Entramos no Parque
Nacional Juruena
17.06.2006 - Entramos no
Parque Nacional Juruena. Mas antes ainda tivemos
dificuldade para saída de Apiacás
por causa do translado por helicóptero.
Esse tipo de transporte sempre traz dificuldades
quando temos muita carga ou muita gente –
e no caso desta Expedição Juruena-Apuí,
temos os dois. Além disso, sempre na
Amazônia devemos considerar que os planos
de viagem são apenas indicativos, pois
as distâncias são grandes e a
infra-estrutura e os serviços precários.
Além dos colegas
da comunicação (jornalistas,
fotógrafos, cinegrafistas...) que se
deslocaram ontem para a área do Garimpo
Juruena, nos voamos hoje de helicóptero
em três viagens, mais algumas adaptações,
todos para a região do salto Augusto,
no rio Juruena, dentro do parque nacional.
Um primeiro grupo foi diretamente para uma
pista de pouso, de uma ‘fazenda’, ao lado
do Salto Augusto. Outro grupo, comigo junto,
foi levado até o garimpo, consultamos
a situação dos jornalistas que
ainda se encontravam por lá, e depois
fomos levados para onde se encontrava “a chalana”
– como é conhecido o barco Cobrana
3 –, num porto próximo do garimpo.
O helicóptero foi resgatar os colegas
na pista de pouso e trouxeram para a pousada
Salto Augusto. O terceiro grupo foi levado
de Apiacás diretamente para a pousada,
e o helicóptero depois voltou para
resgatar os colegas no garimpo e sobrevoou
com eles a área... Ufa!!
Finalmente nos reunimos todos na pousada Salto
Augusto, muito próxima do próprio
salto Augusto, no final da tarde. A pousada
Salto Augusto fica cerca de 10 Km dentro do
parque nacional, descendo pelo rio Juruena.
Estamos na foz do rio São João
da Barra. Entretanto, vários trabalhos
foram sendo feitos. O Dante Buzzetti, ornitólogo,
saiu ao redor, tanto da pista de pouso, como
da pousada, e já conseguiu reconhecer
umas oitenta espécies de aves, além
de ter olhado vários ninhos, que é
sua especialidade. Estamos especulando sobre
a formação rochosa, mas tudo
leva a crer que estamos em uma região
de “basalto de subsuperfície” que em
contato com arenito “cozinhou”, formando quartzitos,
como afirmou o Gustavo Irgang, geógrafo
e ecólogo. Estes, como das formações
mais resistentes ao intemperismo, junto com
a anterior, provavelmente formam a resistência
que representa o local da queda d’água.
Ivã Avi, especialista,
fez observações sobre o potencial
de esportes de aventura no início do
rio. Zig Koch, fotógrafo, Robson Maia
e Lúcio Teixeira, cinegrafistas, puderam
fazer imagens do parque nacional, do rio e
das quedas d’água. Cláudio Maretti
(eu), Michael Evers, Marcos R. Pinheiro, especialistas
em conservação do WWF-Brasil
e do WWF-Alemanha, com Francisco Livino, da
Direc-Ibama, Rogério Vereza, da DAP-SBF-MMA
e Osmar, da Prefeitura de Apiacás,
fizemos observações e conversamos
sobre os primeiros passos para a implementação
do parque nacional.
Solange Arrolho, professora
da Universidade Estadual do Mato Grosso (Unemat),
especialista em recursos hídricos e
águas continentais, já coletou
lambaris dos gêneros Astyanax, Tetragonopterus,
Brachichalcinus, matrinchã Brycon,
piau Leporinus fridericii e bicuda Bourengerella.
Espera-se que a icitofauna, isto é,
os peixes, do rio Juruena seja similar a outras
da região norte do Mato Grosso e guarde
semelhanças com os sistemas de rios
de águas transparentes da Amazônia,
além de suas próprias particularidades.
Os rios da Amazônia
se classificam em três tipos de águas.
Dos rios de águas brancas, ou barrentas,
dos quais o mais conhecido é o próprio
Solimões, sobretudo por causa dos sedimentos
advindos dos Andes. Eles normalmente são
os mais ricos em termos de peixes, quase sempre
associado com a presença de muitos
insetos. Os rios e outros corpos de água
negra dependem da drenagem das suas bacias,
seja areias ou trechos possivelmente alagadiços,
com acúmulo de matéria orgânica,
tornando as águas muito ácidas
(o pH pode chegar a 3,5!). Como o nome diz,
o mais típico é o próprio
rio Negro, que se junta ao rio Solimões,
formando o rio Amazonas. O terceiro grupo
é o das águas claras, ou transparentes,
como o rio Tapajós. Curiosamente, nesta
região, o rio Tapajós é
formado pelo Teles Pires, no qual o Cristalino
é um afluente importante, e pelo Juruena.
O primeiro é um rio de águas
quase transparentes e o segundo é um
rio de águas negras. O Teles Pires
se diz que é de águas brancas,
ou barrentas, embora haja alguma polêmica
em termos de isso ser em função
da ocupação, com erosão
e alguma poluição, seja dos
garimpos, com mercúrio e arsênico,
seja do uso de agrotóxicos, sobretudo
nas plantações de soja das cabeceiras,
levando metais pesados para as águas.
No caso do rio Juruena,
suas águas mais para transparentes
se justificam por ter suas nascentes em região
calcária. Sua bacia tem ocupação
predominantemente divida entre pastos e florestas.
A qualidade de suas águas ainda é
relativamente boa, mas provavelmente com contaminação
a partir do garimpo. Essa área seguramente
é uma prioridade para a qualidade da
proteção da natureza dentro
do Parque Nacional Juruena.
Por Cláudio C. Maretti, com Ana Cíntia
Guazzelli
Lendas e mitos
da região
23.06.2006 - Histórias
incríveis de peixes que podem engolir
um homem, da "vertigem" causada
pela floresta, de onças ferozes e monstros
mitológicos, povoam o imaginário
dos moradores do Pontal do Apiacás.
As lendas e mitos que cercam as belezas do
encontro dos rios Juruena e Teles Pires -
na fronteira dos Estados do Amazonas, Mato
Grosso e Pará -, são mais uma
das muitas surpresas encontradas na região.
"Cuidado com a floresta tem gente que
vai e volta com a cabeça virada",
é o aviso dos ribeirinhos aos visitantes
recém-chegados. Mas história
de que a mata pode enlouquecer um homem, parece
ser apenas uma forma encontrada pela população
local para evitar a invasão de madeireiros,
garimpeiros e caçadores ilegais.
Outro defensor da floresta muito popular nas
conversas mais animadas da região é
o mapinguari. Descrito quase sempre como um
animal de mais de dois metros, peludo, com
garras gigantescas, dentes enormes e que adora
alimentar-se de "caçadores".
Segundo a lenda, a temida fera ataca de dia
e emite sons iguais aos feitos em troncos
de sapupema, árvore típica da
região utilizada para a comunicação
entre quem está na mata, para confundir
e atrair as pessoas. Muitos juram terem visto
o bicho e alguns até lutaram com ele.
