30/06/2006
- Em entrevista ao ISA, o secretário
de Meio Ambiente do Mato Grosso, Marcos Machado,
faz um balanço sobre a atuação
de sua pasta um ano depois da operação
Curupira, que desbaratou a maior quadrilha
de comércio ilegal de madeira da Amazônia.
Machado fala sobre as mudanças propostas
em sua gestão, desmatamento, o sistema
de licenciamento ambiental estadual e sobre
a campanha ´Y Ikatu Xingu.
Nos dias 2 e 3 de junho
do ano passado, a Polícia Federal em
articulação com o Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis (Ibama) desencadeou
a maior operação policial contra
o comércio ilegal de madeira na história
do País, a chamada operação
Curupira. Foram presas mais de 80 pessoas
e indiciadas mais de 200, acusadas de retirar
e vender ilegalmente quase 2 milhões
de metros cúbicos de madeira. O esquema
funcionava há mais de 14 anos, com
a falsificação de documentos
de Autorização de Transporte
de Produtos Florestais (ATPFs) e contava com
ajuda de madeireiros, empresários,
despachantes, contadores e funcionários
do próprio Ibama no Pará, Rondônia,
Amazonas, Santa Catarina, Paraná, Distrito
Federal e, principalmente, no Mato Grosso.
Em agosto, a PF realizaria ainda a operação
Curupira II, com objetivos semelhantes, tendo
como alvo quadrilhas que atuavam em municípios
de Rondônia e Mato Grosso.
No Mato Grosso, o presidente
da Fundação Estadual do Meio
Ambiente (Fema), Moacir Pires, e o superintendente
do Ibama, Hugo José Scheuer Werle,
chegaram a ser presos. O comércio e
transporte de madeira no estado, que contava
com a participação de cerca
de 430 empresas fantasmas, foi afetado pelas
ações da PF porque o Ibama suspendeu
por várias semanas a emissão
das ATPFs. O fato provocou protestos de representantes
da indústria madeireira e de vários
prefeitos mato-grossenses.
A ação policial
precipitou o processo de negociação
que já estava em curso entre o Ministério
do Meio Ambiente (MMA) e o governo mato-grossense
para transferir várias das atribuições
de fiscalização e licenciamento
ambiental do Ibama para a esfera estadual.
A partir daí, o governo de Blairo Maggi
(PPS) criou a Secretaria Estadual do Meio
Ambiente (Sema), que passou a realizar uma
série de ações que, em
tese, deveriam ser integradas com o Ibama.
A Sema assumiu, de fato, várias responsabilidades,
como as autorizações para planos
de manejo florestal no estado, autorizações
para circulação de madeira,
autorizações para desmatamentos,
fiscalização e controle de desmatamentos,
dentre outras.
No âmbito da criação
da nova secretaria e da assinatura do termo
de gestão florestal compartilhada (Ibama-Sema/MT)
foi criado o Comitê de Avaliação
e Monitoramento da Gestão Florestal
compartilhada. O comitê é composto
por Sema, Ibama, GT Floresta do Fórum
Brasileiro de ONGs, Fórum Mato-grossense
para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, Federação
dos Agropecuaristas do Mato Grosso e Federação
das Indústrias do Mato Grosso.
Gestão florestal
transparente
Na avaliação
do Instituto Socioambiental (ISA), que integra
o comitê representando o GT Florestas
do Fórum Brasileiro de ONGs, embora
haja avanços sensíveis na nova
gestão, como por exemplo no diálogo
com a sociedade e no fortalecimento institucional
da secretaria, alguns dos principais problemas
identificados na gestão anterior ainda
não foram efetivamente resolvidos e
precisam ser priorizados.
O primeiro deles é
a necessidade de maior transparência
na gestão florestal. Isso se daria
por meio de disponibilização
de acesso público, via internet, dos
dados, imagens e informações
sobre a emissão de autorizações
de desmatamento, planos de manejo e licenças
ambientais de imóveis rurais, assim
como de desmatamentos ilegais e autuações
florestais. Deste modo, a sociedade pode exercer
seu papel de controle social da gestão.
