Salvador, 28 de junho de
2006 — Seis senadores dos estados da Bahia
e do Espírito Santo querem anular,
por meio de um Projeto de Decreto Legislativo,
a recém-criada portaria n° 39/2006
do Ibama que estabelece a Zona de Amortecimento
(ZA) do Parque Nacional Marinho (Parnam) dos
Abrolhos. O autor do Projeto, senador João
Batista Motta (PSDB/ES), é sócio
do empreendimento de carcinicultura proposto
para a região, que terá que
ser avaliado pelo Ibama devido à criação
da ZA. Publicada há pouco mais de um
mês (em 18 de maio), a medida da ZA
foi comemorada por ambientalistas e pesquisadores
preocupados com a conservação
da biodiversidade marinha na região,
internacionalmente reconhecida como um santuário
ecológico no Atlântico Sul. A
portaria prevê restrições
a atividades que tragam impactos ao meio ambiente
no entorno do Parque, com o objetivo de reforçar
a proteção dos recursos naturais
dos Abrolhos e das populações
costeiras que dependem destes recursos.
Segundo a lei n° 9.985/00,
que instituiu o Sistema Nacional de Unidades
de Conservação (SNUC), a Zona
de Amortecimento abrange “o entorno de uma
unidade de conservação, onde
as atividades humanas estão sujeitas
a normas e restrições específicas,
com o propósito de minimizar os impactos
negativos sobre a unidade”. A ZA do Parnam
dos Abrolhos inclui recifes de corais, bancos
de algas e manguezais da região conhecida
por abrigar a maior biodiversidade marinha
de todo o Atlântico Sul. “A região
possui características ambientais únicas
em todo o mundo. É um patrimônio
da sociedade brasileira e precisa ser tratada
com muito cuidado. A Zona de Amortecimento
do Parque dos Abrolhos representa um grande
avanço do Governo Brasileiro e não
pode ser ameaçada por interesses econômicos
imediatistas”, afirma Guilherme Dutra, diretor
do Programa Marinho da CI-Brasil.
Com cerca de 70.000 km2
na costa sul da Bahia, a região dos
Abrolhos compreende um mosaico de ambientes
marinhos e costeiros, margeados por remanescentes
de Mata Atlântica, incluindo recifes
de coral, fundos de algas, manguezais, praias
e restingas. A área abriga várias
espécies endêmicas (que só
ocorrem ali), incluindo o coral-cérebro,
crustáceos e moluscos, além
de tartarugas e mamíferos marinhos
ameaçados de extinção,
como as baleias-jubarte. A ZA é também
um instrumento para a proteção
das comunidades costeiras da região.
Estas populações baseiam sua
economia no extrativismo, na pesca artesanal
e no turismo, atividades que dependem diretamente
do bom estado dos recursos naturais.
O Projeto de Decreto Legislativo
- Proposto por seis senadores da República
- João Batista Motta (PSDB/ES), Antônio
Carlos Magalhães (PFL/BA), César
Borges (PFL/BA), Magno Malta (PL/ES), Rodolpho
Tourinho (PFL/BA) e Marcos Guerra (PSDB/ES)
- o projeto de Decreto Legislativo foi publicado
em 31/05 no Diário do Senado Federal,
aprovado na última semana pela Comissão
de Constituição, Justiça
e Cidadania (CCJ) e agora aguarda para ser
votado no Senado.
O autor do Projeto, Senador
João Batista Motta, é acusado
de agir em interesse próprio. Motta
e sua família são sócios
do polêmico empreendimento de carcinicultura
(criação de camarões)
que está sendo proposto para Caravelas
(BA), em região situada no entorno
do Parque dos Abrolhos. Com a criação
da Zona de Amortecimento, empreendimentos
de risco para o meio ambiente, como as fazendas
de camarões, além de obter as
licenças ambientais, têm que
passar por uma cuidadosa avaliação
do Ibama para serem autorizados. Segundo nota
da Assessoria de Comunicação
do deputado Zilton Rocha (PTBA), “o projeto
do Motta fere frontalmente os princípios
de impessoalidade, moralidade e legalidade
do Artigo 37 da Constituição
Federal, coloca o seu mandato a serviço
de si mesmo e da própria família
e expõe gravemente o Senado da República”.
