26.06.2006
- Ao cruzar a fronteira do Mato Grosso como
o Amazonas, os integrantes da expedição
Juruena-Apuí atingem outro importante
território de áreas protegidas,
o mosaico de Apuí (AM). Com cerca de
2.467.243,619 de hectares, esse mosaico é
formado por nove unidades de conservação
(UCs), com diferentes propostas de manejo,
entre: parques, reservas de desenvolvimento
sustentável e extrativistas.
Além do Parque Estadual
do Sucunduri, visitado pela expedição
Juruena-Apuí, as outras unidades de
conservação que formam o Mosaico
de Apuí são Parque Estadual
de Guariba, Reserva de Desenvolvimento Sustentável
Bararati, Reserva Extrativista do Guariba,
Floresta Estadual do Sucunduri, Floresta Estadual
do Aripuanã, Floresta Estadual do Apuí,
Floresta Estadual de Manicoré e Reserva
de Desenvolvimento Sustentável de Aripuanã.
O mosaico está localizado
nos municípios de Apuí e Manicoré
no Amazonas, e tal como o Parque Estadual
do Juruena, sua criação faz
parte do plano de formação do
Corredor Ecológico da Amazônia
Meridional. Responsável pela conexão
de importantes áreas de proteção
ambiental na porção sul da região,
como os objetivos de: conservar a biodiversidade
local, conter o avanço do arco do desflorestamento
e a expansão da fronteira agrícola.
O Parque Estadual do Sucunduri (AM) foi o
ponto do mosaico de Apuí escolhido
para ser visitado pela equipe da expedição
Juruena-Apuí. Criado em 2005, essa
unidade de conservação possui
uma área de 1.055.840 hectares. A razão
da visita ao Sucunduri é a mesma da
feita ao Parque Estadual do Juruena, o reconhecimento
e desenvolvimento de estudos preliminares
para a elaboração de propostas
de implementação.
Os integrantes da expedição
começam a explorar o Parque na terceira
fase da viagem, descendo o rio Sucunduri para
um maior contato a fauna e flora local. Uma
característica importante desta região
é que alguns pontos de grande potencial
turístico, como Salto Augusto no rio
Juruena, também podem ser visitados
por meio desta unidade de conservação,
localizada na divisa dos estados do Amazonas
com o Mato Grosso, e vizinha do Parque Nacional
do Juruena (AM/MT).
A cobertura vegetal da região
é dividida por florestas de terra firme,
as florestas de Igapó - ao longo dos
rios - e manchas de cerrado, isoladas na floresta.
Também é possível visualizar
nas matas locais, sinais das mudanças
climáticas ocorridas na Amazônia
há milhares de anos.
Chapadas na Amazônia
É no Parque Estadual
do Sucunduri que estão localizados
os domínios geológicos mais
antigos do mosaico de Apuí, formados
por rochas proterozóicas e paleozóicas.
Esse fator gera uma configuração
diferente no relevo local, marcado pela presença
de planaltos entre a depressão Amazônia,
e por esta razão também conhecidos
como chapadas da Amazônia.
A região entre os rios Aripuanã
e Juruena, na divisa do Amazonas e Mato Grosso,
forma o chamado Domo do Sucunduri. Sua característica
geológica diferenciada explica o grande
número de saltos, quedas e cachoeiras
existentes nesses rios.
A riqueza de espécies
endêmicas desses locais também
pode ter suas causas relacionadas à
transição biogeográfica,
bem como a sua heterogeneidade ambiental.
Os rios que correm na área drenam o
Planalto Cristalino (Escudo Brasileiro) e
sua formação com corredeiras
e cachoeiras é um dos tipos de ambientes-chave
para sustentação da grande biomassa
de peixes.
Durante a visita à
região, a equipe da expedição
Juruena-Apuí, poderá encontrar
nas matas do Parque do Sucunduri mais de 500
espécies de aves (algumas endêmicas),
14 espécies diferentes de primatas
e espécies raras de anfíbios,
como o Anolis phyllorhinu. Na flora, as espécies
que se destacam são: o mogno, o cedro,
a copaíba, andiroba, castanha e o pau-rosa.
Grande maioria ameaçada pelo seu alto
valor econômico.
Parte da expedição
já está em Apuí
Por Cláudio Maretti
29.06.2006 - Infeliz e felizmente iniciamos
as etapas finais da Expedição
Juruena-Apuí. Nosso último ponto
no ‘campo’, ou na floresta, foi Terra Preta.
A partir de lá, dividimos novamente
a equipe.