Os relatos são tão constantes
entre ribeirinhos e seringueiros, que uma
equipe de pesquisadores do museu Paraense
Emílio Goeldi, chegou a fazer uma expedição
na Amazônia em busca do animal.
A suspeita dos cientistas era que o mapinguaria
fosse uma preguiça gigante (Megatherium
america). Espécie considerada extinta
há milhares de anos, possivelmente
refugiada na floresta. Algumas pegadas e marcas
em árvores foram registradas, muitas
histórias contadas, mas nada de concreto
ficou comprovado. Apesar das incertezas da
ciência, o monstro continua sendo muito
real no imaginário dos moradores do
Pontal do Apiacás. E ninguém
arrisca entrar desacompanhado na mata para
caçar, ou pescar.
A existência do temido monstro também
é comum entre os povos indígenas.
Para eles, depois um feitiço, um velho
pajé transformou-se no mapinguari para
proteger a natureza de todos aqueles que a
desrespeitarem. Alguns antropólogos
acreditam que a lenda tem origem similar ao
de outro defensor da floresta, o curupira,
o famoso indiozinho de cabelos vermelhos e
pés virados que vive para assombrar
caçadores.
Se em terra firme é o mapinguari que
aterroriza os homens, nas águas profundas
e misteriosas do Juruena, são as piraíbas
(Brachyplathystoma filamentosum) as responsáveis
pelos "causos" mais fantásticos.
O peixe é uma das maiores espécies
de água doce do mundo, e por isso foi
apelidada de o tubarão dos rios. Uma
piraíba adulta pode ultrapassar os
dois metros de comprimento e chegar até
300 quilos. Para ter uma dimensão da
grandiosidade da espécie, basta saber
que os indivíduos com até 60
quilos ainda são chamados de "filhotes".
Esse peixe de couro gosta das profundezas
dos leitos de rios, mas ao contrário
dos jaús (Paulicea lutkeni e Zungaro
zungaro), não é de ficar em
poços ou tocas de pedras. E o Juruena,
com suas águas claras e correntes,
é um de seus locais preferidos na Amazônia.
Todo ribeirinho da região que se preze
tem algo a contar sobre a piraíba.
Afinal, um peixe tão grande é
o protagonista perfeito para ilustrar uma
história de pescador. Mas, apesar da
fama de poder engolir um homem adulto, os
pesquisadores são unânimes em
afirmar que a piraíba é muito
mais vítima da ação humana
do que vilã. Suas populações
estão cada vez mais reduzidas devido
à destruição das matas
ciliares e à poluição
dos rios. Com isso, captura de indivíduos
de grande porte é cada vez mais rara.
As onças pintadas
(Panthera onca) são um capítulo
à parte nas matas do Jurena e sua existência
são uma das poucas certezas protegidas
pela floresta. Na década de 60, quando
as peles ainda podiam ser comercializadas
abertamente, o Pontal do Apiacás era
um dos locais preferidos para a caça
desses felinos. Alguns moradores ainda guardam
escondidas em suas casas enormes "fantasias",
como chamam a tão cobiçada pele.
Com a caça proibida, hoje, as onças
são mais uma das muitas espécies
que se refugiam no Parque Nacional do Juruena.
Fator que somado a megadiversidade e beleza
das suas paisagens, o torna uma das mais importantes
áreas de proteção do
Brasil.
Expedição
Juruena-Apuí: 180 anos depois da Langsdorff
23.06.2006 - Integrantes
da expedição Jurena-Apuí
vivenciam em seu dia-dia os mesmos perigos
e belezas descritos nos diários de
viagem de Langsdorff (1826-29). Desde o início
da etapa fluvial, em Salto Augusto (MT), os
roteiros das duas aventuras se cruzaram, trazendo
a tona um passado no qual a natureza é
a principal protagonista e o rio Jurena continua
a desafiar os sentidos dos que se atrevem
em navegá-lo.
O isolamento gerado pela complicada transposição
do rio preservou as paisagens e fez com que
a passagem do tempo pareça não
existir para a região. As águas
cristalinas, praias de arreias brancas, matas
fechadas e a possibilidade de encontrar espécies
endêmicas, também dão
um sentido maior as dificuldades de vencer
as lendárias corredeiras.
Talvez venha deste componente a razão
pela qual a força das águas
do Juruena tenha sido exaustivamente descrita
pelos exploradores da expedição
Langsdorff. “Podem-se molhar os pés
na espuma da margem, não alcançando
a vista nada mais do que alvacento barátro
no qual se engolfa o rio com estronde da trovoada,
espadanando-se as ondas, rugindo em massas
animadas que se embatem, como a querendo devorar-se
umas às outras e produzindo vapores
condensados que, erguendo-se aos céus
em seis colunas, a modo de bulcões
rutilantes de alvura, de pronto se dissipam
nos ares”, relatou o artista e pesquisador
Hércules Florence.
Além de impressionante, e muitas vezes
intransponíveis, esse movimento constante
da água nas pedras é responsável
por um dos elementos chaves para explicar
o alto endemismo de espécies. Isso
porque o vapor conseqüente das inúmeras
corredeiras propicia uma grande umidade na
mata ciliar (floresta ombrofila ciliar), criando
um habitat diferenciado das demais regiões
da Amazônia meridional.
As dificuldades de acesso também auxiliaram
na conservação de espécies
de alto valor comercial, como a castanha-do-Brasil
(Bertholletia excelsa), ou tucuri. O interesse
em obter mais informações sobre
a castanheira foi uma das razões que
levou o naturalista russo à Amazônia,
como apontam os relatos dos diários
de viagem. “Muito se regozijava o sr. Langsdorff
com a idéia que ia ver o tucuri. Pelo
que dizia, era árvore quase desconhecida
na Europa tendo tido muitas expressas recomendações
de sábios para colher todas as indicações
possíveis a seu respeito... Esta árvore,
que se eleva acima de qualquer outra e cujos
ramos e expessa folhagem coroam um cauleto
reto como uma coluna, e de grossura a não
poder ser às vezes abarcado por cinco
homens.”
O final do trecho de corredeiras e saltos,
depois do encontro dos rios Jurena e Teles
Pires, marcará o desencontro dos roteiros
das duas expedições. Após
esse ponto da viagem a comitiva da expedição
Langsdorff seguiu pelo rio Tapajós
em direção a Santarém
(PA). Já os integrantes da Expedição
Jurena-Apuí tomam rumo contrário.
Descerão o rio Sucunduri até
o ponto mais próximo da cidade de Apuí
(AM).
Turismo
“Do outro lado da queda, vê-se a ilha
à qual já me referi. Rodeada
de líquidos sorvedouros, de ondas tão
altas como as do oceano, por todos os lados
inacessíveis... Pé humano ainda
não a pisou. Pisá-la um dia,
quando a civilização tiver penetrado
nessas regiões? É o que se pode
afirmar com toda a segurança”, divagou
o artista Hércules Florence, ao contemplar
locais de rara beleza e acessos proibitivos
na época.
