suas bacias, seja areias ou trechos possivelmente alagadiços, com acúmulo de matéria orgânica, tornando as águas muito ácidas (o pH pode chegar a 3,5!). Como o nome diz, o mais típico é o próprio rio Negro, que se junta ao rio Solimões, formando o rio Amazonas. O terceiro grupo é o das águas claras, ou transparentes, como o rio Tapajós. Curiosamente, nesta região, o rio Tapajós é formado pelo Teles Pires, no qual o Cristalino é um afluente importante, e pelo Juruena. O primeiro é um rio de águas quase transparentes e o segundo é um rio de águas negras. O Teles Pires se diz que é de águas brancas, ou barrentas, embora haja alguma polêmica em termos de isso ser em função da ocupação, com erosão e alguma poluição, seja dos garimpos, com mercúrio e arsênico, seja do uso de agrotóxicos, sobretudo nas plantações de soja das cabeceiras, levando metais pesados para as águas.

No caso do rio Juruena, suas águas mais para transparentes se justificam por ter suas nascentes em região calcária. Sua bacia tem ocupação predominantemente divida entre pastos e florestas. A qualidade de suas águas ainda é relativamente boa, mas provavelmente com contaminação a partir do garimpo. Essa área seguramente é uma prioridade para a qualidade da proteção da natureza dentro do Parque Nacional Juruena.
Por Cláudio C. Maretti, com Ana Cíntia Guazzelli

Lendas e mitos da região

23.06.2006 - Histórias incríveis de peixes que podem engolir um homem, da "vertigem" causada pela floresta, de onças ferozes e monstros mitológicos, povoam o imaginário dos moradores do Pontal do Apiacás. As lendas e mitos que cercam as belezas do encontro dos rios Juruena e Teles Pires - na fronteira dos Estados do Amazonas, Mato Grosso e Pará -, são mais uma das muitas surpresas encontradas na região.

"Cuidado com a floresta tem gente que vai e volta com a cabeça virada", é o aviso dos ribeirinhos aos visitantes recém-chegados. Mas história de que a mata pode enlouquecer um homem, parece ser apenas uma forma encontrada pela população local para evitar a invasão de madeireiros, garimpeiros e caçadores ilegais.

Outro defensor da floresta muito popular nas conversas mais animadas da região é o mapinguari. Descrito quase sempre como um animal de mais de dois metros, peludo, com garras gigantescas, dentes enormes e que adora alimentar-se de "caçadores". Segundo a lenda, a temida fera ataca de dia e emite sons iguais aos feitos em troncos de sapupema, árvore típica da região utilizada para a comunicação entre quem está na mata, para confundir e atrair as pessoas. Muitos juram terem visto o bicho e alguns até lutaram com ele. Os relatos são tão constantes entre ribeirinhos e seringueiros, que uma equipe de pesquisadores do museu Paraense Emílio Goeldi, chegou a fazer uma expedição na Amazônia em busca do animal.

A suspeita dos cientistas era que o mapinguaria fosse uma preguiça gigante (Megatherium america). Espécie considerada extinta há milhares de anos, possivelmente refugiada na floresta. Algumas pegadas e marcas em árvores foram registradas, muitas histórias contadas, mas nada de concreto ficou comprovado. Apesar das incertezas da ciência, o monstro continua sendo muito real no imaginário dos moradores do Pontal do Apiacás. E ninguém arrisca entrar desacompanhado na mata para caçar, ou pescar.

A existência do temido monstro também é comum entre os povos indígenas. Para eles, depois um feitiço, um velho pajé transformou-se no mapinguari para proteger a natureza de todos aqueles que a desrespeitarem. Alguns antropólogos acreditam que a lenda tem origem similar ao de outro defensor da floresta, o curupira, o famoso indiozinho de cabelos vermelhos e pés virados que vive para assombrar caçadores.

Se em terra firme é o mapinguari que aterroriza os homens, nas águas profundas e misteriosas do Juruena, são as piraíbas (Brachyplathystoma filamentosum) as responsáveis pelos "causos" mais fantásticos. O peixe é uma das maiores espécies de água doce do mundo, e por isso foi apelidada de o tubarão dos rios. Uma piraíba adulta pode ultrapassar os dois metros de comprimento e chegar até 300 quilos. Para ter uma dimensão da grandiosidade da espécie, basta saber que os indivíduos com até 60 quilos ainda são chamados de "filhotes".

Esse peixe de couro gosta das profundezas dos leitos de rios, mas ao contrário dos jaús (Paulicea lutkeni e Zungaro zungaro), não é de ficar em poços ou tocas de pedras. E o Juruena, com suas águas claras e correntes, é um de seus locais preferidos na Amazônia.

Todo ribeirinho da região que se preze tem algo a contar sobre a piraíba. Afinal, um peixe tão grande é o protagonista perfeito para ilustrar uma história de pescador. Mas, apesar da fama de poder engolir um homem adulto, os pesquisadores são unânimes em afirmar que a piraíba é muito mais vítima da ação humana do que vilã. Suas populações estão cada vez mais reduzidas devido à destruição das matas ciliares e à poluição dos rios. Com isso, captura de indivíduos de grande porte é cada vez mais rara.

As onças pintadas (Panthera onca) são um capítulo à parte nas matas do Jurena e sua existência são uma das poucas certezas protegidas pela floresta. Na década de 60, quando as peles ainda podiam ser comercializadas abertamente, o Pontal do Apiacás era um dos locais preferidos para a caça desses felinos. Alguns moradores ainda guardam escondidas em suas casas enormes "fantasias", como chamam a tão cobiçada pele. Com a caça proibida, hoje, as onças são mais uma das muitas espécies que se refugiam no Parque Nacional do Juruena. Fator que somado a megadiversidade e beleza das suas paisagens, o torna uma das mais importantes áreas de proteção do Brasil.

Expedição Juruena-Apuí: 180 anos depois da Langsdorff

23.06.2006 - Integrantes da expedição Jurena-Apuí vivenciam em seu dia-dia os mesmos perigos e belezas descritos nos diários de viagem de Langsdorff (1826-29). Desde o início da etapa fluvial, em Salto Augusto (MT), os roteiros das duas aventuras se cruzaram, trazendo a tona um passado no qual a natureza é a principal protagonista e o rio Jurena continua a desafiar os sentidos dos que se atrevem em navegá-lo.