Três de nós,
Francisco Livino, representante da Direc-Ibama,
Marcos Pinheiro, do WWF-Brasil, coordenador
da Expedição Juruena-Apuí,
e eu, Cláudio C. Maretti, do WWF-Brasil,
coordenador do Programa de Áreas Protegidas
e Apoio ao Arpa, voltamos para Apuí
no final da tarde. Na cidade cumpriremos a
última atividade prevista, uma reunião,
amanhã à tarde com o Conselho
Municipal de Desenvolvimento Sustentado e
Meio Ambiente de Apuí.
Os outros integrantes da
Expedição Juruena-Apuí,
juntamente com a equipe da VoxTV, desce o
rio Sucunduri, desde ontem. A partir de Terra
Preta, no limite entre o Parque Estadual do
Sucunduri e a Floresta Estadual de Apuí,
ambos do Mosaico de Unidades de Conservação
de Apuí, a previsão é
de 2,5 dias de subida ou 1,5 dias de descida
de ‘voadeiras’, barcos de alumínio
com motor de popa que leva normalmente de
3 a 6 pessoas, com uma carga relativamente
pequena.
Entretanto, desta vez, para
dar conta de carregar toda a carga, sobretudo
a da equipe da VoxTV, nesta descida vai junto
um ‘batelão’, que na linguagem popular
amazônica se refere a um barco de madeira,
muito mais pesado, mas capaz de levar até
umas 20 pessoas ou uma carga pesada. Essa
embarcação, na verdade, é
adaptada a cargas rurais, como castanhas,
produtos agrícolas ou similares.
Além da presença
do batelão na flotilha, como a intenção
é descer filmando, dois dias e meio
podem ser apertados. A saída das embarcações
de Terra Preta, trechos de navegação
no caminho e falas do apresentador da Vox
TV, Dirk Steffens, foram registradas. Mas
o foco principal das filmagens ocorreu esta
manhã.
Chegamos ontem até a ‘cachoeira’ Fortaleza.
Montamos acampamento para eles poderem filmar
a travessia da corredeira esta manhã.
Dirk Steffens foi conduzido pelos piloteiros
e proeiros da expedição na travessia
da corredeira com o batelão. David
Peters é inglês, mas é
o câmera-man da equipe alemã.
Tobias Akly é o técnico de som
e auxiliar do câmera. Antonio Coenen
é a produtora, auxiliada pela brasileira
Ângela Rodrigues Alves.
O programa é apresentado
por Dirk, que interage com a natureza selvagem
há 12 anos. Nesse episódio em
gravação na selva amazônica,
Dirk contracena com nosso colega Michael Evers,
do WWF-Alemanha. Cada um protagoniza uma parte.
Michael gravou no Cristalino Jungle Lodge,
ao lado do Parque Estadual Cristalino, e Dirk
no Mosaico de Apuí. Ambos procuraram
chamar a atenção para o recente
mega Parque Nacional Juruena.
O mega Parque Nacional Juruena
deve ser objeto de parceria entre o WWF (WWF-Brasil,
com apoio do WWF-Alemanha), o Ibama e o ICV
para agilizar a sua implementação,
procurando reforçar o conhecimento
científico e tradicional como base
de apoio e promover sua implementação
de forma participativa.
Aventuras na selva
Por Cláudio C. Maretti
26.06.2006 - Vida errante... Por erro de cálculo,
ou melhor estimativa, de uns outros, o tempo
não tem costumado ser suficiente, ou
o combustível é justo e, ainda
por cima, a comunicação não
funciona sequer entre as equipes, que agora
foram divididas em três: os que estão
em Apuí, os de Terra Preta e os da
Serra do Sucunduri, ou Serra do Biquíni,
como muitos chamam.
Isso sim é uma expedição,
onde nada é sabido de antemão.
Não, não é uma gincana.
É que pelo fato de estarmos atravessando
lugares muitas vezes desconhecidos, em condições
similares às de uma aventura e de maneiras
diferentes de outras situações
que já vivemos antes, nada pode ser
previsto com exatidão. Eu definiria
a situação como ‘navegando pelo
desconhecido’.
Mesmo com a vontade de todos
de ir o quanto antes a campo, as equipes foram
se dividindo aos poucos por conta da limitação
de espaço e carga do helicóptero,
curiosamente, um dos pontos considerados mais
positivos na organização logística
da expedição que acabou se revelando
o principal gargalo para o avanço de
dois dos três grupos.
Ana Cíntia e alguns
colegas já estavam em Terra Preta.