A certeza de que um dia o homem votaria a
região parecia clara para esses exploradores.
Hoje, uma grande faixa do curso do Juruena
faz a divisa de dois Parques, o estadual do
Sucunduri (AM) e o nacional do Juruena (MT).
E as mesmas corredeiras apontadas como o tormento
dos viajantes, são vistas como locais
potenciais para a prática de esportes
(rafiting) e o ecoturismo. E, apesar da atual
ausência de infra-estrutura, as indagações
de Florence parecem certas. Após a
elaboração do plano de manejo
desses parques, um dia o acesso poderá
ser facilitado. Mas, desta vez ao invés
de exploradores, turistas poderão conhecer
as belezas da região. Protegidas hoje
por um mosaico de unidades de conservação.
Expedição Juruena-Apuí
visita terra indígena Kayabi
23.06.2006 - Depois de chegarmos
em Jurumé, no baixo Juruena (antes
de se tornar Tapajós, na confluência
do Juruena com o Teles Pires), encerramos
a segunda fase da expedição.
Na transição entre a segunda
e terceira fase, algumas atividades se encaixam.
Uma delas, muito importante, foi a visita
que representantes da Expedição
Juruena-Apuí fizeram à terra
indígena Kayabi.
Nos apresentamos como uma expedição
para reconhecimento do parque e apoio aos
primeiros passos da implementação
da unidade de conservação com
representantes do MMA, Ibama, WWF-Brasil,
ICV, etc. Explicamos os objetivos, o roteiro
realizado, as perspectivas da expedição
nos próximos dias. A pedido deles,
explicamos também o que é o
parque nacional, seus limites, objetivos e
restrições.
Uma seqüência de representantes
deles, entre kayabis e mundurukus, apresentaram
dúvidas, reclamações
e reivindicações. Basicamente,
eles tinham medo de sobreposição
do Parque Nacional Juruena sobre a terra indígena
Kayabi. Acreditam que muitas vezes há
tendências de diminuição
da sua terra indígena, inclusive por
parte dos governos. Isso foi prontamente esclarecido,
quando mostramos os mapas, explicando a eles
que o limite utilizado no mapa deles era ultrapassado.
Mostramos o mapa com os limites atuais do
Parque Nacional Juruena, explicando que o
interesse é justamente colar as áreas
para benefício mútuo. Confirmamos
que houve várias conversar entre o
MMA, o Ibama e a Funai e eles chegaram a um
acordo.
Além desse ponto,
havia muitas reclamações sobre
invasões das terras deles por ‘madeireiros’,
que na verdade são grileiros. Dizem
que não podem mais se sustentar dessa
forma, pois inclusive os impedem de ir retirar
‘materiais’ que precisam para o artesanato
na margem esquerda do rio Teles Pires. Há,
na verdade, duas frentes de agressão
aos índios, uma que vem de sudeste,
sobretudo pelo rio Cururu. Apesar do aparente
ceticismo, pedem ajuda do Ibama, pois dizem
que não podem viver sem assistência
para enfrentar esses invasores.
Há também outros tipos de problemas.
Oficialmente existem três pousadas,
uma delas dentro da terra indígena,
e duas que usam os seus rios. Uma delas eles
não queriam, mas fizeram acordo por
falta de alternativas, sem apoio da Funai.
As outras, com as quais têm acordo,
com intervenção da Funai.
E há ainda os garimpos,
com dragas e balsas, sendo que os kayabis,
expulsaram alguns de suas terras, mas ainda
freqüentam abaixo da corredeira Rasteira.
Na maioria desses casos, os índios
recebem recursos das ‘empresas’, como se fossem
concessões. Os pescadores, aqueles
que depauperavam o rio, foram assustados por
eles e não mais voltam a essas zonas.
No final das contas, fica
a idéia que para eles, é muito
bem-vinda a presença do Parque Nacional
Juruena, se não se sobrepõe
com a terra indígena. Há interesse
em colaboração, mas esperam
atuação dos responsáveis
para fazer com que as leis sejam cumpridas.
Por Cláudio C. Maretti
O ataque dos insetos
durante a longa noite de trabalho
20.06.2006 - Ao tentar trabalhar,
tivemos imensa dificuldade, pois fomos invadidos
por insetos (falsa ‘borboletinha’ ou falsa
‘mariposinha’ da ordem Ephemeroptera, que
sai do estágio de pupa (um estágio
intermediário entre a larva e o adulto),
no rio, para uma vida muito efêmera
– de onde o nome da ordem – no ar, apenas
para reproduzir e morrer, segundo Hélio
Marcos Olsen, biólogo da Unemat) em
quantidade tal que provavelmente danificou
nossos aparelhos. Esperamos conseguir continuar
a trabalhar pelo menos até o final
da expedição. Como no filme
de Alfred Hitchcock, Os Pássaros, nos
sentíamos no roteiro de Os Insetos,
pois chegavam do rio aos milhares, atraídos
pelas lâmpadas do acampamento. Como
precisamos do gerador para trabalhar nos relatos
e fotos para a cobertura ‘on-line’, além
de facilitar a vida das cozinheiras e outras
ações, não podíamos
desligá-los. Os insetos acabavam caindo
no chão, na mesa improvisada do acampamento
e até no meio das teclas dos computadores,
atraídas pelas telas.
Home Office na selva
Parece até brincadeira,
mas a situação era tão
caótica que resolvemos nos espalhar,
dispersando o “escritório”. Uma pessoa
foi para a barraca, criando o novíssimo
conceito de tent-office, ou home office da
selva, outra encostou num barco ao lado, longe
das luzes, mas continuou brigando com os insetos
que vinham atraídos pela tela do computador
e uma terceira desistiu. Houve algumas legas
de insetos. Quando pensávamos estarmos
livres das mariposas e tentávamos nos
reunir no ‘escritório de campo’, nova
‘revoada’ nos expulsava. No final, havia quase
um centímetro de insetos espalhados
pela mesa e pelo chão.
Durante a noite, nós
que dormíamos em redes, mais dentro
da mata, fomos invadidos por cupins. Nossas
mochilas, os sacos das redes, até capas
das câmeras fotográficas, felizmente
não os aparelhos foram invadidas por
cupins, milhões deles.
Preparação
e envio de material
Mesmo sem os insetos, a
preparação dos relatórios,
das fotos e o envio do material, por comunicação
de ‘Internet’ via satélite, toma muito
tempo. Normalmente, não considerando
a ‘pesquisa’ durante o dia, gastamos de 1
a 3 horas para discutir, escolher a pauta,
associar temas com as fotos do dia, dividir
tarefas, escrever e preparar fotos. Quando
possível, e se somos mais de um, revisamos
mutuamente textos, e textos já escritos,
e com fotos já preparadas, relacionamos
novamente textos e fotos dentro do possível.