O isolamento gerado pela complicada transposição do rio preservou as paisagens e fez com que a passagem do tempo pareça não existir para a região. As águas cristalinas, praias de arreias brancas, matas fechadas e a possibilidade de encontrar espécies endêmicas, também dão um sentido maior as dificuldades de vencer as lendárias corredeiras.

Talvez venha deste componente a razão pela qual a força das águas do Juruena tenha sido exaustivamente descrita pelos exploradores da expedição Langsdorff. “Podem-se molhar os pés na espuma da margem, não alcançando a vista nada mais do que alvacento barátro no qual se engolfa o rio com estronde da trovoada, espadanando-se as ondas, rugindo em massas animadas que se embatem, como a querendo devorar-se umas às outras e produzindo vapores condensados que, erguendo-se aos céus em seis colunas, a modo de bulcões rutilantes de alvura, de pronto se dissipam nos ares”, relatou o artista e pesquisador Hércules Florence.

Além de impressionante, e muitas vezes intransponíveis, esse movimento constante da água nas pedras é responsável por um dos elementos chaves para explicar o alto endemismo de espécies. Isso porque o vapor conseqüente das inúmeras corredeiras propicia uma grande umidade na mata ciliar (floresta ombrofila ciliar), criando um habitat diferenciado das demais regiões da Amazônia meridional.

As dificuldades de acesso também auxiliaram na conservação de espécies de alto valor comercial, como a castanha-do-Brasil (Bertholletia excelsa), ou tucuri. O interesse em obter mais informações sobre a castanheira foi uma das razões que levou o naturalista russo à Amazônia, como apontam os relatos dos diários de viagem. “Muito se regozijava o sr. Langsdorff com a idéia que ia ver o tucuri. Pelo que dizia, era árvore quase desconhecida na Europa tendo tido muitas expressas recomendações de sábios para colher todas as indicações possíveis a seu respeito... Esta árvore, que se eleva acima de qualquer outra e cujos ramos e expessa folhagem coroam um cauleto reto como uma coluna, e de grossura a não poder ser às vezes abarcado por cinco homens.”

O final do trecho de corredeiras e saltos, depois do encontro dos rios Jurena e Teles Pires, marcará o desencontro dos roteiros das duas expedições. Após esse ponto da viagem a comitiva da expedição Langsdorff seguiu pelo rio Tapajós em direção a Santarém (PA). Já os integrantes da Expedição Jurena-Apuí tomam rumo contrário. Descerão o rio Sucunduri até o ponto mais próximo da cidade de Apuí (AM).

Turismo

“Do outro lado da queda, vê-se a ilha à qual já me referi. Rodeada de líquidos sorvedouros, de ondas tão altas como as do oceano, por todos os lados inacessíveis... Pé humano ainda não a pisou. Pisá-la um dia, quando a civilização tiver penetrado nessas regiões? É o que se pode afirmar com toda a segurança”, divagou o artista Hércules Florence, ao contemplar locais de rara beleza e acessos proibitivos na época.

A certeza de que um dia o homem votaria a região parecia clara para esses exploradores. Hoje, uma grande faixa do curso do Juruena faz a divisa de dois Parques, o estadual do Sucunduri (AM) e o nacional do Juruena (MT). E as mesmas corredeiras apontadas como o tormento dos viajantes, são vistas como locais potenciais para a prática de esportes (rafiting) e o ecoturismo. E, apesar da atual ausência de infra-estrutura, as indagações de Florence parecem certas. Após a elaboração do plano de manejo desses parques, um dia o acesso poderá ser facilitado. Mas, desta vez ao invés de exploradores, turistas poderão conhecer as belezas da região. Protegidas hoje por um mosaico de unidades de conservação.
Expedição Juruena-Apuí visita terra indígena Kayabi

23.06.2006 - Depois de chegarmos em Jurumé, no baixo Juruena (antes de se tornar Tapajós, na confluência do Juruena com o Teles Pires), encerramos a segunda fase da expedição. Na transição entre a segunda e terceira fase, algumas atividades se encaixam. Uma delas, muito importante, foi a visita que representantes da Expedição Juruena-Apuí fizeram à terra indígena Kayabi.

Nos apresentamos como uma expedição para reconhecimento do parque e apoio aos primeiros passos da implementação da unidade de conservação com representantes do MMA, Ibama, WWF-Brasil, ICV, etc. Explicamos os objetivos, o roteiro realizado, as perspectivas da expedição nos próximos dias. A pedido deles, explicamos também o que é o parque nacional, seus limites, objetivos e restrições.

Uma seqüência de representantes deles, entre kayabis e mundurukus, apresentaram dúvidas, reclamações e reivindicações. Basicamente, eles tinham medo de sobreposição do Parque Nacional Juruena sobre a terra indígena Kayabi. Acreditam que muitas vezes há tendências de diminuição da sua terra indígena, inclusive por parte dos governos. Isso foi prontamente esclarecido, quando mostramos os mapas, explicando a eles que o limite utilizado no mapa deles era ultrapassado. Mostramos o mapa com os limites atuais do Parque Nacional Juruena, explicando que o interesse é justamente colar as áreas para benefício mútuo. Confirmamos que houve várias conversar entre o MMA, o Ibama e a Funai e eles chegaram a um acordo.

Além desse ponto, havia muitas reclamações sobre invasões das terras deles por ‘madeireiros’, que na verdade são grileiros. Dizem que não podem mais se sustentar dessa forma, pois inclusive os impedem de ir retirar ‘materiais’ que precisam para o artesanato na margem esquerda do rio Teles Pires. Há, na verdade, duas frentes de agressão aos índios, uma que vem de sudeste, sobretudo pelo rio Cururu. Apesar do aparente ceticismo, pedem ajuda do Ibama, pois dizem que não podem viver sem assistência para enfrentar esses invasores.