A segunda equipe, composta principalmente
por representantes da Secretaria de Desenvolvimento
Sustentado do Estado do Amazonas saiu cedo
no dia 24. No dia seguinte pela manhã
partiram a equipe da VoxTV, incluindo nosso
colega Michael Evers, do WWF-Alemanha, e finalmente,
na tarde de hoje iremos Francisco Livino do
Ibama e eu, Cláudio C. Maretti, do
WWF-Brasil.
No dia 24 à noite,
mesmo cansados, Michael, Zig e eu fomos a
uma lojinha chamada “Inter.Net”. Para nossa
tristeza, o sinal não era bom e, para
piorar, o atendente nos explicou que nos períodos
da tarde e da noite, havia um problema maior
no sistema de transmissão por rádio
que só seria resolvido na segunda-feira.
Por horas tentei abrir meu programa de e-mails
para enviar os relatos e as fotos da expedição
sobre o dia. Tentei de tudo: mudar de computador,
conectar via telefone, nada funcionava. Finalmente,
com muita paciência, depois de eu e
Zig inventarmos diferentes maneiras de enviar
os dados, Michael conseguiu passar as informações
por um sistema particular de e-mails.
Só no dia seguinte fiquei sabendo que,
além da lentidão na conexão,
o meu sistema de e-mails não abria
porque o correio eletrônico do WWF-Brasil
estava fora do ar em Brasília e só
seria reparado na segunda-feira! Imaginem
que ficamos pensando que as dificuldades todas
ocorriam por conta da organização
da expedição, dos nossos problemas
de logística, do nosso cansaço
ou das dificuldades de comunicação
a partir do campo... E, mesmo cansados, muito
cansados, nunca deixamos de enviar mensagens.
No final das contas, acabamos falhando nos
boletins diários justamente por conta
de dificuldades em cidades –Apuí e
Brasília! E o pior é que, ao
que tudo indica, teremos problemas na logística
e nas comunicações no campo
nos próximos dias!
Dificuldades na
comunicação
As informações
que chegavam durante o dia eram desencontradas
e sempre por intermédio do piloto do
helicóptero, comandante Carlos Hoffmann.
Mais tarde, já de noite, Marcos Pinheiro
conseguiu, de alguma forma milagrosa, conexão
com o telefone celular por satélite
e tentamos conversar. Ele em Terra Preta,
no meio da floresta, e eu na cidade de Apuí.
A situação era cômica,
pois a conexão para Apuí só
funciona de vez em quando e se usássemos
a operadora ‘certa’. Ainda por cima, havia
uma certeza: quando se usa esse equipamento,
a ligação dura, no máximo,
dois minutos. Portanto, em cerca de duas horas
e meia, até mais de meia-noite, nos
falamos por mais ou menos dez 10 minutos.
De qualquer forma, quando
o Marcos desistiu de insistir no picado e
parcial diálogo, fui dormir tarde e
acordei cedo para passar os recados à
turma que viajaria já logo cedo no
dia 25.
Serra do Sucunduri
Já no acampamento da SDS-AM, com pesquisadores
do Inpa, a situação não
era fácil. Esperava-se que pudéssemos
conversar com eles pelo celular via satélite,
mas não tinham o aparelho. As mensagens
enviadas pela maleta de comunicação
do Sipam (que já havia nos tirado do
enrosco em outra expedição,
a do ParNa M. Tumucumaque, pelo rio Jarí,
nunca recebiam resposta confirmando recebimento.
O equipamento para conexão de Internet
via satélite, cuja parte de telefone
funciona sensivelmente melhor que o celular
por satélite, mas também é
muito maior, principalmente por causa da antena,
estava com a Ana Cíntia, um pouco depois
de Terra Preta. O nosso telefone celular via
satélite estava com o Marcos em outro
local.
Chegamos então os
cinco colegas da equipe da VoxTV, o Michael,
o Francisco Livino, do Ibama, e eu, ao acampamento
1 da SDS-AM, distante cerca de 30 minutos
de vôo de Apuí. Infelizmente,
as condições do local não
são as melhores. As instalações
estão ao lado de um platô, num
dos últimos (mais externos) círculos
da estrutura geológica aparente do
domo de Apuí, mantido mais acima por
resistência da rocha quartizítica
ao intemperismo, onde se formam trechos de
campos, cerrados e campinaranas. Apesar de
ser mais fácil o pouso e parecer mais
interessante a investigação
no local, era preciso caminhar um pouco para
atingir uma situação de mínimo
abrigo, sobretudo ao sol.