Como as condições
não são muito boas, a integração
está longe de ser perfeita. Não
temos disponíveis equipamentos em quantidade
e qualidade e as vivências no campo
são muito diferentes. Inevitavelmente,
sobra para alguém dar a versão
final em um ou mais textos e fazer a legenda
das fotos. Como há necessidade de legenda
das fotos em português e em inglês,
porque as notícias e fotos são
colocadas no site do WWF-Internacional e no
site do WWF-Alemanha, não raro isso
fica para mim. Às vezes consigo preparar
o texto em inglês antes das demais atividades,
noutras no final de tudo, tenho que traduzir
e resumir para enviar as versões resumidas
e antecipadas.
O principal empecilho são
os diferentes fusos na Europa, principamente
na Suíça e na Alemanha, onde
estão sendo publicadas as notícias
(a partir Brasília, Gland e Frankfurt).
Como eles estão cerca de cinco horas
à nossa frente, não podem esperar
os horários brasileiros. No site do
WWF-Alemanha tem saído preferencialmente
os resumos, feitos pelo Michael Evers ou por
mim. No site do WWF-Internacional tem saído
a tradução a partir da versão
mais completa brasileira. Ou seja, enviamos
texto e fotos para Brasília, onde são
feitas as edições, revisões
e traduções à noite ou
pela manhã, e envio da versão
final traduzida. Os textos chegam à
Brasília por volta das 2h e todo o
trabalho é feito até às
9h, para que chegue em Gland num horário
razoável.
Difícil conexão
via satélite
Mas a tarefa de enviar as
fotos e as mensagens costuma ser o mais problemático.
Foram vários dias para instalação
dos programas. Como os nossos sistemas nos
computadores não reconhecem com facilidade
o programa, houve necessidade de dezenas e
dezenas de tentativas até a instalação
e funcionamento dos programas adequado. Isso
me consumiu boa parte dos primeiros dois dias
e noites em Apiacás, quando começamos
a necessitar de conexão via satélite,
pois em Alta Floresta ainda tínhamos
Internet disponível no hotel.
Uma vez instalados os programas
e preparados os computadores, vemos várias
vezes mensagens de impossibilidade de conexão
como “outro modem utilizando”, “linha ocupada”,
etc, antes de conseguirmos de fato uma conexão.
O pior é que isso vem ocorrendo praticamente
todas as noites da expedição,
nos obrigando a entrar madrugada adentro:
tentativas de conexão seguidas de ‘liga-desliga’,
‘pluga-despluga’, ‘liga-num-liga-noutro’,
e inumeríssimos ‘começa-tudo-outra-vez’,
até que conseguirmos uma, duas ou mais
conexões necessárias para mandar
os textos e fotos para Brasília e Frankfurt.
Isso leva horas, e, portanto,
ficamos, alguns de nós, trabalhando
no ‘escritório do acampamento’, até
perto de meia-noite, e outros de nós
até 2 ou 3 horas da madrugada. No dia
seguinte, toca acordar bem cedo e partir para
a maratona de ‘navega-caminha-carrega-etc.’,
sob sol escaldante, e carregando quilos e
quilos de computador, baterias, fontes, aparelhos
de conexão via satélite, etc.
Mas, com certeza, as maravilhas que vemos
por aqui nos fazem esquecer o cansaço
e as dificuldades e lembrar de como é
importante preservamos este espaço
e criarmos áreas de conservação
para manter a biodiversidade.
Por Cláudio C. Maretti, com Ana Cíntia
Guazzelli
Pouco avanço
na distância, mas belas paisagens
20.06.2006 - Hoje não
avançamos muito, apenas cerca de 10
Km pelo rio, uns 8 Km em linha reta. Saímos
da praia onde acampamos, logo após
a corredeira de São Gabriel e não
andamos muito até termos que parar,
saltar, carregar nossas coisas, enquanto os
piloteiros atravessavam a corredeira Santa
Íria, ou dos Macacos. Uma travessia
relativamente rápida.
Novamente, uma navegação
curta, até a corredeira Santa Úrsula.
Nessa bonita cachoeirinha, tivemos que pegar
praticamente todas as coisas que pudessem
molhar. Alguns de nós, como eu, não
tiveram alternativa senão deixar molhar
algumas poucas bagagens como mochila de roupas
e que poderiam eventualmente molhar (como
de fato ocorreu com minha mochila de rede
para dormir. As roupas molharam, mas salvei
de um banho tudo o que estava no ‘carote’,
uma espécie de ‘tonelzinho’ de plástico
que carrego: computadores, fontes., uma sacola
com antena, telefone e demais aparelhos para
conexão via satélite e uma mochilinha
de objetos pessoais com câmera fotográfica,
canga para proteção do sol,
repelente e óleo de andiroba (ótimo
repelente natural que alterno com o industrializado
para tentar efeito melhor contra os milhões
de ‘piuns’ ou ‘borrachudinhos’).
Dessa vez, a caminhada foi
pouquinho mais longa. Na verdade provavelmente
não chegou a um quilômetro, mas
parece bem maior por causa da carga. Esperávamos
que a travessia dessa corredeira fosse mais
demorada, pois os piloteiros tiveram que descer
os barcos na mão, ‘de costas’ (de popa
para frente e proa para trás), segurando
com cordas e com muito cuidado. Como isso
já era previsto, decidimos, excepcionalmente,
aproveitar essa parada para fazer almoço.
Uma ótima idéia, sobretudo para
quem pouco dormiu e saiu atrasado, sem tomar
café-da-manhã, como eu. Eles
conseguiram passar bem pela corredeira, apesar
do trabalho, e tivemos todos um almoço
tranqüilo. Ainda temos carnes e frango
congelados nas ‘geladeiras’ ou caixas de isopor.
Depois, mais uma navegação
mínima e novamente paramos para travessia
das Corredeiras do Inferno. Apesar do nome,
achávamos que seria difícil,
mas não muito demorada. Na verdade,
foi muito mais difícil que o previsto
e levou grande parte da tarde. Agora, a próxima
parada é a cachoeira da Misericórdia.
Talvez nosso último obstáculo
importante. Por causa do imprevisto de tempo,
resolvemos acampar por ali mesmo e passar
a última corredeira amanhã.
Maravilhas da natureza
Levantamos acampamento após
as Corredeiras do Inferno, na margem direita.
Como estamos, desde ontem, navegando na fronteira
do Mato Grosso (lado do Parque Nacional do
Juruena) e do Amazonas (lado do Parque Estadual
do Sucunduri), acampamos no Mato Grosso. Chegamos
perto de 17h, o que nos permitiu relaxar um
pouco, tomar banho de rio e assistir ao maravilhoso
pôr-do-sol. Foi muito agradável,
ainda que alguns tenham preferido leituras,
outros preparar as barracas ou redes e eu
iniciar os trabalhos, numa nova tentativa
– até agora vã – de abreviar
o trabalho noturno.