Há também outros tipos de problemas. Oficialmente existem três pousadas, uma delas dentro da terra indígena, e duas que usam os seus rios. Uma delas eles não queriam, mas fizeram acordo por falta de alternativas, sem apoio da Funai. As outras, com as quais têm acordo, com intervenção da Funai.

E há ainda os garimpos, com dragas e balsas, sendo que os kayabis, expulsaram alguns de suas terras, mas ainda freqüentam abaixo da corredeira Rasteira. Na maioria desses casos, os índios recebem recursos das ‘empresas’, como se fossem concessões. Os pescadores, aqueles que depauperavam o rio, foram assustados por eles e não mais voltam a essas zonas.

No final das contas, fica a idéia que para eles, é muito bem-vinda a presença do Parque Nacional Juruena, se não se sobrepõe com a terra indígena. Há interesse em colaboração, mas esperam atuação dos responsáveis para fazer com que as leis sejam cumpridas.
Por Cláudio C. Maretti

O ataque dos insetos durante a longa noite de trabalho

20.06.2006 - Ao tentar trabalhar, tivemos imensa dificuldade, pois fomos invadidos por insetos (falsa ‘borboletinha’ ou falsa ‘mariposinha’ da ordem Ephemeroptera, que sai do estágio de pupa (um estágio intermediário entre a larva e o adulto), no rio, para uma vida muito efêmera – de onde o nome da ordem – no ar, apenas para reproduzir e morrer, segundo Hélio Marcos Olsen, biólogo da Unemat) em quantidade tal que provavelmente danificou nossos aparelhos. Esperamos conseguir continuar a trabalhar pelo menos até o final da expedição. Como no filme de Alfred Hitchcock, Os Pássaros, nos sentíamos no roteiro de Os Insetos, pois chegavam do rio aos milhares, atraídos pelas lâmpadas do acampamento. Como precisamos do gerador para trabalhar nos relatos e fotos para a cobertura ‘on-line’, além de facilitar a vida das cozinheiras e outras ações, não podíamos desligá-los. Os insetos acabavam caindo no chão, na mesa improvisada do acampamento e até no meio das teclas dos computadores, atraídas pelas telas.

Home Office na selva

Parece até brincadeira, mas a situação era tão caótica que resolvemos nos espalhar, dispersando o “escritório”. Uma pessoa foi para a barraca, criando o novíssimo conceito de tent-office, ou home office da selva, outra encostou num barco ao lado, longe das luzes, mas continuou brigando com os insetos que vinham atraídos pela tela do computador e uma terceira desistiu. Houve algumas legas de insetos. Quando pensávamos estarmos livres das mariposas e tentávamos nos reunir no ‘escritório de campo’, nova ‘revoada’ nos expulsava. No final, havia quase um centímetro de insetos espalhados pela mesa e pelo chão.

Durante a noite, nós que dormíamos em redes, mais dentro da mata, fomos invadidos por cupins. Nossas mochilas, os sacos das redes, até capas das câmeras fotográficas, felizmente não os aparelhos foram invadidas por cupins, milhões deles.

Preparação e envio de material

Mesmo sem os insetos, a preparação dos relatórios, das fotos e o envio do material, por comunicação de ‘Internet’ via satélite, toma muito tempo. Normalmente, não considerando a ‘pesquisa’ durante o dia, gastamos de 1 a 3 horas para discutir, escolher a pauta, associar temas com as fotos do dia, dividir tarefas, escrever e preparar fotos. Quando possível, e se somos mais de um, revisamos mutuamente textos, e textos já escritos, e com fotos já preparadas, relacionamos novamente textos e fotos dentro do possível.

Como as condições não são muito boas, a integração está longe de ser perfeita. Não temos disponíveis equipamentos em quantidade e qualidade e as vivências no campo são muito diferentes. Inevitavelmente, sobra para alguém dar a versão final em um ou mais textos e fazer a legenda das fotos. Como há necessidade de legenda das fotos em português e em inglês, porque as notícias e fotos são colocadas no site do WWF-Internacional e no site do WWF-Alemanha, não raro isso fica para mim. Às vezes consigo preparar o texto em inglês antes das demais atividades, noutras no final de tudo, tenho que traduzir e resumir para enviar as versões resumidas e antecipadas.

O principal empecilho são os diferentes fusos na Europa, principamente na Suíça e na Alemanha, onde estão sendo publicadas as notícias (a partir Brasília, Gland e Frankfurt). Como eles estão cerca de cinco horas à nossa frente, não podem esperar os horários brasileiros. No site do WWF-Alemanha tem saído preferencialmente os resumos, feitos pelo Michael Evers ou por mim. No site do WWF-Internacional tem saído a tradução a partir da versão mais completa brasileira. Ou seja, enviamos texto e fotos para Brasília, onde são feitas as edições, revisões e traduções à noite ou pela manhã, e envio da versão final traduzida. Os textos chegam à Brasília por volta das 2h e todo o trabalho é feito até às 9h, para que chegue em Gland num horário razoável.

Difícil conexão via satélite

Mas a tarefa de enviar as fotos e as mensagens costuma ser o mais problemático.
Foram vários dias para instalação dos programas. Como os nossos sistemas nos computadores não reconhecem com facilidade o programa, houve necessidade de dezenas e dezenas de tentativas até a instalação e funcionamento dos programas adequado. Isso me consumiu boa parte dos primeiros dois dias e noites em Apiacás, quando começamos a necessitar de conexão via satélite, pois em Alta Floresta ainda tínhamos Internet disponível no hotel.

Uma vez instalados os programas e preparados os computadores, vemos várias vezes mensagens de impossibilidade de conexão como “outro modem utilizando”, “linha ocupada”, etc, antes de conseguirmos de fato uma conexão. O pior é que isso vem ocorrendo praticamente todas as noites da expedição, nos obrigando a entrar madrugada adentro: tentativas de conexão seguidas de ‘liga-desliga’, ‘pluga-despluga’, ‘liga-num-liga-noutro’, e inumeríssimos ‘começa-tudo-outra-vez’, até que conseguirmos uma, duas ou mais conexões necessárias para mandar os textos e fotos para Brasília e Frankfurt.

