26-06-2006
- São Paulo - Há cerca de seis
meses, o governo federal iniciou um processo
para compartilhar com os governos estaduais
a responsabilidade pela gestão das
florestas brasileiras. Até então,
apenas o Ibama concedia autorizações
de desmatamento e manejo e controlava o fluxo
de produtos florestais. Com a descentralização,
estas e outras atribuições devem
ser repassadas aos governos estaduais.
O conceito de compartilhar
a gestão florestal já existe
há tempos e ganhou força com
a aprovação da Lei de Gestão
de Florestas Públicas, aprovada pelo
Congresso Nacional no final de 2005. A Lei
de Gestão prevê que as áreas
públicas de concessões florestais
a serem exploradas pela iniciativa privada
fiquem sob responsabilidade da União,
Estados e Municípios, de acordo com
a titularidade da terra. Já no caso
da exploração florestal em áreas
privadas (aonde não haverá concessão),
o controle fica a cargo dos governos estaduais.
Porém, a competência para fiscalizar
o comércio e o transporte de produtos
florestais entre os estados continua sendo
do Ibama.
Este fato e os resultados
da Operação Curupira, que em
2005 desmantelou uma máfia de comércio
ilegal de madeira no Mato Grosso, levaram
o Ministério do Meio Ambiente a conduzir
um processo apressado de repasse da gestão
a Estados com extensas áreas de florestas
como Mato Grosso e Pará. O problema
é que estes Estados, além de
serem recordistas de desmatamento e exploração
ilegal de madeira, não têm recursos
físicos, estruturais ou humanos para
realizar um controle efetivo da exploração
florestal.
Como parte deste processo
de descentralização, os Estados
deverão assumir a responsabilidade
pelo controle do fluxo de produtos florestais.
O problema, neste caso, é que a discussão
sobre sistemas de controle de madeira é
antiga e ainda não chegou a modelos
eficientes. Vale lembrar que a fragilidade
dos sistemas federais de controle é
histórica, com a ocorrência de
altos índices de fraudes na emissão
de autorizações de exploração
e no fluxo e transporte de produtos florestais.
O atual sistema federal
de controle consiste no cruzamento de dados
entre as autorizações de exploração
e as ATPFs (Autorização de Transporte
de Produto Florestal), documentos impressos
que devem acompanhar toras e cargas de madeira
serrada. Há mais de um ano, o Ibama
vem anunciando a “morte da ATPF” e sua substituição
por um sistema eletrônico denominado
DOF – Documento de Origem Florestal, cujo
controle daria-se, principalmente, através
do acesso pela internet a um banco de dados.
Autorizações e Guias de Transporte
seriam emitidas via internet. Um dos pontos
ainda obscuros sobre o DOF é se o sistema
controlará a cadeia produtiva da madeira
da floresta até o mercado, ou seja,
se funcionará tanto para madeira em
tora quanto para madeira serrada. O Ibama
oferece o DOF como alternativa aos Estados
que decidirem não adotar sistemas próprios
de controle como parte da descentralização.
A implementação do DOF já
foi anunciada e postergada pelo Ibama pelo
menos seis vezes no último ano. A mais
recente previsão de lançamento
é agosto próximo.
Como o repasse dos sistemas
de controle aos estados é o primeiro
item da lista da descentralização
a ser colocado em prática, o Ministério
do Meio Ambiente criou um Grupo de Trabalho,
incluindo representantes da sociedade civil,
para acompanhar a implementação
do DOF. Deste GT participam, além de
técnicos do Ibama, representantes de
entidades estaduais de meio ambiente (ABEMA)
e do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos
Sociais (FBOMS), inclusive o Greenpeace.
Se, por um lado, o GT mal
iniciou os seus trabalhos, só tendo
realizado até agora uma reunião
(em 18/05), a descentralização
da gestão florestal já está
sendo implementada. Na prática, o governo
federal deu início ao compartilhamento
da gestão sem preocupar-se com um período
de adequação e transição.