A Sema se comprometeu, durante a ultima reunião
do Comitê da avaliação
da gestão, a colocar na sua página
na internet, até o início de
junho deste ano, informações
relevantes sobre o sistema de licenciamento
ambiental em propriedades rurais do estado,
conforme inclusive a própria legislação
florestal estadual em vigor determina. Por
problemas de ordem tecnológica, essas
informações ainda não
estão disponíveis em www.sema.mt.gov.br
, embora hoje tanto o Ibama, como o Ministério
Público Federal e o estadual já
tenham acesso via internet ao sistema. Essas
informações são essenciais
para que a sociedade possa fazer a sua avaliação
dos resultados da nova gestão a partir
de indicadores objetivos e dados confiáveis.
Outro problema da gestão
anterior e que ainda não está
resolvido – e que fora identificado em estudo
desenvolvido pelo ISA em parceria com o Instituto
Centro de Vida do Mato Grosso - diz respeito
à não responsabilização
efetiva dos infratores da legislação
florestal. Embora exista um incremento nas
ações de fiscalização
de campo, ainda não há uma estratégia
articulada de ação de fiscalização
com Ibama. E, ainda que haja um maior volume
de autuações em relação
aos anos anteriores - o que precisa ser confirmado
pela Sema -, estas não resultam na
responsabilização dos infratores.
Dados da própria Sema, interpretados
pelo ISA, sobre desmatamentos na bacia do
Rio Xingu durante o biênio 2004-2005
revelam que, embora tenha havido um declínio
nos desmatamentos totais na bacia da ordem
de 15 % e redução dos desmatamentos
em 8% nas propriedades cadastradas pela Sema,
houve um incremento de 26% dos desmatamentos
em reservas legais em propriedades cadastradas
no sistema da Sema.
Questionado a respeito deste
problema, o secretário Marcos Machado
discorda da avaliação do ISA.
No entendimento do secretário o que
ocorre é que ou a propriedade está
no cadastro, mas não obteve licença
- portanto o desmatamento foi ilegal – ou
o proprietário que obtém a licença
ambiental desmata a extensão autorizada
fora da área delimitada, mantendo a
extensão de vegetação
nativa correspondente à reserva legal
em outra localização dentro
da propriedade. Este ponto deve ser objeto
de esclarecimento pela Sema no âmbito
do comitê, mas tanto uma quanto a outra
hipótese merece atenção
especial para garantir a confiabilidade do
sistema.
Desarticulação
entre União e estados
Além disso, o Ibama
e o Ministério de Meio Ambiente têm
estado totalmente ausentes dos debates sobre
a avaliação da eficácia
da gestão florestal “compartilhada”.
Um exemplo desta desarticulação
é que o Ibama vem desenvolvendo há
três anos um sistema próprio
para controle da circulação
de madeira, em substituição
às extintas ATPFs, enquanto que o estado
do Mato Grosso já desenvolveu e vem
implementando um sistema próprio (Sisflora)
de emissão e controle de guias florestais
por ela emitidas que, ao que consta, é
incompatível com o sistema do Ibama.
Essa desarticulação vem causando
problemas para o controle, por outros estados,
da madeira oriunda do Mato Grosso. Isso porque
o sistema do MT ainda não é
reconhecido oficialmente pelo Ibama e por
outros estados como São Paulo, por
exemplo, grande consumidor de madeira da Amazônia
brasileira.
A desarticulação
entre os órgãos federais e os
governos estaduais tem sido uma das principais
lacunas identificadas pelo ISA nas ações
do Plano Nacional de Combate e Prevenção
aos Desmatamentos na Amazônia. Se a
tendência, inclusive na própria
legislação depois da aprovação
da Lei de Gestão de Florestas Públicas,
é a de descentralização
da gestão florestal para os estados
- ficando o Ibama com atribuições
estratégicas e suplementares - então
o papel dos estados nas ações
de prevenção e controle aos
desmatamentos na Amazônia é central.
O governo federal ainda precisa apresentar
uma avaliação sobre a eficácia
desta descentralização para
a solução dos desmatamentos
na Amazônia, que se resumiram até
agora às assinaturas de termos de gestão
florestal compartilhada.
Todas estas lacunas vêm
sendo apontadas pelo ISA e pelo ICV nas três
reuniões do Comitê de Avaliação
da Gestão Florestas compartilhada.