Isso leva horas, e, portanto, ficamos, alguns de nós, trabalhando no ‘escritório do acampamento’, até perto de meia-noite, e outros de nós até 2 ou 3 horas da madrugada. No dia seguinte, toca acordar bem cedo e partir para a maratona de ‘navega-caminha-carrega-etc.’, sob sol escaldante, e carregando quilos e quilos de computador, baterias, fontes, aparelhos de conexão via satélite, etc.
Mas, com certeza, as maravilhas que vemos por aqui nos fazem esquecer o cansaço e as dificuldades e lembrar de como é importante preservamos este espaço e criarmos áreas de conservação para manter a biodiversidade.
Por Cláudio C. Maretti, com Ana Cíntia Guazzelli

Pouco avanço na distância, mas belas paisagens

20.06.2006 - Hoje não avançamos muito, apenas cerca de 10 Km pelo rio, uns 8 Km em linha reta. Saímos da praia onde acampamos, logo após a corredeira de São Gabriel e não andamos muito até termos que parar, saltar, carregar nossas coisas, enquanto os piloteiros atravessavam a corredeira Santa Íria, ou dos Macacos. Uma travessia relativamente rápida.

Novamente, uma navegação curta, até a corredeira Santa Úrsula. Nessa bonita cachoeirinha, tivemos que pegar praticamente todas as coisas que pudessem molhar. Alguns de nós, como eu, não tiveram alternativa senão deixar molhar algumas poucas bagagens como mochila de roupas e que poderiam eventualmente molhar (como de fato ocorreu com minha mochila de rede para dormir. As roupas molharam, mas salvei de um banho tudo o que estava no ‘carote’, uma espécie de ‘tonelzinho’ de plástico que carrego: computadores, fontes., uma sacola com antena, telefone e demais aparelhos para conexão via satélite e uma mochilinha de objetos pessoais com câmera fotográfica, canga para proteção do sol, repelente e óleo de andiroba (ótimo repelente natural que alterno com o industrializado para tentar efeito melhor contra os milhões de ‘piuns’ ou ‘borrachudinhos’).

Dessa vez, a caminhada foi pouquinho mais longa. Na verdade provavelmente não chegou a um quilômetro, mas parece bem maior por causa da carga. Esperávamos que a travessia dessa corredeira fosse mais demorada, pois os piloteiros tiveram que descer os barcos na mão, ‘de costas’ (de popa para frente e proa para trás), segurando com cordas e com muito cuidado. Como isso já era previsto, decidimos, excepcionalmente, aproveitar essa parada para fazer almoço. Uma ótima idéia, sobretudo para quem pouco dormiu e saiu atrasado, sem tomar café-da-manhã, como eu. Eles conseguiram passar bem pela corredeira, apesar do trabalho, e tivemos todos um almoço tranqüilo. Ainda temos carnes e frango congelados nas ‘geladeiras’ ou caixas de isopor.

Depois, mais uma navegação mínima e novamente paramos para travessia das Corredeiras do Inferno. Apesar do nome, achávamos que seria difícil, mas não muito demorada. Na verdade, foi muito mais difícil que o previsto e levou grande parte da tarde. Agora, a próxima parada é a cachoeira da Misericórdia. Talvez nosso último obstáculo importante. Por causa do imprevisto de tempo, resolvemos acampar por ali mesmo e passar a última corredeira amanhã.

Maravilhas da natureza

Levantamos acampamento após as Corredeiras do Inferno, na margem direita. Como estamos, desde ontem, navegando na fronteira do Mato Grosso (lado do Parque Nacional do Juruena) e do Amazonas (lado do Parque Estadual do Sucunduri), acampamos no Mato Grosso. Chegamos perto de 17h, o que nos permitiu relaxar um pouco, tomar banho de rio e assistir ao maravilhoso pôr-do-sol. Foi muito agradável, ainda que alguns tenham preferido leituras, outros preparar as barracas ou redes e eu iniciar os trabalhos, numa nova tentativa – até agora vã – de abreviar o trabalho noturno.
Apesar do pouco avanço, passamos por paisagens maravilhosas hoje. Rio, corredeiras, praias, palmeiras, espuma, florestas, tudo misturado e composto em belezas superlativas. Acreditem, as fotos não representam nem uma pequena fração do que vemos diretamente.

Turismo

Também do ponto de vista do potencial de rafting, nosso especialista Ivã Avi, considerou que todo o trecho feito hoje é de grande qualidade, algumas partes para remar, corredeiras bem interessantes, com dificuldades variáveis, em paisagens magníficas.
Eu, como especialista de áreas protegidas, entendo que a prioridade é a proteção da natureza. Mas é um conjunto de alguns objetivos que definem uma categoria de gestão de uma unidade de conservação. E, um parque – nacional, estadual ou municipal – tem que haver condições para o turismo, o bom ecoturismo, aquele que serve para o lazer nas suas várias formas, desde que sem destruição da natureza, e permite aos interessados reflexões sobre comportamentos sociais.
Por Cláudio C. Maretti, com Ana Cíntia Guazzelli

Copa do mundo com os índios apiakás

22.06.2006 - A expectativa era geral. Meia hora antes de começar o jogo Brasil x Japão ainda não sabíamos se assistiríamos ou não à partida. Isso porque a pousada que nos receberia, a Jurumé, estava fechada, sem uma viva alma. Soubemos, mais tarde, que a responsável pelo empreendimento ficou sem suprimentos e resolveu ir embora. A informação veio de indígenas de uma pequena localidade formada por dissidentes dos índios apiakás que vivem na Terra Indígena Kayabi, localizada na margem direita do rio Juruena, próxima de onde estávamos, que abriram uma de suas casas para juntos assistirmos à vitória do Brasil sobre o Japão.

Em uma situação inusitada, lotamos a sala da cabana, coberta por palha e forrada com carpete. Isso mesmo! O chão da cabana tinha tapetes. Soube, depois, pela dona da habitação, Maria Ieda Ponhun, uma índia Muduruku, que eram sobras de garimpo, ganhadas por um de seus 10 filhos. Dos tapetes, o menino conseguiu retirar 250 gramas de sobras de ouro, que renderam parte do recurso utilizado para a compra da primeira TV do local, ligada hoje pela segunda vez.