Na justificativa do Projeto
afirma-se que a extensão da ZA é
exagerada, possuindo 250 km de raio. “O raio
da ZA não é de 250 km. Ela chega
a 250 km apenas em seu trecho mais extenso.
Além disso, o documento faz uma confusão
entre área de entorno e ZA. A área
de entorno de 10 km é fruto da resolução
CONAMA 13/90. A Zona de Amortecimento surgiu
em 2000 com o SNUC e sua dimensão é
definida por estudos técnicos que levam
em consideração as particularidades
de cada unidade de conservação”
afirma Marcello Lourenço, chefe do
Parnam dos Abrolhos. A distinção
entre Área de Entorno e Zona de Amortecimento
integra o parecer jurídico do processo
da ZA do Parnam Abrolhos.
Para Paulo Beckenkamp da
ONG Ecomar, a dimensão estabelecida
para a Zona de Amortecimento é adequada
às características da região,
uma vez que, em ambientes marinhos, a área
de influência e dispersão das
atividades poluentes é muito maior
que em ambientes terrestres. “No mar, a água
e as correntes possuem um efeito dispersor
extraordinário, justificando a criação
de Zonas de Amortecimento muito mais extensas
do que no continente. A interdependência
entre manguezais e recifes de coral, ou a
migração de espécies
são exemplos que reforçam a
necessidade da dimensão estabelecida",
explica.
Segundo Eduardo Camargo,
do Instituto Baleia Jubarte a justificativa
do documento contém outras informações
equivocadas. Como exemplo, cita a afirmação
contida no texto do Decreto de que as ZAs
não fazem parte do domínio público,
apenas privado: “99,9% da ZA dos Abrolhos
é de domínio público,
representada por água e terrenos de
marinha. Ou seja, o Governo Federal está
normatizando o uso de uma área que
em sua imensa maioria lhe pertence”. Camargo
aponta como outro equívoco a alegação
de que não houve consulta à
sociedade civil, estados e municípios:
"a Zona de Amortecimento do Parque dos
Abrolhos foi amplamente discutida nos anos
de 2004 e 2005 e aprovada por unanimidade
pelo Conselho Consultivo do Parque, que conta
com a participação de representantes
dos governos federal, estadual e municipal,
das ONGs, setor pesqueiro e do turismo".
No texto do Decreto afirma-se
ainda que a zona de amortecimento trará
limitações administrativas à
ação de municípios e
proprietários de imóveis e que
a limitação da exploração
de petróleo causará prejuízos
econômicos e sociais. Marcello Lourenço
esclarece que estes argumentos não
estão corretos, pois “a zona de amortecimento
do Parque de Abrolhos é um instrumento
de ordenamento e não uma nova unidade
de conservação. A única
limitação diz respeito à
exploração de hidrocarbonetos
em parte da área, o que significa muito
pouco, sobretudo quando o país anuncia
a auto-suficiência em petróleo”.
Em relação às demais
atividades, prevê-se apenas um maior
cuidado por parte do Ibama, que deve evitar
projetos que possam trazer impactos para o
Parque. Para o chefe do Parnam, “o ato do
IBAMA sinaliza para o mundo que o desenvolvimento
aqui não se faz a qualquer custo, pelo
contrário, os riscos ambientais são
estudados e evitados, colocando-se em prática
o princípio da precaução
estabelecido desde a Agenda 21 e preceito
fundamental do Direito Ambiental”.
Histórico: ameaças
e estudos – A criação da Zona
de Amortecimento é resultado de ações
da sociedade civil organizada, que há
mais de três anos vem se mobilizando
para a compatibilização de políticas
públicas no entorno do Parnam dos Abrolhos.
Em 2002, na “Quinta Rodada de Licitações
Internacionais para a Exploração
de Petróleo e Gás no Brasil”,
a Agência Nacional de Petróleo
(ANP) anunciou para leilão 243 blocos
localizados sobre áreas de recifes
de corais, bancos de algas, bancos de gramíneas
e manguezais na região. Em resposta,
ambientalistas de várias organizações
produziram o estudo “Avaliação
de Impactos da Exploração e
Produção de Hidrocarbonetos
no Banco dos Abrolhos e Adjacências”,
que integra a 2ª edição
da revista científica – Megadiversidade
–, disponível no link:
http://www.conservacao.org/publicacoes/Megadiversidade_abrolhos.pdf.
