30/06/2006
- De acordo com dados da Funasa, de janeiro
a maio de 2006 foram registrados 1906 casos
da doença. Mais do que o total registrado
em todo o ano de 2005. O recrudescimento da
malária e de outras doenças
está entre as principais preocupações
das lideranças Yanomami. Em fevereiro
deste ano, em entrevista ao ISA, o professor
indígena Yanomami Dario Vitório
Kopenawa expressou seus temores em relação
à saúde de seu povo e à
falta de controle de doenças.
O aumento no número
de casos de malária nos primeiros meses
de 2006 em comparação com o
total de anos anteriores mostra que os temores
de Dario Kopenawa, expressos em entrevista
ao ISA, em fevereiro deste ano, tinham razão
de ser. (clique aqui e veja o gráfico).
Se em 2003, foram registrados 418 casos de
malária na área Yanomami, em
2004, ano parcialmente gerido pelo novo sistema
implantado pela Funasa, os casos positivos
saltaram para 622. A situação,
contudo, começou a ficar crítica
em 2005, quando os casos positivos somaram
1645. Apesar dos protestos empreendidos pelos
índios no ano passado, pedindo melhorias
nas condições de saúde,
em 2006 mantém-se a tendência
de aumento.
Filho de Davi Kopenawa,
um dos mais importantes líderes Yanomami,
conhecido pelas lutas que empreendeu em favor
de seu povo, Dario participou, em novembro
de 2005, com mais 30 professores e lideranças
indígenas da ocupação
da sede da Funasa em Boa Vista, capital de
Roraima, para pedir melhores condições
de saúde. Eles estavam na cidade fazendo
um curso de formação. Dário,
que tem 23 anos, e sonha ser advogado, fala
nesta entrevista sobre as principais preocupações
em relação à saúde
de seu povo.
ISA: Como está
a saúde dos Yanomami atualmente?
Dario: Em nenhuma região
os Yanomami estão bem de saúde.
Não tem saúde. Está tudo
cheio de malária, tuberculose, coceiras,
diarréia ...está faltando tudo.
Por isso, a situação ficou muito
pior.
Pior que nos últimos
anos?
D: Sim, depois que a Urihi
saiu (*) voltou a malária. Todos os
Yanomami estão muito chateados com
a Funasa....Por que? Nós não
estamos vivendo bem. Nossos filhos estão
morrendo muito, os pata (velhos) também,
eles estão morrendo, a malária
aumentou muito, não tem remédio,
não tem transporte, não tem
comunicação para chamar os funcionários.
Você disse
que não tem comunicação.
E os rádios que foram instalados nas
aldeias para agilizar o tratamento de saúde
e auxiliar na vigilância territorial?
D: Agora nós Yanomami
estamos proibidos...não podemos falar
isso, não podemos nos comunicar lá...
Por que não
podem?
D: Porque a Funasa proibiu.
Para nós isso é uma tristeza,
porque o nosso rádio é importante
quando acontece alguma coisa e temos que nos
comunicar com outra região, falar com
outra comunidade. Mas a Funasa não
nos deixa falar essas coisas. Os napë
(brancos) pensam assim: “Quando os Yanomami
usam o rádio eles ficam falando mal
da gente, dizendo que os funcionários
da Funasa são uns preguiçosos,
não trabalham, não fazem nada”.
Os napë pensavam isso, por isso eles
proibiram o rádio. Mas quando nós
queremos falar com outras aldeias, nós
pedimos autorização para a Funasa
e eles deixam. É assim que acontece.
O que nós falamos é importante
também. Por exemplo, quando os garimpeiros
chegam à minha comunidade eu comunico
as pessoas: “Olha, no dia 23 um avião
não autorizado chegou por aqui”. Com
o rádio nós podemos comunicar
o pessoal da Funai. É isso.
Então o rádio
facilitava a comunicação para
avisar a Funai da chegada dos garimpeiros?
D: É...quando os
garimpeiros chegam, o posto mais próximo
avisa. Sem rádio, quando os Yanomami
ficam na floresta, ninguém avisa. E
isso é um problema. Por isso os garimpeiros
não saem de lá.
Porque você
acha que nos últimos tempos a malária
trazida pelos garimpeiros era controlada e
agora não é mais?
D: Nós Yanomami pensamos
assim: essas ONGs gostam da gente. Por isso
eles trabalharam bem. Por isso eles acabaram
com a malária. Porque eles gostam da
gente e trabalhavam há muito tempo.
Eles resolveram a tuberculose, DSTs. Eles
trabalhavam bem porque eles andavam muito,
não ficavam no posto grudados no rádio.