Os integrantes da Expedição Juruena-Apuí não se intimidaram. Seguindo o costume da casa, deixaram os calçados na porta, e logo estavam espalhados por toda a sala. Visitantes e anfitriões vibravam a cada gol. Os olhos das crianças não se desviavam da tela. Já Roberto Dachê (que, segundo ele, na língua munduruku significa gavião), chefe substituto da comunidade, afirmou que pouco se interessa por futebol. “Eu só torço pro Brasil quando ele está ganhando”, disse, sem disfarçar o contentamento pela nova aquisição, mostrando a antena parabólica que completa o conjunto para transmissão.

Apenas 21 pessoas, de seis famílias apiakás moram no local. Todos aculturados, mas querendo se aprumar, inclusive reforçando suas tradições. Segundo Roberto, desde pequeno tem contato com brancos. Aos poucos, adquiriu seus modos e costumes e hoje já não fala o idioma dos seus pais, o munduruku, só entende, mas se arrepende. “Antes, tudo era só na flecha. Agora, perdemos nossa cultura e sofremos com isso. Gostaria que tudo voltasse como era antigamente”. Para comprar os produtos industrializados que já fazem parte do seu cotidiano, como café, açúcar e arroz, ele conta com o salário da esposa, que trabalha como agente de saúde, com a venda de galinhas e de melancia. Da floresta, retira castanha, coco do babaçu, látex, caça e pesca.

Roberto garante que os apiakás são os verdadeiros donos das terras que ocupam desde setembro do ano passado. No local de onde eles saíram, uma aldeia do outro lado do pontal, próximo ao rio Teles Pires, havia conflitos com os kayabis. Já deste lado do pontal, onde ele agora se instalou há menos de um ano, ainda ninguém veio mexer com eles. Quem os orientou, segundo o líder, foi o procurador do Ministério Público Federal e o presidente do Incra, em Cuiabá, cujos nomes foram esquecidos.

Quanto à criação do parque, a exemplo dos garimpeiros do Juruena, os índios apiacás também tomaram conhecimento através da Rádio Nacional, mas não têm clareza de como a nova unidade de conservação poderá interferir em suas vidas. Ele não sabia que a terra que hoje ocupam pertence agora ao Parque Nacional do Juruena, mas garante que para eles, indígenas, não lhes interessa “esse negócio de fazenda. O que queremos é o verde”.

Depois do jogo voltamos para a pousada. Era hora de se instalar. Hoje foi o último dia que passamos por cachoeiras e corredeiras do rio Juruena. Amanhã, o grupo se divide. Parte vai a tribo dos kayabis, no rio Teles Pires, outros saem cedo para suas pesquisas e a terceira fica na pousada Jurumé, aguardando para ser transportada para Terra Preta. Depois de amanhã, iniciaremos a terceira e última etapa da expedição, no Parque Estadual do Sucunduri, parte do Mosaico de Apuí, no Amazonas.
Por Ana Cíntia Guazzelli, com Cláudio Maretti

Expedição Langsdorff também esteve no Salto Augusto

18.06.2006 - Depois de 180 anos da passagem do naturalista russo Langsdorff, a equipe da expedição Juruena-Apuí atinge as quedas do Salto Augusto, no rio Juruena (MT). A região é um dos marcos de uma das maiores viagens de reconhecimento da flora e fauna Amazônica, a expedição Langsdorff. O legado de sua ousadia está registrado na forma de um acervo científico de mais de duas mil peças, entre manuscritos redigidos em alemão gótico, desenhos, coleções minerais e animais.

Idealizada pelo naturalista, cônsul geral da Rússia e um apaixonado pelo Brasil, o barão Grigóry Ivanovitch Langsdorff, a expedição foi uma das pioneiras na exploração do interior do país. Com autorização do jovem Imperador D. Pedro I e uma equipe de 39 pessoas, entre artistas, botânicos, médicos, astrônomos, geógrafos e naturalistas, os viajantes partiram em 1825 de Porto Feliz às margens do rio Tiête (SP) e chegaram em 1828 à Belém (PA). Mas, as dificuldades de transpor uma das regiões mais inóspitas da Amazônia, somadas à malária, fome e trágicos acidentes, fizeram com que apenas 12 homens retornassem com vida da aventura.

Foi em Salto Augusto, depois de percorrerem um trecho de 400 quilômetros em meio à floresta e vencerem mais de 25 corredeiras no Juruena que Langsdorff, já abatido pela malária, fez um dos últimos registros em seu diário."Com a ajuda e assistência de Deus, estou vivo e posso escrever... Desde 24 de abril, passo a maior parte do dia e da noite inconsciente e entregue aos mais fantásticos sonhos". Após esse ponto da viagem o naturalista nunca mais recuperou a lucidez, falecendo 26 anos depois em Freiburg, na Alemanha.

A chegada ao Pará foi um desvio da viagem, pois o roteiro inicial era ir à barra do rio Negro (Manaus) para encontrar uma segunda equipe que seguia pelo rio Guaporé (MT). Depois do rio Amazonas, os expedicionários pretendiam atingir o Orinoco e seguir pelas Guinas. Mas a morte do jovem artista Adrien Taunay no rio Guarporé e a doença de Langsdorff interromperam a viagem. Apesar de não terem completado todo seu ousado itinerário, foram percorridos nada menos que seis mil quilômetros em terras brasileiras.

E hoje, o mesmo Salto Augusto e suas fantásticas cachoeiras são o cenário escolhido pelos os membros da expedição Jurena-Apuí, para iniciar o contato direto com a fauna e flora do Parque Nacional do Juruena. Serão cinco dias de barco descendo as lendárias corredeiras até a barra do São Tomé. Tudo isso com o igual objetivo de registrar imagens e observar espécies locais, algumas possivelmente nunca estudadas antes. Mas, desta vez, no lugar dos frágeis batelões de madeira utilizados pelos aventureiros em 1825, os expedicionários contam com a proteção de modernos equipamentos de segurança e comunicação para começarem a seguir os passos daquela que foi considerada mundialmente como uma das mais importantes expedições científicas do século XIX.