Vegetação
A vegetação
é cerrada no local, dominada por arbustos,
e é necessário algum esforço
para abertura de clareiras ou espaços.
A instalação do acampamento
foi feita sobre um lajedo, que provavelmente
serve de leito de rio na época das
chuvas, com um barracão no qual se
apinharam redes, houve até “congestionamento”,
com algumas barracas ao redor. Em função
da localização do platô,
não há água corrente
por perto. Em razão das dificuldades
com o transporte, por meio do helicóptero,
não havia água potável,
alimento ou gasolina suficientes. A lavagem
da louça, a coleta de água para
cozinha, e os banhos são feitos em
poças ou veios d’água, no meio
das rochas, seqüencialmente mais distantes
do acampamento.
Segundo Rômulo Fernandes
Batista, responsável pela parte de
geoprocessamento da Rede de Conservação
do Amazonas (‘Rede’), da Seape-SDS-AM, parece
haver uma seqüência de solos [uma
catena], partindo da rocha [quartzito], caminhando
para a parte baixa [o talvegue], com crescimento
da serrapilheira, da quantidade de matéria
orgânica, tornando-se um solo mais desenvolvido,
embora arenoso, até a beira dos cursos
d’água, com gradiente altitudinal,
saindo de cerca de 230 m de altitude no topo
dos platôs, deste lugar específico
até 190 m à beira do rio Sucunduri.
Segundo ele, há uma seqüência
consistente de formações vegetais
também saindo do campo aberto herbáceo
(com canela-de-ema), no topo do platô,
indo para o campo aberto arbustivo, ou a campina,
no primeiro degrau (um platô abaixo),
para a mata de encosta no 2º degrau (outro
platô mais abaixo), e depois a mata
de cipós junto aos cursos d’água.
Terra Preta
Com inúmeras conversas,
para lá e para cá, com avanços
e recuos, consultas e decisões, em
português, inglês, alemão,
além de alguns toques em espanhol,
conseguimos decidir a programação
dos dias seguintes, Caê, Michael e eu,
mas com participação de todos,
da equipe da VoxTV e dos cientistas.
Decidido. Hoje mesmo começamos
a nos transferir do acampamento 1 da SDS-AM
para Terra Preta. Os motivos são os
seguintes: a equipe da SDS-AM e os cientistas
têm programado três pontos de
observação e coleta, sendo atualmente
no próprio acampamento 1, o próximo
em Terra Preta, e a seguir junto ao rio Bararati;
os planos são que grande parte da equipe
do WWF-Brasil, parceiros e da equipe da VoxTV
estejam descendo o rio Sucunduri, em dois
ou três dias, a partir de Terra Preta;
está prevista reunião de integração
entre as equipes; e, claro, porque amanhã
é dia de jogo do Brasil x Gana. Já
mandamos vir (de Manaus e de Apuí)
uma televisão e uma antena parabólica,
subindo quase três dias pelo rio Sucunduri
para não perdermos as emoções
da partida!!
O esquema ficou montado
de tal forma que, a partir de hoje sairemos
gradativamente para Terra Preta, permitindo
aos pesquisadores irem fechando seus trabalhos
no acampamento 1 e à equipe da VoxTV
ir gravando com um pesquisador de cada vez.
Portanto, hoje ficamos prontos,
esperando o helicóptero desde antes
das 8h00, mas ele só apareceu por volta
de 12h30. Nele vieram Ana Cíntia, Zig
e Lúcio, ou seja, boa parte da equipe
de comunicação do WWF-Brasil.
Fizemos uma reunião rápida,
ao pé do helicóptero.
Tanto pelos contatos no
pouso do helicóptero no acampamento
1, como pelo relato do Robson, Marcos e demais
colegas, soube que uma voadeira naufragou
no rio Sucunduri, com o Dante Buzzetti nela.
Por sorte não aconteceu nada com ele
nem com os equipamentos (câmera fotográfica,
gravador de cantos de pássaros etc.),
nem mesmo com o piloteiro.
Duas voadeiras procuravam
subir o rio Sucunduri, em direção
à cachoeira do Monte Cristo. As duas
equipes chegaram, mas as confusões
continuaram. Uma equipe chegou ainda de dia,
e outra chegou à noite. Só que
uma levava equipamento para outra, e uma chegou
numa praia e outra acabou dormindo na outra,
deixando a primeira, mais numerosa, sem boas
condições de dormir.