Apesar do pouco avanço, passamos por
paisagens maravilhosas hoje. Rio, corredeiras,
praias, palmeiras, espuma, florestas, tudo
misturado e composto em belezas superlativas.
Acreditem, as fotos não representam
nem uma pequena fração do que
vemos diretamente.
Turismo
Também do ponto de
vista do potencial de rafting, nosso especialista
Ivã Avi, considerou que todo o trecho
feito hoje é de grande qualidade, algumas
partes para remar, corredeiras bem interessantes,
com dificuldades variáveis, em paisagens
magníficas.
Eu, como especialista de áreas protegidas,
entendo que a prioridade é a proteção
da natureza. Mas é um conjunto de alguns
objetivos que definem uma categoria de gestão
de uma unidade de conservação.
E, um parque – nacional, estadual ou municipal
– tem que haver condições para
o turismo, o bom ecoturismo, aquele que serve
para o lazer nas suas várias formas,
desde que sem destruição da
natureza, e permite aos interessados reflexões
sobre comportamentos sociais.
Por Cláudio C. Maretti, com Ana Cíntia
Guazzelli
Copa do mundo com
os índios apiakás
22.06.2006 - A expectativa
era geral. Meia hora antes de começar
o jogo Brasil x Japão ainda não
sabíamos se assistiríamos ou
não à partida. Isso porque a
pousada que nos receberia, a Jurumé,
estava fechada, sem uma viva alma. Soubemos,
mais tarde, que a responsável pelo
empreendimento ficou sem suprimentos e resolveu
ir embora. A informação veio
de indígenas de uma pequena localidade
formada por dissidentes dos índios
apiakás que vivem na Terra Indígena
Kayabi, localizada na margem direita do rio
Juruena, próxima de onde estávamos,
que abriram uma de suas casas para juntos
assistirmos à vitória do Brasil
sobre o Japão.
Em uma situação
inusitada, lotamos a sala da cabana, coberta
por palha e forrada com carpete. Isso mesmo!
O chão da cabana tinha tapetes. Soube,
depois, pela dona da habitação,
Maria Ieda Ponhun, uma índia Muduruku,
que eram sobras de garimpo, ganhadas por um
de seus 10 filhos. Dos tapetes, o menino conseguiu
retirar 250 gramas de sobras de ouro, que
renderam parte do recurso utilizado para a
compra da primeira TV do local, ligada hoje
pela segunda vez.
Os integrantes da Expedição
Juruena-Apuí não se intimidaram.
Seguindo o costume da casa, deixaram os calçados
na porta, e logo estavam espalhados por toda
a sala. Visitantes e anfitriões vibravam
a cada gol. Os olhos das crianças não
se desviavam da tela. Já Roberto Dachê
(que, segundo ele, na língua munduruku
significa gavião), chefe substituto
da comunidade, afirmou que pouco se interessa
por futebol. “Eu só torço pro
Brasil quando ele está ganhando”, disse,
sem disfarçar o contentamento pela
nova aquisição, mostrando a
antena parabólica que completa o conjunto
para transmissão.
Apenas 21 pessoas, de seis
famílias apiakás moram no local.
Todos aculturados, mas querendo se aprumar,
inclusive reforçando suas tradições.
Segundo Roberto, desde pequeno tem contato
com brancos. Aos poucos, adquiriu seus modos
e costumes e hoje já não fala
o idioma dos seus pais, o munduruku, só
entende, mas se arrepende. “Antes, tudo era
só na flecha. Agora, perdemos nossa
cultura e sofremos com isso. Gostaria que
tudo voltasse como era antigamente”. Para
comprar os produtos industrializados que já
fazem parte do seu cotidiano, como café,
açúcar e arroz, ele conta com
o salário da esposa, que trabalha como
agente de saúde, com a venda de galinhas
e de melancia. Da floresta, retira castanha,
coco do babaçu, látex, caça
e pesca.
Roberto garante que os apiakás
são os verdadeiros donos das terras
que ocupam desde setembro do ano passado.
No local de onde eles saíram, uma aldeia
do outro lado do pontal, próximo ao
rio Teles Pires, havia conflitos com os kayabis.
Já deste lado do pontal, onde ele agora
se instalou há menos de um ano, ainda
ninguém veio mexer com eles. Quem os
orientou, segundo o líder, foi o procurador
do Ministério Público Federal
e o presidente do Incra, em Cuiabá,
cujos nomes foram esquecidos.
Quanto à criação do parque,
a exemplo dos garimpeiros do Juruena, os índios
apiacás também tomaram conhecimento
através da Rádio Nacional, mas
não têm clareza de como a nova
unidade de conservação poderá
interferir em suas vidas. Ele não sabia
que a terra que hoje ocupam pertence agora
ao Parque Nacional do Juruena, mas garante
que para eles, indígenas, não
lhes interessa “esse negócio de fazenda.
O que queremos é o verde”.
Depois do jogo voltamos
para a pousada. Era hora de se instalar. Hoje
foi o último dia que passamos por cachoeiras
e corredeiras do rio Juruena. Amanhã,
o grupo se divide. Parte vai a tribo dos kayabis,
no rio Teles Pires, outros saem cedo para
suas pesquisas e a terceira fica na pousada
Jurumé, aguardando para ser transportada
para Terra Preta. Depois de amanhã,
iniciaremos a terceira e última etapa
da expedição, no Parque Estadual
do Sucunduri, parte do Mosaico de Apuí,
no Amazonas.
Por Ana Cíntia Guazzelli, com Cláudio
Maretti
Expedição
Langsdorff também esteve no Salto Augusto
18.06.2006 - Depois de 180
anos da passagem do naturalista russo Langsdorff,
a equipe da expedição Juruena-Apuí
atinge as quedas do Salto Augusto, no rio
Juruena (MT). A região é um
dos marcos de uma das maiores viagens de reconhecimento
da flora e fauna Amazônica, a expedição
Langsdorff. O legado de sua ousadia está
registrado na forma de um acervo científico
de mais de duas mil peças, entre manuscritos
redigidos em alemão gótico,
desenhos, coleções minerais
e animais.
Idealizada pelo naturalista,
cônsul geral da Rússia e um apaixonado
pelo Brasil, o barão Grigóry
Ivanovitch Langsdorff, a expedição
foi uma das pioneiras na exploração
do interior do país. Com autorização
do jovem Imperador D. Pedro I e uma equipe
de 39 pessoas, entre artistas, botânicos,
médicos, astrônomos, geógrafos
e naturalistas, os viajantes partiram em 1825
de Porto Feliz às margens do rio Tiête
(SP) e chegaram em 1828 à Belém
(PA). Mas, as dificuldades de transpor uma
das regiões mais inóspitas da
Amazônia, somadas à malária,
fome e trágicos acidentes, fizeram
com que apenas 12 homens retornassem com vida
da aventura.