O acervo

O acervo de Langsdorff quase foi completamente perdido e chegou a desaparecer por mais de cem anos. Mas, após a década de 30, historiadores russos encontram os manuscritos e desenhos coletados pelo barão. O resultado foi a reunião de um legado iconográfico, cartográfico e antropológico de cerca de duas mil páginas manuscritas, 300 desenhos, peças de indumentária indígena e uma série de animais empalhados.
"Este é o último acervo clássico sobre o Brasil ainda não incorporado à ciência e à cultura", escreveu o historiador Boris Komissarov. Microfilmes feitos a partir dos originais da viagem podem ser conferidos de perto no Centro da Memória, na Universidade de Campinas (Unicamp).

Equipe de comunicação passa um dia e uma noite no garimpo

17.06.2006 - Ainda como atividade da primeira fase da expedição, que se encerraria hoje, 17, com o início da descida do rio Juruena, nossa visita ao garimpo Juruena estava prevista para ontem, sexta-feira, com o principal objetivo de dar continuidade ao processo de interação com os atores sociais locais, neste caso, os garimpeiros, que estão instalados a cerca de dez quilômetros ao limite sul do Parque Nacional do Juruena, portanto em sua área de entorno, mas com grande influência nas águas do principal rio do parque nacional. A primeira equipe a sair de Apiacás foi a de comunicação: fotógrafo, cinegrafista, auxiliar, jornalista alemão e eu. Voamos por cerca de 35 minutos em um monomotor.

A expectativa era grande. Ninguém sabia o que nos aguardava, já que o garimpeiro com quem tínhamos feito contato durante a pré-produção da expedição e que autorizou nossa entrada na área, o Raimundinho, estava envolvido com o deslocamento dos nossos 1.400 litros de gasolina, 400 litros de óleo diesel, voadeiras e motores, mantimentos, cozinheiras e piloteiros em sua chalana – pequena embarcação de fundo chato, usada no tráfego em rios e igarapés – que serão utilizados a partir de amanhã, durante a etapa fluvial da expedição. Nossa única segurança era o piloto, Plínio, experiente e muito conhecido naquele garimpo, que nos acompanhou até a pista de pouso e nos apresentou aos cerca de 10 garimpeiros que chegaram na carroceria de um velho caminhão para nos recepcionar.

Violência, orgia e muito desperdício de dinheiro sempre estiveram associados à imagem dos garimpos. Com o Juruena não foi diferente. Mesmo tendo se iniciado muito antes, e passado a crescer por volta de 1985, a sua produção poderia ter tido alguns picos, talvez um ainda na década de 1980, mas outro nos anos 1997 a 99. Diz-se na região que, no auge de sua produção, até 500 Kg saíam por mês do garimpo, e circulavam naquela área mais de 10 mil pessoas - alguns dizem que até por volta de 20 mil pessoas habitavam a região. Trinta vôos diários transportavam aventureiros de diversas regiões do Brasil, que todos os dias ali desembarcavam em busca da tão sonhada riqueza. A cobiça pelo ouro também gerava constantes conflitos, que não raramente terminavam em mortes.

Foi com esta visão do passado que chegamos ao garimpo Juruena e logo nos vimos rodeados por cerca de 20 garimpeiros curiosos e de certa forma ressabiados com a presença de nossa equipe. A conversa fluiu em torno, principalmente, do objetivo de nossa expedição. Logo percebi que ganhava a confiança deles e em pouco tempo já conversávamos sobre suas condições atuais de vida.

Alguns ali presentes moram no garimpo há mais de 20 anos. Suas histórias são semelhantes, sempre envolvidas com movimentações de grandes somas, ilusão de poder e a certeza de que a vida farta nunca teria fim. Diversos relatos me revelaram situações inusitadas, principalmente relacionadas ao desperdício de dinheiro, como a contratação de um vôo somente para transportar um chapéu da moda, ou ainda a vez que o mesmo garimpeiro resolveu pagar o frete de um avião para retirar do garimpo uma leitoa, somente por ter olhos azuis e merecer, no seu entender, uma moradia melhor. Contaram também que em uma das várias festas ali promovidas, um homem arrebatou no leilão um frango por 100 gramas de ouro e ali mesmo o ofereceu para seu cachorro, Rex. Hoje, esta quantia seria equivalente a R$ 4.000.
A diversão não era só local. Cantores nacionais como Zé Ramalho, Ovelha, Rita Cadilac e Odair José já fizeram seus ‘shows’ no garimpo Juruena. A entrada custava 5 gramas de ouro e a bilheteria chegava a até 3 quilos do metal, que, segundo Pedro Luiz Dias, era quase toda repassada para os artistas.

Hoje, a realidade é antítese do passado. A produção atual deles corresponde, conforme Mauro Rezende Silva, a 15% do que foi no tempo áureo da extração. No local, não vivem mais do que 200 pessoas. Aqueles que insistem na permanência garantem que não têm para onde ir, nem a quem recorrer. Reconhecem que trabalham na ilegalidade e lamentam a falta de titularidade das terras onde vivem. Não pouparam. Não investiram no futuro e se sentem desprotegidos e amedrontados com a expansão das fazendas vizinhas, que estão com suas cercas cada vez mais próximas da área do garimpo.

De um modo geral, o ouro atrai gente de vários lugares, mas não raro se concentram pessoas vindas do Ceará e sobretudo do Maranhão. Essas pessoas freqüentemente circulam entre diferentes locais de garimpo, às vezes trocando de minério, mas indo e vindo conforme a produção. Neste caso, os poucos que restaram já estão “envelhecendo com o garimpo”, e não querem mais ir se arriscar, procurando outras terras, outras riquezas, outras aventuras.