Eles iam a lugares a 5 horas de caminhada,
3 horas de caminhada. Por isso acabou a malária.
Agora, a Funasa é do governo. Eles
não querem sair na floresta porque
tem medo de cobra, dos espinhos que machucam
os pés, eles pensam assim. Sempre ficam
nos postos onde trabalham. Ficam grudados
nos rádios: “aconteceu isso, malária
chegou...”
Como está
o controle das DSTs (Doenças Sexualmente
Transmissíveis)?
D: Quando os garimpeiros
entraram na nossa terra eles namoraram com
as meninas Yanomami e isso espalhou as DSTs.
Por isso nós estamos lutando com a
Funasa. Porque a Funasa já tem o dinheiro.
Mas a Funasa não está ajudando
bem. Nós Yanomami pensamos isso. Porque
nós pedimos o dinheiro, nós
queremos resolver nosso problema de saúde.
O Governo brasileiro manda o dinheiro para
a sede da Funasa, mas eles não gastam
bem porque eles não compram remédio.
É isso, está tudo faltando.
Como ficou o tratamento
no dia-a-dia agora?
D: O trabalho de vacinação
mudou. Agora demora mais ou menos 6 meses.
Nós ficamos muito chateados com isso.
Quando a Urihi trabalhava eles faziam sempre
toda a vacinação ou o atendimento
da malária. Agora mudou tudo. Não
tem microscópio, não tem lâmina,
falta tudo. Não tem remédio,
não tem material para fazer a busca
ativa (**)
O que aconteceu
com os yanomami que foram treinados pela Funasa
para ser microscopistas e que faziam a maior
parte da busca ativa e participavam ativamente
desse trabalho preventivo?
D: Eles estão muito
abandonados. Os microscopistas não
fazem nada, só ficam à toa.
Eles não
são mais contratados para fazer isso?
D: Sim. Porque eles não
fazem cursos para formar AIS.(Agente Indígena
de Saúde) ...agora mudou tudo...agora
eles ficam só nas comunidades. Tem
responsabilidade só quando uma pessoa
fica doente...só falam com os napëpë
(brancos). Não fazem nada porque não
tem lâminas, não tem nada. Não
tem microscópio.
Falta o material
básico?
D: Com certeza. Por isso
os microscopistas Yanomami só ficam
olhando e pensando: “ E aí? O que nós
fazemos agora?”. Quando a Urihi trabalhava,
eles trabalhavam junto, iam nos lugares mais
distantes, pediam mais lâminas para
fazer a busca ativa de novo. Eles faziam assim.
Agora está tudo zerado.
Você acha
importante recuperar os cursos de formação
de AIS, de microscopia, recuperar a participação
dos Yanomami no atendimento?
D: Os próprios Yanomami
tem que ser os microscopistas. Os napë,
os brancos, não índios, eles
ficam só três semanas em duas
pessoas, às vezes tem três. Depois
eles voltam. E o atendimento fica paralisado.
Quando os Yanomami tem um auxiliar ou microscopista
eles ficam sempre de olho. Quando um visitante
chega, eles colhem as lâminas e depois
mandam para a cidade. Todos os Yanomami ficaram
contentes e os patatëpë (os mais
velhos) concordaram. Quando a Urihi saiu isso
acabou. Por isso os Yanomami ficaram tristes.
Não estão satisfeitos. Não
tem os cursos de AIS dos Yanomami.
E aí quando
chegam visitantes para as festas, como vocês
fazem o controle?
D: Não dá
para saber se estão doentes, não
tem medicação.
Vocês têm
alguma proposta para resolver a questão
da saúde indígena? O que é
ter uma boa saúde?
D: Sim, no pensamento dos
Yanomami saúde com qualidade significa
viver bem. Sem malária, sem tuberculose,
sem diarréia, sem qualquer doença.
Com um atendimento muito bom. Quando acontece
em nossa comunidade de uma criança
ser picada de cobra, é preciso ter
uma remoção rápida, que
trate bem, leve para Boa Vista e depois traga
de volta para o lugar de onde foi feita a
remoção. É isso que nós
queremos, para que possamos ficar bem à
vontade para viver. Para termos boa saúde.
A nossa terra já é demarcada,
por isso nós queremos ter boa saúde,
trabalhar, fazer roças. É isso
que nós queremos. Nós não
queremos as doenças.
(*) Nota do editor: a Urihi
era a organização não-governamental
conveniada com a Funasa, responsável
pela saúde de cerca de 50% da população
Yanomami de Roraima e Amazonas, que rompeu
o convênio em fevereiro de 2004. (Leia
mais).
(**)Busca ativa é
o exame preventivo para reconhecimento de
possíveis casos de malária.