Foi em Salto Augusto, depois
de percorrerem um trecho de 400 quilômetros
em meio à floresta e vencerem mais
de 25 corredeiras no Juruena que Langsdorff,
já abatido pela malária, fez
um dos últimos registros em seu diário."Com
a ajuda e assistência de Deus, estou
vivo e posso escrever... Desde 24 de abril,
passo a maior parte do dia e da noite inconsciente
e entregue aos mais fantásticos sonhos".
Após esse ponto da viagem o naturalista
nunca mais recuperou a lucidez, falecendo
26 anos depois em Freiburg, na Alemanha.
A chegada ao Pará
foi um desvio da viagem, pois o roteiro inicial
era ir à barra do rio Negro (Manaus)
para encontrar uma segunda equipe que seguia
pelo rio Guaporé (MT). Depois do rio
Amazonas, os expedicionários pretendiam
atingir o Orinoco e seguir pelas Guinas. Mas
a morte do jovem artista Adrien Taunay no
rio Guarporé e a doença de Langsdorff
interromperam a viagem. Apesar de não
terem completado todo seu ousado itinerário,
foram percorridos nada menos que seis mil
quilômetros em terras brasileiras.
E hoje, o mesmo Salto Augusto
e suas fantásticas cachoeiras são
o cenário escolhido pelos os membros
da expedição Jurena-Apuí,
para iniciar o contato direto com a fauna
e flora do Parque Nacional do Juruena. Serão
cinco dias de barco descendo as lendárias
corredeiras até a barra do São
Tomé. Tudo isso com o igual objetivo
de registrar imagens e observar espécies
locais, algumas possivelmente nunca estudadas
antes. Mas, desta vez, no lugar dos frágeis
batelões de madeira utilizados pelos
aventureiros em 1825, os expedicionários
contam com a proteção de modernos
equipamentos de segurança e comunicação
para começarem a seguir os passos daquela
que foi considerada mundialmente como uma
das mais importantes expedições
científicas do século XIX.
O acervo
O acervo de Langsdorff quase
foi completamente perdido e chegou a desaparecer
por mais de cem anos. Mas, após a década
de 30, historiadores russos encontram os manuscritos
e desenhos coletados pelo barão. O
resultado foi a reunião de um legado
iconográfico, cartográfico e
antropológico de cerca de duas mil
páginas manuscritas, 300 desenhos,
peças de indumentária indígena
e uma série de animais empalhados.
"Este é o último acervo
clássico sobre o Brasil ainda não
incorporado à ciência e à
cultura", escreveu o historiador Boris
Komissarov. Microfilmes feitos a partir dos
originais da viagem podem ser conferidos de
perto no Centro da Memória, na Universidade
de Campinas (Unicamp).
Equipe de comunicação
passa um dia e uma noite no garimpo
17.06.2006 - Ainda como
atividade da primeira fase da expedição,
que se encerraria hoje, 17, com o início
da descida do rio Juruena, nossa visita ao
garimpo Juruena estava prevista para ontem,
sexta-feira, com o principal objetivo de dar
continuidade ao processo de interação
com os atores sociais locais, neste caso,
os garimpeiros, que estão instalados
a cerca de dez quilômetros ao limite
sul do Parque Nacional do Juruena, portanto
em sua área de entorno, mas com grande
influência nas águas do principal
rio do parque nacional. A primeira equipe
a sair de Apiacás foi a de comunicação:
fotógrafo, cinegrafista, auxiliar,
jornalista alemão e eu. Voamos por
cerca de 35 minutos em um monomotor.
A expectativa era grande.
Ninguém sabia o que nos aguardava,
já que o garimpeiro com quem tínhamos
feito contato durante a pré-produção
da expedição e que autorizou
nossa entrada na área, o Raimundinho,
estava envolvido com o deslocamento dos nossos
1.400 litros de gasolina, 400 litros de óleo
diesel, voadeiras e motores, mantimentos,
cozinheiras e piloteiros em sua chalana –
pequena embarcação de fundo
chato, usada no tráfego em rios e igarapés
– que serão utilizados a partir de
amanhã, durante a etapa fluvial da
expedição. Nossa única
segurança era o piloto, Plínio,
experiente e muito conhecido naquele garimpo,
que nos acompanhou até a pista de pouso
e nos apresentou aos cerca de 10 garimpeiros
que chegaram na carroceria de um velho caminhão
para nos recepcionar.
Violência, orgia e
muito desperdício de dinheiro sempre
estiveram associados à imagem dos garimpos.
Com o Juruena não foi diferente. Mesmo
tendo se iniciado muito antes, e passado a
crescer por volta de 1985, a sua produção
poderia ter tido alguns picos, talvez um ainda
na década de 1980, mas outro nos anos
1997 a 99. Diz-se na região que, no
auge de sua produção, até
500 Kg saíam por mês do garimpo,
e circulavam naquela área mais de 10
mil pessoas - alguns dizem que até
por volta de 20 mil pessoas habitavam a região.
Trinta vôos diários transportavam
aventureiros de diversas regiões do
Brasil, que todos os dias ali desembarcavam
em busca da tão sonhada riqueza. A
cobiça pelo ouro também gerava
constantes conflitos, que não raramente
terminavam em mortes.
Foi com esta visão
do passado que chegamos ao garimpo Juruena
e logo nos vimos rodeados por cerca de 20
garimpeiros curiosos e de certa forma ressabiados
com a presença de nossa equipe. A conversa
fluiu em torno, principalmente, do objetivo
de nossa expedição. Logo percebi
que ganhava a confiança deles e em
pouco tempo já conversávamos
sobre suas condições atuais
de vida.
Alguns ali presentes moram
no garimpo há mais de 20 anos. Suas
histórias são semelhantes, sempre
envolvidas com movimentações
de grandes somas, ilusão de poder e
a certeza de que a vida farta nunca teria
fim. Diversos relatos me revelaram situações
inusitadas, principalmente relacionadas ao
desperdício de dinheiro, como a contratação
de um vôo somente para transportar um
chapéu da moda, ou ainda a vez que
o mesmo garimpeiro resolveu pagar o frete
de um avião para retirar do garimpo
uma leitoa, somente por ter olhos azuis e
merecer, no seu entender, uma moradia melhor.
Contaram também que em uma das várias
festas ali promovidas, um homem arrebatou
no leilão um frango por 100 gramas
de ouro e ali mesmo o ofereceu para seu cachorro,
Rex. Hoje, esta quantia seria equivalente
a R$ 4.000.
A diversão não era só
local. Cantores nacionais como Zé Ramalho,
Ovelha, Rita Cadilac e Odair José já
fizeram seus ‘shows’ no garimpo Juruena. A
entrada custava 5 gramas de ouro e a bilheteria
chegava a até 3 quilos do metal, que,
segundo Pedro Luiz Dias, era quase toda repassada
para os artistas.
Hoje, a realidade é
antítese do passado. A produção
atual deles corresponde, conforme Mauro Rezende
Silva, a 15% do que foi no tempo áureo
da extração. No local, não
vivem mais do que 200 pessoas. Aqueles que
insistem na permanência garantem que
não têm para onde ir, nem a quem
recorrer. Reconhecem que trabalham na ilegalidade
e lamentam a falta de titularidade das terras
onde vivem. Não pouparam. Não
investiram no futuro e se sentem desprotegidos
e amedrontados com a expansão das fazendas
vizinhas, que estão com suas cercas
cada vez mais próximas da área
do garimpo.