A criação do Parque Nacional do Juruena também os deixou preocupados. “Tudo o que não queremos é sermos expulsos desta terra. Não tem mais tanto ouro, mas também não temos para onde ir”, lamentou Antonio José de Souza, de 72 anos, há 23 morando no mesmo local. Eles não sabiam que a área do garimpo não foi abrangida pelos limites do parque e por isso agradeceram nossa visita.
A implantação do parque nacional deverá se preocupar com esse problema que representa o garimpo do Juruena. Por um lado, é fundamental dar alguma solução de recuperação e evitar atividades danosas no futuro, para que não haja dano ou prosseguimento de dano à natureza protegida na unidade de conservação. Por outro lado, é responsabilidade dos poderes públicos pensar no futuro dessas pessoas. Assessoria para melhoria da sua atividade, evitando mais danos ambientais e à sua saúde; fomento à sua sedentarização com atividades agro-florestais familiares; treinamento de alguns que conhecem a região e, sobretudo, o rio com suas corredeiras... – essas são algumas das opções que a elaboração do plano de manejo do Parque Nacional de Juruena deverá estudar.
Por Ana Cíntia Guazzelli, com Cláudio Maretti

Sonho dourado traz destruição para a natureza

17.06.2006 - O sonho de se "bamburrar", ficar com o ouro na mão e enriquecer de um dia para o outro. É a história comum na vida dos homens que abandonam suas famílias, para buscarem na floresta Amazônica, o mais cobiçado dos metais: o ouro. Mas, muitos acabam nunca saindo dos garimpos, nem enriquecendo. E padecem na própria floresta, abatidos pela malária, violência e dificuldades de se viver sem a mínima infra-estrutura. Como em outro velho mito que cerca a atividade, expresso na frase de um dos desbravadores do norte de Mato Grosso, Ariosto da Riva: "Garimpo é coisa maldita. O ouro traz junto o diabo e suas conseqüências".

Ao contrário de outros Estados do país, como Pará e Minas Gerais nos quais a maior parte da produção é mecanizada e controlada por companhias mineradoras, como a Vale do rio Doce, responsável por Carajás. No norte de Mato Grosso ainda prevalecem os garimpos artesanais, comandados por pequenos empresários que compram a produção dos garimpeiros.

O resultado deste componente são histórias de abandono, violência, massacres resultantes de conflitos com os índios, o aumento dos surtos de malária e a crescente contaminação por mercúrio.

Embora os grandes veios de ouro de aluvião (que ficam na superfície) tenham sido exauridos e o antigo Garimpo do Juruena não produza mais como há dez anos atrás. Muitos homens ainda se arriscam nas matas e rios do município de Apiacás, em busca das cobiçadas pepitas e da perspectiva de mudar sua sorte na vida. As grandes clareiras na floresta são vistas com certa freqüência. E quando sobrevoadas de avião dão a impressão de serem verdadeiras feridas abertas entre a sombra das árvores.

Mercúrio nos rios

Outra forma de extração muito comum na região são as balsas, que dragam os fundos dos rios com o auxílio de mergulhadores. E tanto no rio Teles Pires (ou São Manoel), quanto no Juruena, a grande maioria dessas dragas estão em situação ilegal. O que aumenta as chances de contaminação por mercúrio, ou Azougue como é chamado o metal líquido pelos garimpeiros.

Uma pesquisa de 1995 da extinta Fundação Estadual de Meio Ambiente de Mato Grosso (atual Secretaria Estadual de Meio Ambiente), mostra que 95% da população do Pontal do Apiacás possuí níveis de contaminação por mercúrio acima do limite estabelecido pela Organização Mundial de Saúde (OMS). E o rio Teles Pires, que depois do encontro com o Juruena na região do pontal forma o rio Tapajós, leva a fama (sem comprovação científica) de ser um dos rios mais poluídos por mercúrio metálico no mundo.

Outro problema relacionado às balsas é a precariedade das condições de trabalho. Os mergulhos são feitos com equipamentos praticamente artesanais e sem qualquer tipo de segurança. O trabalho arriscado desses homens é feito em profundidades que podem chegar à 25 metros, em meio a correnteza e quase sem visibilidade. O oxigênio chega por mangueiras e o tempo de permanência no fundo dos rios é de até cinco horas. Durante o processo de extração é o mergulhador quem conduz o duto da draga, que remove os sedimentos do fundo do rio (e o ouro) levando todo o material aspirado à superfície.

No auge do período do ouro, muitos desses mergulhadores eram assassinados nas disputas pelos pontos de extração. A mangueira de respiração era cortada e a pessoa morria no fundo do rio.

Dinheiro Maldito

Mas apesar de todo ouro extraído, a riqueza não parece ficar nas mãos dos que arriscam a vida nas dragas. Muitos afirmam que isso se dá, porque dinheiro de garimpo é "maldito", e nunca permite o garimpeiro deixar o local, pois faz com que este depois de gastar tudo que ganhou, sempre retorne movido pela expectativa de encontrar mais ouro.

Embora o mito seja forte entre os garimpeiros, a forma de comercialização também explicar muito dessa perversa matemática. Em alguns povoados de Apiacás a moeda corrente ainda é a grama do ouro, que é comercializada na forma de troca direta. O ouro do fundo dos rios rapidamente se transforma em roupas, remédios, produtos de higiene e comida. Fator que ajuda a diminuir drasticamente a renda dos garimpeiros, que permanecem em eterna 'dívida" com os proprietários das balsas e comerciantes locais.
A descoberta do ouro no rio Teles Pires aconteceu em 1978, com a decadência dos garimpos de Peixoto de Azevedo. A febre do ouro fez com que durante o auge da extração em 1989, o município de Apiacás chegasse a ter 55 mil garimpeiros. Com a fim do grande ciclo de mineração no final da década de 90, muitos tentaram ocupar terras na região, começando um período marcado por muitos conflitos fundiários e mortes.

Além de abrir frentes de desmatamento, causar a poluição por mercúrio e a degradação dos rios, os garimpos são considerados pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), como potenciais ameaças aos índios. Dados do Cimi apontam para a possibilidade de existência de grupos "isolados" nas matas do Pontal do Apiacás, que vivem sem saber da ameaça de serem contatados pelos garimpeiros, sob o risco de sofrerem massacres similares aos dos índios Panará. Etnia que quase desapareceu devido aos conflitos e doenças trazidas por garimpeiros durante a abertura da BR 163, a estrada Cuiabá - Santarém.