Os pesquisadores envolvidos
no estudo constataram que os derramamentos
de óleo não são a única
fonte de riscos da exploração
de petróleo e gás natural em
ambientes marinhos. Segundo o estudo, as atividades
de sísmica - etapa inicial da pesquisa
de jazidas de petróleo e gás
natural – são realizadas com a emissão
de pulsos de sons de cerca de 180 decibéis
a cada 6 segundos, por canhões de ar
comprimido, com o objetivo de mapear o subsolo
marinho. Este processo afeta os organismos
marinhos, gerando mudanças físicas,
sensoriais e comportamentais. As fases seguintes
de perfuração, produção,
escoamento e desativação também
podem desencadear impactos agudos e crônicos
sobre a fauna e flora marinha porque resultam
no descarte de fluidos de perfuração
e cascalhos saturados de diferentes substâncias,
incluindo compostos tóxicos e metais
pesados. Além disso, ocorrem descartes
de água de produção e
substâncias tóxicas utilizadas
na manutenção dos dutos de escoamento,
bem como emissões atmosféricas
decorrentes do processo industrial.
Mais recentemente, em 2005,
foi produzido um segundo relatório
técnico com o objetivo de subsidiar
a definição da Zona de Amortecimento
do Parque dos Abrolhos. O estudo avaliou possíveis
cenários de derramamento de óleo,
utilizando uma tecnologia que simula o espalhamento
de óleo devido ao efeito dos ventos,
correntes e processos dispersivos a eles associados.
“Este estudo reúne o melhor conhecimento
disponível sobre a região dos
Abrolhos, considerando cenários prováveis
em caso de derramamentos. Os limites da ZA
têm por objetivo evitar acidentes de
derramamento que possam atingir o parque e
os recifes e manguezais dos quais a vida na
região depende. No futuro, à
medida que novas informações
forem geradas e que os riscos da atividade
de exploração e produção
de petróleo forem reduzidos, será
possível refinar o estudo, e redimensionar
a ZA”, afirma Guilherme Dutra.
Além dos cenários
de derramamento de óleo resultantes
das simulações, o Ibama considerou
para a proposição dos limites
da zona de amortecimento aspectos como a conectividade
biológica entre os ecossistemas, como
manguezais e recifes de coral, e características
sócio-econômicas da região
dos Abrolhos, como a dinâmica da pesca
e o turismo. Essas informações
também fundamentaram os níveis
de restrição específicos
para as atividades de exploração
e produção de petróleo
e gás natural no entorno do Parque
Marinho dos Abrolhos.
Impactos para comunidades
costeiras – Os estudos realizados indicam
que a produção e exploração
de petróleo e gás natural podem
trazer riscos à subsistência
de muitas famílias da região,
que dependem da pesca para sobreviver. Áreas
marinhas protegidas desempenham importante
papel para a pesca realizada em suas adjacências,
funcionando como sítios de reprodução
de peixes de valor comercial. Esta situação
é observada no Banco dos Abrolhos,
popularmente considerado como uma área
produtiva e de perspectivas positivas para
o desenvolvimento das capturas comerciais.
O turismo é
também uma atividade significativa
para a economia no Sul da Bahia. O Parque
Nacional dos Abrolhos é visitado anualmente
por cerca de 10.000 turistas. Segundo dados
do Programa de Desenvolvimento do Turismo
no Nordeste (PRODETUR NE), mais de 90% dos
turistas que freqüentam o Sul da Bahia
estão em busca de atrativos naturais.
Ambientalistas alertam que a alteração
da paisagem natural pela instalação
de estruturas da indústria do petróleo
e gás, ou um cenário crítico
ocasionado por um incidente de derramamento
de óleo, podem descaracterizar o principal
objeto motivador do fluxo turístico
na região, trazendo grandes impactos
econômicos e sociais.