Mesmo com as dificuldades,
valeu a pena, dizem eles. Além de uma
corredeira linda, sobre um lagedo enorme,
o local é conhecido como Praia das
Antas. Na noite do dia 25 foram avistadas
três antas. Na manhã de hoje,
mais uma foi avistada. Todas vêm sobre
as pedras e areia comer uma certa plantinha
especial do seu agrado.
Conheça a
cidade de Apuí
Por Cláudio C. Maretti
25.06.2006 - Foi na cidade de Apuí
que se instalou a sede da gestão do
Mosaico de Unidades de Conservação
de Apuí, sob responsabilidade da Secretaria
de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentado
do Estado do Amazonas, em parceria com a Secretaria
de Meio Ambiente do Município de Apuí
e apoio do WWF-Brasil. Retornaremos para cá
no dia 30 para uma reunião com o Conselho
Municipal de Desenvolvimento Sustentável
e Meio Ambiente e para o encerramento da Expedição
Juruena-Apuí.
Apuí é a cidade mais no sudeste
do Amazonas. Há basicamente dois tipos
de cidades no interior do Amazonas. As mais
tradicionais se estabeleceram às margens
dos rios principais, representando estágios
dos ciclos econômicos regionais, algumas
dos primeiros contatos dos portugueses, outras
vinculadas às épocas da borracha,
várias voltadas à pesca. Certamente
os recursos naturais tiveram alguma influência,
mas o fator determinante foi o acesso pelos
rios - sem desconsiderar que o meio e o espaço
também podem ser uma forma de recurso
natural. Essas cidades, com freqüência,
têm ligação mais importante
com os rios, com portos, atividades pesqueiras,
etc.
Um outro tipo de cidade
é aquele, felizmente ainda muito mais
restrito, ligado às estradas. Produto
de ciclos ditos 'econômicos' quando
já dominava a lógica rodoviária
neste país, com destaque para os anos
de ditadura e suas mirabolantes teorias e
estratégias de ocupação.
Eles tinham o lema "integrar (no Brasil)
para não entregar (a Amazônia)",
quando na verdade abriam estradas, procuravam
estabelecer alguma infra-estrutura e oferecer
o país e a Amazônia em particular
à ocupação, compra ou
exploração por potências
estrangeiras, direta ou indiretamente. Essas
cidades foram tomadas por migrantes, na sua
maioria vindos do sul ou do centro-sul do
país, trazidos pelos governos ou simples
aventureiros, alguns até de vida particular
heróica, outros bandidos que mereceriam
mas nem sempre tiveram cadeia.
Apuí é uma
dessas cidades nascidas a partir das estradas
produzidas com a perspectiva integracionista
ditatorial. Ela, na verdade, se iniciou como
assentamento de reforma agrária, próximo
ao rio Juma. Um pequeno comércio se
estabelece e cresce, sobretudo potencializado
pela rodovia Transamazônica. Esta sim,
mesmo com dificuldades de implantação
total até hoje, e condições
de circulação nas quais não
se pode confiar -inclusive atualmente - foi
a principal responsável por Apuí
existir como cidade. Cidade que hoje deve
contar com cerca de 20 mil habitantes. A ocupação
'moderna' se iniciou na década de 1970
e foi emancipada como município em
meados da década de 1980.
Sua produção
principal é a pecuária. Geralmente
o comércio principal se faz com Porto
Velho, tanto para compra como para venda.
São cerca de 600 Km que podem ser vencidos
num dia bem cheio e longo, e no 'verão'
(época seca), pois no 'inverno' dependerá
muito das chuvas e das condições
da estrada, além do próprio
veículo utilizado, podendo levar de
2 ou 3 até 6 dias ou até mais.
Atualmente, entretanto,
com as funções administrativas
aumentando, a relação com Manaus
vem ganhando espaço. Há mesmo
neste momento mais interesse em 'exportar'
o gado para Manaus, de modo a não se
misturar com aquelas áreas contaminadas
pela brucelose e perder preço. Para
Manaus, no entanto, são cerca de 250
Km até Nova Aripuanã, com aproximadamente
as mesmas condições ou dificuldades
de trajeto. De lá, cerca de três
dias de barco até a capital do Amazonas.
Nesta região, ainda
que menos que no Pará, Rondônia
e outras regiões vizinhas, o conflito
é muito presente. Além das levas
iniciais de migrantes outros vieram depois
com ainda mais ganância e freqüentemente
são portadores de conflito, não
raro roubando terras. Apropriam-se de terras
públicas, federais ou estaduais, expulsam
comunidades locais, colonos ou posseiros,
pela ameaça ou pela violência
física. A resistência pode resultar
em perda de pertences, ferimento ou morte.