Na próxima semana, no dia 7 de julho
está agendada a próxima reunião
do comitê, que contará com a
presença da diretoria de proteção
ambiental do Ibama. Na pauta, a discussão
e avaliação das estratégias
de fiscalização e responsabilização
dos desmatamentos ilegais desenvolvidas pelo
Ibama e Sema após a celebração
do termo de gestão florestal compartilhada
entre ambos.
Leia, a seguir, a entrevista
com o secretário de Meio Ambiente do
Mato Grosso, Marcos Machado, a pessoa escolhida
por Blairo Maggi para coordenar todo o processo
de transição da política
ambiental no estado em meio ao verdadeiro
terremoto político provocado pela Operação
Curupira. Espécie de curinga na administração
estadual, Machado, que é procurador
de Justiça, já ocupou as pastas
da Saúde e Segurança Pública
no governo de Blairo Maggi. Na entrevista,
Machado faz um balanço da atuação
da Sema um ano depois das Operações
Curupira I e II.
ISA - Na sua opinião,
o que mudou concretamente com a criação
da Sema em termos de prioridades e estrutura
para a política ambiental no Mato Grosso?
Marcos Machado
- Antes de tudo, uma cultura. A população
mato-grossense reagiu às críticas
nacionais e internacionais de que não
havia responsabilidade ambiental no estado.
Houve mobilização, articulação
e discussão dos verdadeiros problemas
ambientais no Mato Grosso. Governo, municípios
e a entidades representativas do setor econômico,
científico e ambiental ocuparam o novo
órgão. Sugeriram, questionaram,
apresentaram idéias e soluções.
Mato Grosso efetivamente ingressou no Sistema
Nacional de Meio Ambiente (Sisnama) e está
simetricamente obediente à política
nacional de Meio Ambiente. No estado, essa
política está sendo construída
com base em três vertentes: a científica,
a institucional e a operacional. Tem por base
a nova legislação aprovada e
as parcerias governamentais e não-governamentais,
entre estas a com o próprio ISA. Entre
as prioridades: a aprovação
do zoneamento sócio-econômico-ecológico;
a regularização fundiária
das unidades de conservação;
o licenciamento ambiental rural, especialmente
dos assentamentos; a descentralização
do meio ambiente urbano.
Quais os principais
resultados obtidos pela nova gestão?
Destacaria a organização
e a ordem administrativa, em primeiro lugar.
O sistema de tecnologia de informação
da Sema prioriza a transparência, correções
e segurança jurídica dos atos
administrativos praticados pelo órgão.
Em segundo plano, as ações de
regularização de empreendimentos
econômicos às normas ambientais,
decorrente de termos de cooperação
com municípios e da atividade fiscalizadora
da Sema, que separou as unidades licenciadoras
da unidade de fiscalização,
fixando conceitos distintos entre estudo de
impacto, inspeção, fiscalização
de posturas ambientais.
Dados recentes do
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
(Inpe) indicam uma queda nos desmatamentos
no Mato Grosso nos últimos dois anos.
No entanto, dados da própria Sema indicam
que esta queda foi menos expressiva dentro
de propriedades licenciadas pelo órgão,
sendo que, na bacia do Xingu, houve aumento
nos índices, em 2005, em Reservas Legais
de propriedades cadastradas. A que atribui
este fato?
Inicialmente, discordo da
afirmação de aumento do desmatamento
de reserva legal dentro da base. Estamos efetuando
a revisão da base no tocante à
metodologia antes aplicada, que era a de se
colocar o polígono definido e inserido
pela Cogeo (Coordenadoria de Geoprocessamento),
o que não quer dizer que se concluirá
como uma LAU (Licença Ambiental Única),
ou até mesmo ser a área escolhida
pelo proprietário. A título
de exemplo, uma propriedade de mil hectares
no cerrado, que deve ter sua reserva legal
de 350 hectares, e que na base esteja do lado
direito da propriedade, mas o proprietário
faz o seu desmate e deixa os mesmos 350 hectares
do lado esquerdo. A propriedade não
deixa de ter sua reserva legal, desde que
haja um projeto nesse sentido ou uma retificação
do licenciamento inicial, seguido de retificação
da matrícula do imóvel. Sendo
assim, somente após essa revisão
é que poderemos analisar a situação
e promover a responsabilização
de eventuais irregularidades.