De um modo geral, o ouro
atrai gente de vários lugares, mas
não raro se concentram pessoas vindas
do Ceará e sobretudo do Maranhão.
Essas pessoas freqüentemente circulam
entre diferentes locais de garimpo, às
vezes trocando de minério, mas indo
e vindo conforme a produção.
Neste caso, os poucos que restaram já
estão “envelhecendo com o garimpo”,
e não querem mais ir se arriscar, procurando
outras terras, outras riquezas, outras aventuras.
A criação
do Parque Nacional do Juruena também
os deixou preocupados. “Tudo o que não
queremos é sermos expulsos desta terra.
Não tem mais tanto ouro, mas também
não temos para onde ir”, lamentou Antonio
José de Souza, de 72 anos, há
23 morando no mesmo local. Eles não
sabiam que a área do garimpo não
foi abrangida pelos limites do parque e por
isso agradeceram nossa visita.
A implantação do parque nacional
deverá se preocupar com esse problema
que representa o garimpo do Juruena. Por um
lado, é fundamental dar alguma solução
de recuperação e evitar atividades
danosas no futuro, para que não haja
dano ou prosseguimento de dano à natureza
protegida na unidade de conservação.
Por outro lado, é responsabilidade
dos poderes públicos pensar no futuro
dessas pessoas. Assessoria para melhoria da
sua atividade, evitando mais danos ambientais
e à sua saúde; fomento à
sua sedentarização com atividades
agro-florestais familiares; treinamento de
alguns que conhecem a região e, sobretudo,
o rio com suas corredeiras... – essas são
algumas das opções que a elaboração
do plano de manejo do Parque Nacional de Juruena
deverá estudar.
Por Ana Cíntia Guazzelli, com Cláudio
Maretti
Sonho dourado traz destruição
para a natureza
17.06.2006 - O sonho de
se "bamburrar", ficar com o ouro
na mão e enriquecer de um dia para
o outro. É a história comum
na vida dos homens que abandonam suas famílias,
para buscarem na floresta Amazônica,
o mais cobiçado dos metais: o ouro.
Mas, muitos acabam nunca saindo dos garimpos,
nem enriquecendo. E padecem na própria
floresta, abatidos pela malária, violência
e dificuldades de se viver sem a mínima
infra-estrutura. Como em outro velho mito
que cerca a atividade, expresso na frase de
um dos desbravadores do norte de Mato Grosso,
Ariosto da Riva: "Garimpo é coisa
maldita. O ouro traz junto o diabo e suas
conseqüências".
Ao contrário de outros
Estados do país, como Pará e
Minas Gerais nos quais a maior parte da produção
é mecanizada e controlada por companhias
mineradoras, como a Vale do rio Doce, responsável
por Carajás. No norte de Mato Grosso
ainda prevalecem os garimpos artesanais, comandados
por pequenos empresários que compram
a produção dos garimpeiros.
O resultado deste componente
são histórias de abandono, violência,
massacres resultantes de conflitos com os
índios, o aumento dos surtos de malária
e a crescente contaminação por
mercúrio.
Embora os grandes veios
de ouro de aluvião (que ficam na superfície)
tenham sido exauridos e o antigo Garimpo do
Juruena não produza mais como há
dez anos atrás. Muitos homens ainda
se arriscam nas matas e rios do município
de Apiacás, em busca das cobiçadas
pepitas e da perspectiva de mudar sua sorte
na vida. As grandes clareiras na floresta
são vistas com certa freqüência.
E quando sobrevoadas de avião dão
a impressão de serem verdadeiras feridas
abertas entre a sombra das árvores.
Mercúrio
nos rios
Outra forma de extração
muito comum na região são as
balsas, que dragam os fundos dos rios com
o auxílio de mergulhadores. E tanto
no rio Teles Pires (ou São Manoel),
quanto no Juruena, a grande maioria dessas
dragas estão em situação
ilegal. O que aumenta as chances de contaminação
por mercúrio, ou Azougue como é
chamado o metal líquido pelos garimpeiros.
Uma pesquisa de 1995 da
extinta Fundação Estadual de
Meio Ambiente de Mato Grosso (atual Secretaria
Estadual de Meio Ambiente), mostra que 95%
da população do Pontal do Apiacás
possuí níveis de contaminação
por mercúrio acima do limite estabelecido
pela Organização Mundial de
Saúde (OMS). E o rio Teles Pires, que
depois do encontro com o Juruena na região
do pontal forma o rio Tapajós, leva
a fama (sem comprovação científica)
de ser um dos rios mais poluídos por
mercúrio metálico no mundo.
Outro problema relacionado
às balsas é a precariedade das
condições de trabalho. Os mergulhos
são feitos com equipamentos praticamente
artesanais e sem qualquer tipo de segurança.
O trabalho arriscado desses homens é
feito em profundidades que podem chegar à
25 metros, em meio a correnteza e quase sem
visibilidade. O oxigênio chega por mangueiras
e o tempo de permanência no fundo dos
rios é de até cinco horas. Durante
o processo de extração é
o mergulhador quem conduz o duto da draga,
que remove os sedimentos do fundo do rio (e
o ouro) levando todo o material aspirado à
superfície.
No auge do período
do ouro, muitos desses mergulhadores eram
assassinados nas disputas pelos pontos de
extração. A mangueira de respiração
era cortada e a pessoa morria no fundo do
rio.
Dinheiro Maldito
Mas apesar de todo ouro
extraído, a riqueza não parece
ficar nas mãos dos que arriscam a vida
nas dragas. Muitos afirmam que isso se dá,
porque dinheiro de garimpo é "maldito",
e nunca permite o garimpeiro deixar o local,
pois faz com que este depois de gastar tudo
que ganhou, sempre retorne movido pela expectativa
de encontrar mais ouro.
Embora o mito seja forte
entre os garimpeiros, a forma de comercialização
também explicar muito dessa perversa
matemática. Em alguns povoados de Apiacás
a moeda corrente ainda é a grama do
ouro, que é comercializada na forma
de troca direta. O ouro do fundo dos rios
rapidamente se transforma em roupas, remédios,
produtos de higiene e comida. Fator que ajuda
a diminuir drasticamente a renda dos garimpeiros,
que permanecem em eterna 'dívida"
com os proprietários das balsas e comerciantes
locais.
A descoberta do ouro no rio Teles Pires aconteceu
em 1978, com a decadência dos garimpos
de Peixoto de Azevedo. A febre do ouro fez
com que durante o auge da extração
em 1989, o município de Apiacás
chegasse a ter 55 mil garimpeiros. Com a fim
do grande ciclo de mineração
no final da década de 90, muitos tentaram
ocupar terras na região, começando
um período marcado por muitos conflitos
fundiários e mortes.