Para o Greenpeace, descentralizar dessa maneira
é suspender o frágil controle
exercido hoje pelo Ibama sem que os estados
estejam prontos para assumir suas novas atribuições,
criando um perigoso vácuo no qual a
tendência é que os problemas
e dificuldades se multipliquem e a exploração
criminosa de madeira continue a todo vapor.
A entidade acredita ainda que a descentralização
mantém a necessidade de unificar procedimentos
no plano federal, integrando os sistemas de
gestão e controle em todos os estados.
Com o sistema federal ainda
indefinido, o estado pioneiro da descentralização
é justamente o Mato Grosso. Campeão
de desmatamento e queimadas, palco da Operação
Curupira e principal fornecedor de madeira
nativa para o mercado brasileiro, o Mato Grosso
já adotou um sistema próprio
de controle do fluxo da madeira chamado Sisflora.
O sistema apresenta alguns pontos positivos,
já que é eletrônico e
controla tanto toras como madeira serrada.
O problema é que não se pensou
como os documentos e guias do Sisflora serão
reconhecidos ou controlados fora das fronteiras
do estado, como por um guarda rodoviário
em São Paulo, por exemplo. Já
houve casos de caminhões carregados
de madeira vindos do Mato Grosso serem detidos
pela polícia paulista porque as autoridades
de São Paulo desconheciam estes novos
documentos. Casos como este explicitam a falha
do Ibama em cumprir com sua obrigação
de controlar o comércio e transporte
de madeira entre os estados.
Rondônia e Pará
também devem adotar o sistema do Mato
Grosso, e, para complicar ainda mais a situação,
outros estados devem continuar utilizando
a ATPF até que o DOF seja implementado.
Ou seja, agora existem diversos tipos de documentos
de controle da madeira a serem fiscalizados
sem que nenhum tipo de comunicação
ou treinamento tenha sido realizado, indicando
omissão do governo federal em organizar
e conduzir este processo.
A implantação
de sistemas estaduais que não estejam
conectados entre si por regras mínimas
que os compatibilizem deve aumentar o volume
de madeira ilegal no mercado. Está
aberta a temporada de fraudes. O Greenpeace
está pressionando o Ibama e o MMA pelo
estabelecimento de regras mínimas unificadas
de controle da madeira e outros produtos em
nível nacional e, até que isso
seja possível, a adoção
de medidas imediatas para sanar as falhas
mais gritantes.
DENÚNCIA
Para ilustrar o tamanho
do problema, em dezembro de 2005, o Greenpeace
comprou um carregamento de madeira de origem
ilegal em Rondônia e trouxe a carga
até São Paulo, aonde foi entregue
à Polícia Federal (confira reportagem).
O caso revelou tanto as falhas do sistema
de controle de produtos florestais como o
papel que o mercado consumidor exerce no financiamento
da exploração ilegal de madeira.
O Greenpeace exige que qualquer
sistema de controle inclua uma ferramenta
que possibilite ao consumidor final da madeira
exercer seu papel e exigir comprovação
da origem do produto florestal. Essa é
a lógica do programa Cidade Amiga da
Amazônia, do Greenpeace, que hoje já
está sendo implementado em 35 municípios
brasileiros como São Paulo, Porto Alegre,
Salvador, Manaus e Recife. As prefeituras
participantes do programa passam a exigir
provas da origem legal da madeira de seus
fornecedores. Desta forma, quem trabalha com
madeira de origem criminosa acaba excluído
das compras e licitações públicas.
Vale lembrar que o controle
do fluxo de madeira é apenas um dos
20 itens que constam do processo de descentralização
da gestão florestal. Outros temas como
reposição florestal, cadastramento,
autorizações para Planos de
Manejo Florestal e autorizações
de desmatamento também são parte
do pacote da gestão florestal compartilhada.
A postura do governo federal em relação
aos sistemas de controle da madeira dá
uma idéia do que pode vir por aí.