Normalmente o desmatamento
serve a esses objetivos. Há com freqüência
um acúmulo de crimes ambientais, ecológicos,
fiscais e outros. É a economia do mercado
ilegal (ou 'negro') da terra que muitas vezes
viabiliza todo o processo degradador, impulsionado
pela soja, pelo gado ou outra atividade similar,
proporcionado pelos acessos legais ou não,
o ciclo de retirada de madeira, desmatamento
e ocupação. Esse comércio
ilegal é realizado por uma 'banda podre'
da sociedade - uma 'banda podre' do empresariado
rural, viabilizada por uma 'banda podre' do
empresariado, pela parte corrupta dos servidores
públicos e, em última análise,
pelo consumidor descuidado ou desavisado.
Afinal, o gado ou a madeira produzidos ilegal
e predatoriamente aqui acabam na mesa ou no
assoalho de alguém em São Paulo,
Rio de Janeiro, Porto Alegre, Belo Horizonte,
Salvador ou Brasília.
Apuí mostra várias
faces: uma mais rural, outra mais urbana;
uma mais de 'desbravadores', outra dos que
'se deram melhor'; uma mais arcaica, outra
mais "moderna" (só mesmo
com aspas!).
Neste EXATO momento os últimos colegas
estão sendo levados de helicóptero
para a floresta, dentro do Mosaico de Apuí!
Tenho que correr senão fico para trás...
Garimpeiros surpresos
com criação do parque
Por Ana Cíntia Guazzelli
24.06.2006 - Os moradores da Comunidade da
Barra de São Miguel, localizada na
confluência dos rios Juruena e Teles
Pires, onde inicia o rio Tapajós, demonstraram
surpresa com a notícia da criação
do Parque Nacional Juruena, revelada durante
nossa visita hoje pela manhã àquela
localidade. Com uma cópia do Diário
Oficial da União, de 23 de dezembro
de 2005, em mãos, eles garantiram que
antes da assinatura do decreto da criação
do parque nacional, o então Superintendente
do Incra do Amazonas, João Pedro Gonçalves
da Costa, havia criado o Projeto Agroextrativista
– PAE São Benedito, através
da portaria no. 47.
Conforme a publicação,
o assentamento estaria localizado nos municípios
de Apuí e Maués, no estado do
Amazonas, com área total de 627.822,6154
hectares e atenderia 80 famílias agroextrativistas
daquela região. “Então este
parque pegou toda a área que a gente
já tinha conquistado”, lamentou o presidente
da comunidade, Luiz Carlos de Albuquerque
Mendes.
Atualmente, 45 famílias
moram na Comunidade da Barra de São
Miguel. A principal atividade econômica
do local é o garimpo de rio. Todos
ilegais, eles sabem. “A gente quer trabalhar
na legalidade, mas falta informação”,
afirmou.
Luiz Carlos nasceu na comunidade.
Seu pai, também. Os avós chegaram
há aproximadamente 70 anos. Antes,
trabalhavam com seringa. Depois, viraram garimpeiros
“por força da circunstância e
pela falta de melhor opção”,
disse Luiz. Hoje, buscam novas alternativas
de renda e uma área de floresta para
ser explorada.
Por isso, da surpresa e
desânimo com a criação
do parque nacional. Eles sabem que nesta categoria
de unidade de conservação não
é permitida a presença de moradores,
nem a exploração dos recursos
naturais. “Então, como a gente vai
ficar? Não vamos mais poder fazer nada”,
disse Simar do Rosário Correa, morador.
No dia 30 de junho, uma
comissão de moradores da comunidade
deve ir até Apuí, quando acontecerá
uma reunião de alguns integrantes da
Expedição Juruena-Apuí
com o poder público local. Na mesma
ocasião, eles pretendem conversar com
o Secretário Municipal do Meio Ambiente
de Apuí, Domingos Serra, sobre a situação.
Deslocamentos
Hoje foi dia de deslocamentos
e hoje também que iniciamos a terceira
fase da expedição: a do rio
Sucunduri, no Mosaico do Apuí.
Pela manhã, eu, o
Marcos Pinheiro e o Lúcio, cinegrafista,
viajamos seis horas de voadeira para conversarmos
com os garimpeiros da Barra. Na volta, fomos
resgatados pelo helicóptero do Ibama,
que já tinha deslocado toda a equipe
que estava no rio Juruena, no Mato Grosso,
até o rio Sucunduri, no Amazonas.