Além de abrir frentes
de desmatamento, causar a poluição
por mercúrio e a degradação
dos rios, os garimpos são considerados
pelo Conselho Indigenista Missionário
(Cimi), como potenciais ameaças aos
índios. Dados do Cimi apontam para
a possibilidade de existência de grupos
"isolados" nas matas do Pontal do
Apiacás, que vivem sem saber da ameaça
de serem contatados pelos garimpeiros, sob
o risco de sofrerem massacres similares aos
dos índios Panará. Etnia que
quase desapareceu devido aos conflitos e doenças
trazidas por garimpeiros durante a abertura
da BR 163, a estrada Cuiabá - Santarém.
O recente Parque Nacional criado na região
pode, além de aumentar as chances de
conservação da riqueza natural
da região, fazer com que surjam outras
alternativas de renda para a população
local, como o ecoturismo.
Copa do mundo, cachoeira,
jaguatirica e peixe gigante num só
dia
18.06.2006 - A cena é
rara. Com duas grandes quedas divididas em
mais de 250 metros de largura, a cachoeira
do Salto Augusto supera tudo o que já
vi nestes 15 anos de Amazônia, em grandiosidade,
volume d´água e beleza cênica.
Tentar navegá-la seria impossível.
Sua velocidade de 40 a 50 quilômetros
por hora e saltos de até 15 metros
de altura obrigaram a equipe a transportar
cerca de cinco toneladas de equipamentos,
mantimentos, voadeiras, motores e toda a bagagem
da expedição por um quilômetro
de trilha durante praticamente o dia inteiro.
Certo que contamos com a
grande ajuda da equipe de apoio, piloteiros
e cozinheiras, e de um trator da Pousada Salto
Augusto, onde pernoitamos ontem. Caso contrário,
não teríamos tido tempo de apreciar
toda aquela maravilha. Fotografias, relatos
e impressões só foram compartilhadas
no acampamento montado na margem do rio Juruena,
a cerca de 500 metros da cachoeira.
Copa do Mundo
Como não poderia
deixar de ser, a paixão nacional também
parou a expedição. A cena era
hilária: uma televisão colorida
de 21 polegadas, rodeada por quase todos nós
que já sabíamos do início
do jogo Brasil x Austrália há
alguns minutos por um radinho de pilha, e
o Ivã Avi, tentado localizar o sinal
do satélite na antena parabólica,
rodando de um lado para o outro. Cada vez
que a imagem parecia se fixar, todos vibravam,
mas em poucos segundos o chuvisco tomava conta
novamente da tela. Até que, aos 25
minutos do primeiro tempo, a antena funcionou
e, diretamente da selva amazônica assistimos
à segunda partida do Brasil na Copa
do Mundo – contando com alguns visitantes
alemães assistindo conosco!
Segunda etapa
Iniciamos hoje a segunda
etapa da nossa expedição: a
parte fluvial. Até o dia 24 de junho
permaneceremos na calha do rio Juruena. E
é aqui que os pesquisadores acreditam
na possibilidade de existir plantas e animais
não encontrados em outras regiões
da Amazônia. Dante Buzzetti explicou
que o fato deste rio manter sua mata ciliar
úmida o tempo todo o diferencia de
outros da região amazônica, o
que pode significar encontrarmos algumas espécies
endêmicas, típicas somente desta
região. Hoje, ele observou a existência
de muitas bromélias e orquídeas.
Também identificou algumas araras,
maritacas, macaco prego e macaco zogue-zogue.
Já Ivã Avi,
que acompanha a expedição com
o objetivo de analisar as condições
do rio Juruena para atividades esportivas,
como o rafting, estava impressionado. Pela
primeira vez na Amazônia, ele garantiu
que nunca imaginou encontrar um rio tão
belo, com fortes quedas como a cachoeira do
salto Augusto. Segundo ele, este obstáculo
natural encontra-se no nível 6 do rafting,
portanto, impossível de ser ali praticado
com segurança. Ele explicou que, apesar
de ainda estarmos no início da expedição
pelo rio Juruena, já pôde identificar
corredeiras com grande potencial para a prática
do esporte.
Peixe de 60 kg
Solange Arrolho, pesquisadora
da Universidade Estadual do Mato Grosso (Unemat),
não parou. Já nas primeiras
horas da manhã ela saiu com sua varinha
de pescar e logo trouxe, entre outros peixes,
um tucunaré de aproximadamente 54 cm,
que, segundo ela, é difícil
de ser capturado em lugares de corredeira.
Mas a grande surpresa estava reservada para
a noite. Logo depois do jantar, chegou ela,
com uma piraíba ou filhote Brachyplatystoma
filamentosum, de mais de 60 Kg. Todos correram
para apreciar o animal. Ela contou que, por
volta das 19h, saiu com um piloteiro da região,
que lhe perguntou se queria capturar um peixe
grande. Ela não teve dúvidas
e, depois de uma hora e meia tentando trazê-lo
à tona, venceu a briga com o ‘tubarão
da água doce’, como a piraíba
é localmente conhecida. Este peixe
chega a pesar 160 quilos e medir mais de dois
metros de comprimento.
A outra grande surpresa
da expedição, talvez a primeira
de muitas outras que deverão surgir
durante todos os próximos dias, foi
o encontro do Marcos Pinheiro e Osmar, secretário
municipal do meio ambiente de Apiacás,
com uma jaguatirica Leopardus pardalis, parada
em cima das pedras. Segundo Marcos, os três
se assustaram. A primeira reação
dele foi parar e procurar a máquina
fotográfica. Osmar não disse
nada e ela, a felina, mansamente, caminhou
em direção contrária
à dos visitantes. Esta foi a segunda
vez que Marcos viu uma jaguatirica na natureza,
mas a primeira que conseguiu fotografá-la,
mesmo de longe.
Ver um animal como esse
é uma alegria para qualquer expedição
deste tipo. As investigações
de campo nem sempre se baseiam em contato
físico com todas as espécies
detectadas. Muitas delas são identificadas
pelos cantos, como no caso das aves, por pegadas
ou pelas fezes no caso dos felinos. Ver um
predador é sempre um sinal, ainda que
a ser confirmado, de que há qualidade
ecológica na área, pois isso
normalmente é necessário para
manter os predadores, sobretudo se ocupando
o topo de cadeia alimentar.
Amanhã, sairemos
cedo, depois de carregar as oito voadeiras
com as cinco toneladas de carga e a nossa
equipe, composta por 15 pessoas. Viajaremos
durante seis horas e pretendemos montar acampamento
antes do sol se por.
Assim devem ser os próximos
quatro dias, com trechos de navegação
e, em alguns pontos, obstáculos a serem
vencidos. Claro, isso tudo entremeado a observações
sobre a natureza, sobre potencial turístico
e perspectivas para implantação
e gestão deste novo mega Parque Nacional
de Juruena.
Por: Ana Cíntia Guazzelli, com Cláudio
Maretti