Estudo recente do
ISA identificou que os principais problemas
da baixa eficácia do Sistema de Licenciamento
Ambiental em Propriedades Rurais (SLAPR) no
controle dos desmatamentos devem-se fundamentalmente
à falta de transparência na gestão
do sistema e na quase nula responsabilização
dos infratores. O senhor concorda com esta
análise? O que a Sema está fazendo
para reverter esta baixa eficiência?
Sim, a dúvida, a
informação incompleta, e dados
imprecisos, certamente levam o órgão
ambiental a um estado de incapacidade e os
infratores à impunidade. Todavia, a
Sema, com apoio e contribuição
técnica do MMA através do sistema
Deter, aperfeiçoou e desenvolveu seu
instrumento de monitoramento e controle, batizado
de “olho ecológico”, que vem mudando
substancialmente esse quadro. Além
disso, o sistema implantado em Mato Grosso
está disponibilizado ao Ministério
Público Estadual que, através
de núcleos regionais, tem efetivamente
acompanhando a evolução do desmatamento,
e buscado saber se é legal ou ilegal.
A Sema, por sua vez, está notificando
via correio todos as alterações
de desmatamento não autorizadas, dando
oportunidade para explicação,
ou licenciamento, para poder autuar com precisão
e certeza. Cada notificação
vira um processo, que pode recepcionar autos
de infração e imputação
de multa, ou Termos de Compromisso ou Ajustamento
de Conduta. O problema do estado, porém,
não está relacionado com as
propriedades matriculas, mas sim com posses,
invasões, áreas sobrepostas,
e assentamentos.
Em agosto de 2005,
a Sema assinou o termo de gestão florestal
compartilhada com o Ibama, o que deveria resultar
numa articulação mais orgânica
com o órgão federal. Isso está
acontecendo de fato? Se não, por quê?
O Termo de Gestão
Florestal Compartilha vem sendo satisfatoriamente
efetivado, desde 3 de janeiro de 2006, quando
entrou em vigência. Antes, previa estudos
e transições. É fato
que ainda existem problemas de informações,
dados e documentação de vários
planos de manejo e autorizações
de desmatamento, que tem gerado conflito,
inclusive reclamações por parte
de usuários. Entendo, porém,
que com a sucessão de atos as pendências
irão sendo resolvidas ou deverão
ser submetidas ao Judiciário. Por outro
lado, a fiscalização compartilha,
infelizmente, ainda não se consolidou.
A relação institucional da Sema
com o Ibama nacional é muito boa, também
em várias unidades regionais do interior.
Todavia, embora tenha sido assinado um termo
de cooperação específico
para fiscalização compartilhada
em março deste ano, e suscitada a criação
de uma “sala de situação” entre
os órgãos de fiscalização
da Sema e Ibama no estado, as ações
ainda são isoladas. Já manifestei
à diretoria e à coordenadoria
de fiscalização do Ibama a necessidade
de designar um servidor responsável
para concretizar esse elo entre as fiscalizações,
isto é, que cuide do planejamento das
ações, como autoridade para
determinar o modo de execução
das diversas ocorrências, inclusive
dividindo tarefas e/ou emprestando apoio logístico
e de pessoal as ações da Sema.
Como o senhor avalia
a Campanha `Y Ikatu Xingu e de que maneira
o governo estadual poderia contribuir com
ela?
Avalio como extremamente
louvável e necessária, pois
a nascente do Xingu abrange uma área
de enorme importância ambiental para
o estado de Mato Grosso e ao próprio
Brasil. O chamando Vale do Araguaia, cuja
realidade histórica se confunde por
um modelo de “desenvolvimento” e ocupação
desordenada do espaço, gerou uma enorme
área degrada de pastagens na região.
Por sua vez, o programa Polocentro, tido como
grande incentivador da ocupação
de terras, baseado em condições
edafoclimáticas (condições
de solo e clima), também proporcionou
a ocupação de grandes áreas
de produção de grãos.
Por tais conseqüências, a promoção
de medidas de proteção do Parque
Indígena do Xingu, com toda a sua diversidade
ecológica e principalmente cultural,
é uma iniciativa que tem e terá
o absoluto apoio do órgão ambiental
do estado de Mato Grosso.
André Lima.