O recente Parque Nacional criado na região pode, além de aumentar as chances de conservação da riqueza natural da região, fazer com que surjam outras alternativas de renda para a população local, como o ecoturismo.

Copa do mundo, cachoeira, jaguatirica e peixe gigante num só dia

18.06.2006 - A cena é rara. Com duas grandes quedas divididas em mais de 250 metros de largura, a cachoeira do Salto Augusto supera tudo o que já vi nestes 15 anos de Amazônia, em grandiosidade, volume d´água e beleza cênica. Tentar navegá-la seria impossível. Sua velocidade de 40 a 50 quilômetros por hora e saltos de até 15 metros de altura obrigaram a equipe a transportar cerca de cinco toneladas de equipamentos, mantimentos, voadeiras, motores e toda a bagagem da expedição por um quilômetro de trilha durante praticamente o dia inteiro.

Certo que contamos com a grande ajuda da equipe de apoio, piloteiros e cozinheiras, e de um trator da Pousada Salto Augusto, onde pernoitamos ontem. Caso contrário, não teríamos tido tempo de apreciar toda aquela maravilha. Fotografias, relatos e impressões só foram compartilhadas no acampamento montado na margem do rio Juruena, a cerca de 500 metros da cachoeira.

Copa do Mundo

Como não poderia deixar de ser, a paixão nacional também parou a expedição. A cena era hilária: uma televisão colorida de 21 polegadas, rodeada por quase todos nós que já sabíamos do início do jogo Brasil x Austrália há alguns minutos por um radinho de pilha, e o Ivã Avi, tentado localizar o sinal do satélite na antena parabólica, rodando de um lado para o outro. Cada vez que a imagem parecia se fixar, todos vibravam, mas em poucos segundos o chuvisco tomava conta novamente da tela. Até que, aos 25 minutos do primeiro tempo, a antena funcionou e, diretamente da selva amazônica assistimos à segunda partida do Brasil na Copa do Mundo – contando com alguns visitantes alemães assistindo conosco!

Segunda etapa

Iniciamos hoje a segunda etapa da nossa expedição: a parte fluvial. Até o dia 24 de junho permaneceremos na calha do rio Juruena. E é aqui que os pesquisadores acreditam na possibilidade de existir plantas e animais não encontrados em outras regiões da Amazônia. Dante Buzzetti explicou que o fato deste rio manter sua mata ciliar úmida o tempo todo o diferencia de outros da região amazônica, o que pode significar encontrarmos algumas espécies endêmicas, típicas somente desta região. Hoje, ele observou a existência de muitas bromélias e orquídeas. Também identificou algumas araras, maritacas, macaco prego e macaco zogue-zogue.

Já Ivã Avi, que acompanha a expedição com o objetivo de analisar as condições do rio Juruena para atividades esportivas, como o rafting, estava impressionado. Pela primeira vez na Amazônia, ele garantiu que nunca imaginou encontrar um rio tão belo, com fortes quedas como a cachoeira do salto Augusto. Segundo ele, este obstáculo natural encontra-se no nível 6 do rafting, portanto, impossível de ser ali praticado com segurança. Ele explicou que, apesar de ainda estarmos no início da expedição pelo rio Juruena, já pôde identificar corredeiras com grande potencial para a prática do esporte.

Peixe de 60 kg

Solange Arrolho, pesquisadora da Universidade Estadual do Mato Grosso (Unemat), não parou. Já nas primeiras horas da manhã ela saiu com sua varinha de pescar e logo trouxe, entre outros peixes, um tucunaré de aproximadamente 54 cm, que, segundo ela, é difícil de ser capturado em lugares de corredeira. Mas a grande surpresa estava reservada para a noite. Logo depois do jantar, chegou ela, com uma piraíba ou filhote Brachyplatystoma filamentosum, de mais de 60 Kg. Todos correram para apreciar o animal. Ela contou que, por volta das 19h, saiu com um piloteiro da região, que lhe perguntou se queria capturar um peixe grande. Ela não teve dúvidas e, depois de uma hora e meia tentando trazê-lo à tona, venceu a briga com o ‘tubarão da água doce’, como a piraíba é localmente conhecida. Este peixe chega a pesar 160 quilos e medir mais de dois metros de comprimento.

A outra grande surpresa da expedição, talvez a primeira de muitas outras que deverão surgir durante todos os próximos dias, foi o encontro do Marcos Pinheiro e Osmar, secretário municipal do meio ambiente de Apiacás, com uma jaguatirica Leopardus pardalis, parada em cima das pedras. Segundo Marcos, os três se assustaram. A primeira reação dele foi parar e procurar a máquina fotográfica. Osmar não disse nada e ela, a felina, mansamente, caminhou em direção contrária à dos visitantes. Esta foi a segunda vez que Marcos viu uma jaguatirica na natureza, mas a primeira que conseguiu fotografá-la, mesmo de longe.

Ver um animal como esse é uma alegria para qualquer expedição deste tipo. As investigações de campo nem sempre se baseiam em contato físico com todas as espécies detectadas. Muitas delas são identificadas pelos cantos, como no caso das aves, por pegadas ou pelas fezes no caso dos felinos. Ver um predador é sempre um sinal, ainda que a ser confirmado, de que há qualidade ecológica na área, pois isso normalmente é necessário para manter os predadores, sobretudo se ocupando o topo de cadeia alimentar.

Amanhã, sairemos cedo, depois de carregar as oito voadeiras com as cinco toneladas de carga e a nossa equipe, composta por 15 pessoas. Viajaremos durante seis horas e pretendemos montar acampamento antes do sol se por.

Assim devem ser os próximos quatro dias, com trechos de navegação e, em alguns pontos, obstáculos a serem vencidos. Claro, isso tudo entremeado a observações sobre a natureza, sobre potencial turístico e perspectivas para implantação e gestão deste novo mega Parque Nacional de Juruena.
Por: Ana Cíntia Guazzelli, com Cláudio Maretti

 
 

Fonte: WWF-Brasil (www.wwf.org.br)
Assessoria de imprensa

 
 
 
 
 
 

 

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