Zig Koch e Robson Maia,
fotógrafo e cinegrafista, já
estão conosco novamente. Eles se deslocaram
de avião até a pousada Jurumé,
no rio Juruena e de helicóptero o restante
do trajeto até o rio Sucunduri. Eles
estavam com Cláudio Maretti e Francisco
Livino, do Ibama, acompanhando a Vox TV, da
Alemanha. Zig não nos acompanhou até
a comunidade. Por isso e infelizmente, não
temos muitas fotos do local. A Marisete Catapan,
do Programa de Áreas Protegidas e Apoio
ao Arpa do WWF-Brasil, se integrou à
equipe.
Hoje deixamos a bacia do rio Tapajós
e entramos na bacia do rio Madeira. Do alto,
é nítida a visão de uma
serra que cruzamos. Ela, segundo Marcos Pinheiro,
pode ser uma barreira geográfica natural
para algumas espécies. Isso significa
que “esperamos aqui no rio Sucunduri encontrar
animais e plantas diferentes das até
agora encontrados pelos pesquisadores da expedição”,
garantiu.
Todos em Apuí:
mudança de planos
Por Cláudio C. Maretti
24.06.2006 - Ontem visitamos a aldeia Cururuzinho,
dos kayabis, que fica situada à margem
direita do rio Teles Pires, e portanto no
Pará, na fronteira com Mato Grosso,
mas dentro da Terra Indígena Kayabi,
com 1.053 mil hectares. Depois da visita a
essa aldeia, voamos para Apuí.
A vinda de todos a Apuí
não estava nos nossos planos, mas foi
necessário para conseguirmos reorganizar
a logística da expedição.
A idéia inicial era que Francisco Livino,
representante da Coordenação
do Bioma Amazônia, no Ibama, Zig Koch,
fotógrafo da expedição,
Robson Maia, cinegrafista da expedição,
e Wolfgang Kunath, jornalista ‘free-lancer’
alemão, e eu, Cláudio C. Maretti,
coordenador do Programa de Áreas Protegidas
e Apoio ao Arpa do WWF-Brasil, nos encontrássemos
a equipe da VoxTV, da Alemanha, e Michael
Evers, coordenador do Programa de Florestas
do WWF-Alemanha, na aldeia Cururuzinho. Isso
de fato ocorreu, mas com quatro horas de atraso.
Por causa desse atraso, não pudemos
voar para Jurumé e tivemos que reorganizar
nossos planos. Como a logística desta
expedição é muito complicada,
sobretudo porque somos na verdade multi-expedições
em uma, é muito comum que tenhamos
que nos adaptar a condições
novas a cada momento.
Eram 8h30 quando chegamos
à pista de pouso em Jurumé,
onde moram alguns índios apiakás
que nos receberam para assistir o jogo Brasil
x Japão. Francisco, Zig, Robson, Wolfgang
e eu ficamos esperando lá até
cerca de meio dia pelo sinal do avião
que viria nos buscar. Para sabermos que era
o nosso monomotor, ele deveria dar voltas
sobre nosso acampamento. É comum que
aviões desse porte pousem nas pistas,
por isso combinamos a identificação.
Enquanto estávamos esperando, um outro
avião pousou e decolou da mesma pista.
Mais tarde ficamos sabendo o motivo do atraso.
Para fazer imagens aéreas, a equipe
da VoxTV pediu para sobrevoar a região
do Cristalino Jungle Lodge, o Parque Estadual
Cristalino e as reservas particulares de proteção
da natureza (RPPNs) ao redor. Isso foi muito
bom porque para nós é importante
divulgar as unidades de conservação
e sua importância, mas isso atrasou
todo o dia.
Eles nos contaram que a estadia de alguns
dias no Cristalino Jungle Lodge foi muito
produtiva. Conseguiram filmar a floresta,
os rios e vários animais, entre eles
anta Tapirus terrestris, alguns macacos –
como bugio-vermelho Alouatta seniculus, macaco-aranha-de-cara-branca
Ateles belzebuth, Cuxiú-de-nariz-branco
Chiropotes albinasus –, bicho-preguiça
Bradypus variegatus, jacarés, além
de muitas aves, como maracanã-guaçu
Ara severa, arara-piranga-vermelha-pequena
Ara macao, arara vermelha grande Ara chloroptera
e três das cinco espécies de
martins-pescadores, inclusive o martim-pescador-pequeno
Chloroceryle americana.
Mudança de
planos
Ao sairmos do acampamento Jurumé, por
volta de meio dia, seguimos de avião
para a aldeia Cururuzinho, onde conversamos
um pouco e visitamos a aldeia no início
da tarde. Por volta das 15h20, dei o alerta
geral de que deveríamos partir ou ficaríamos
sem condições de vôo com
o pequeno monomotor pousando pelas pistas
sem infra-estrutura, apenas de chão
batido. Infelizmente, ainda tínhamos
que filmar a saída da aldeia, caminhadas,
despedidas, subida no barco e saída
rio acima para a outra pista de pouso. Com
isso, chegamos na pista às 16h15. O
horário limite para voltarmos para
Jurumé era 15h30. Para irmos direto
para Apuí, já estávamos
quinze minutos depois do horário limite.
Com alguma relutância, resolvemos sair
mesmo assim, mas diretamente para Apuí,
sem poder tardar mais nada. Chegamos à
pista de pouso de Apuí com o sol baixando
o horizonte.
Com isso, Robson e Zig vieram conosco, quando
deveriam ter ficado em Jurumé. O mesmo
ocorreu com Michael, que tinha já enviado
suas bagagens para Jurumé com Marisete
Catapan, da equipe do Programa de Áreas
Protegidas e Apoio ao Arpa do WWF-Brasil.
Outra dificuldade foi cabermos
no único hotel da cidade com condições
para nos receber. Além dos mal-entendidos,
pelo uso do ‘telefone-sem-fio’ necessário
para passar mensagens nesses lugares ermos,
com reservas de quartos a menos, chegamos
com pessoas a mais. No final, depois de muita
gentileza e compreensão de todas as
partes, conseguimos acomodar todos. Claro
que com muitos de nós estamos dividindo
quartos com três pessoas, colocando
colchões no chão, tanto brasileiros
quanto europeus.
Zig e Robson retornaram hoje pela manhã
bem cedo para Jurumé, e a partir daí,
junto com Marcos R. Pinheiro, Gustavo Irgang
e companhia, seguirão para Terra Preta,
ao longo do rio Sucunduri, no Parque Estadual
Sucunduri, no Mosaico de Unidades de Conservação
de Apuí, do Amazonas.
Equipe alemã
Claro que a equipe da VoxTV queria seguir
ainda hoje, principalmente porque o apresentador,
Dirk, chegou nesta manhã. No entanto,
até ontem, a equipe da Secretaria Estadual
de Desenvolvimento Sustentável do Amazonas
(SDS-AM), com participação de
pesquisadores do Inpa e da Ufam, ainda estava
sendo transportada para os acampamentos no
Parque Estadual Sucunduri. O coordenador da
SDS-AM só partir esta manhã.
E, durante todo o dia, suponho que o helicóptero
tenha transferido os colegas das margens do
rio Juruena, no Parque Nacional, Juruena,
para as margens do rio Sucunduri, no Mosaico
de Unidades de Conservação de
Apuí.
Amanhã, logo cedo, a equipe da VoxTV
deve partir para o rio Sucunduri. Michael,
do WWF-Alemanha, deve ir com eles. Talvez
sejam necessárias apenas duas viagens
de helicóptero entre Apuí e
Terra Preta para levar toda a equipe e a carga
indispensável. Algumas coisas terão
de ser deixadas em Apuí por causa do
excesso de bagagem. Para o final ficaremos
Francisco e eu, aguardando a oportunidade
de conseguir ir ainda amanhã para o
campo novamente.
Preciso fazer uma pausa neste relato para
agradecer a todos, mais uma vez, e em nome
do Marcos R. Pinheiro, coordenador geral desta
multi-expedição, e dos vários
coordenadores de grupos menores e específicos
pela compreensão das dificuldades logísticas
desta multi-expedição por lugares
tão difíceis, porém tão
importantes!
De olho na Copa
No final, por um lado foi vantagem para os
colegas alemães ficarem em Apuí,
pois conseguiram assistir à partida
entre Alemanha e Suécia e ficaram muito
felizes com o resultado. Parece que agora
os alemães estão cada vez mais
confiantes com a sua seleção!
Problemas para nós no futuro? Afinal,
quem conhece os bastidores do futebol, sabe...
(infelizmente). Pois eles jogam em casa. Entretanto,
parece que terão que enfrentar a Argentina
pela frente. Bom para quem?
Enquanto os brasileiros da equipe assistem
aos jogos na floresta, à beira do rio
Juruena, ou em moradia dos índios apiacás,
os alemães, por sua vez, assistem nas
cidades da região. Há também
um inglês, cinegrafista, na equipe.
O que acham?