05-07-2006
– Genebra - O Brasil corre risco de se tornar
a lixeira de pneus usados dos países
desenvolvidos, caso a Organização
Mundial do Comércio (OMC) reconheça
a demanda submetida pela União Européia
contra a decisão brasileira de restrição
à importação de pneus
reformados. Dado que o Órgão
de Solução de Controvérsias
da OMC está discutindo o caso esta
semana, uma coalizão de ONGS, entre
elas Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos
Sociais para o Meio Ambiente e Desenvolvimento
(Fboms), Rede Brasileira de Justiça
Ambiental (RBJA), Conectas Direitos Humanos,
Greenpeace Brasil e WWF Brasil, pedem que
a União Européia reveja sua
posição e retire sua demanda
na OMC.
Embora continue a importar
pneus novos, desde 1991 o Brasil proibiu a
importação de pneus usados e
reformados a fim de evitar geração
de passivos adicionais e acumulação,
por poderem representar um perigo à
saúde pública e causar severos
ônus ambientais para a geração
presente e futura. Como reação
a esta decisão brasileira, a União
Européia, que exportou 39.478 toneladas
de pneus reformados e 138.206 de pneus usados
em 2005, decidiu levar o caso à OMC.
A coalizão de ONGs
acredita que dependendo de sua condução,
este caso pode significar o enfraquecimento
dos acordos ambientais multilaterais, tais
como a Convenção da Basiléia
sobre o Controle de Movimentos Transfronteiriços
de Resíduos Perigosos e seu Depósito
e a Convenção de Estocolmo sobre
Poluentes Orgânicos Persistentes (POPs)
vis-à-vis as regras da OMC.
“Isto representa um tremendo
contraste com a postura pública da
UE em comércio e meio ambiente. Ao
levar este caso à OMC, a UE está
sinalizando ao resto do mundo que sua defesa
do meio ambiente na OMC é algo oportunista
e secundário em relação
aos seus interesses comerciais”, afirma Juliana
Malerba da Rede Brasileira de Justiça
Ambiental.
Enquanto o Brasil ativamente
reforma os pneus que consome internamente,
os países da UE reformam pouquíssimos
pneus usados (a Itália reforma 14%,
a Alemanha 11% e Áustria, Hungria,
República Tcheca e Eslováquia
não realizam nenhum tipo de reforma)
A destinação
de pneus usados representa um sério
perigo à saúde pública,
já que quando estocados, oferecem condições
perfeitas para a reprodução
do mosquito que transmite a dengue, além
de significar riscos de disseminação
da febre amarela, malária e outros
problemas relacionados. A incineração,
outra forma de destinação, aumenta
os riscos à saúde ao contribuir
para o desenvolvimento de doenças como
o câncer, lesões cerebrais, anemia,
disfunções endócrinas,
asma e diabetes.
“A OMC deve levar em conta
as obrigações de direitos humanos
assumidas por seus membros. Neste caso, trata-se
da obrigação do Brasil de garantir
o livre e pleno exercício do direito
à saúde”, diz Juana Kweitel
da Conectas Direitos Humanos.
Ao reformar pneus (substituindo
a banda de rodagem gasta por uma nova), o
Brasil reduz o número de pneus novos
que seriam necessários e de carcaças
a serem descartadas. Diferentemente dos novos,
os pneus reformados de carros de passeio -
aproximadamente toda a exportação
que sai da UE – não podem ser reformados
novamente e necessitam ser coletados e descartados
após um único uso.
“A UE deveria dar um exemplo
ao mundo em responsabilidade ambiental e de
saúde ao lidar com seu próprio
passivo. Despachar os pneus para o Brasil
ou para qualquer país em desenvolvimento
é uma prática de dumping disfarçada
de reciclagem. Nós já temos
problemas suficientes com o nosso passivo
e não há justificativa para
a UE contribuir para nossa crise de destinação
dos pneus usados”, enfatiza Marcelo Furtado
do Greenpeace Brasil.
Por outro lado, como a UE
aprovou a legislação (Landfill
Directive – 1993/31/EC) que proíbe
o estoque e o descarte de pneus usados em
aterros após julho de 2006, mais de
80 milhões de pneus que eram jogados
por ano em aterros carecem agora de nova destinação.
Está claro que a UE considera a exportação
de pneus reformados uma solução
para evitar o descarte e tratamento dentro
de suas fronteiras.
“A UE não está
considerando este caso sob a perspectiva de
proteção ambiental e da saúde,
embora clame pela defesa destes valores na
OMC”, acrescenta Temístocles Marcelos,
coordenador do Fórum Brasileiro de
ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente
e Desenvolvimento (Fboms).
“O Brasil não deveria
ser forçado a aceitar algo que causará
mais riscos ambientais e de saúde ao
País”, completa Clarisse Castro, da
Secretaria da Rede Brasileira pela Integração
dos Povos (Rebrip).
Representantes do Fórum
Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para
o Meio Ambiente e Desenvolvimento (Fboms)
estão presentes em frente ao prédio
da OMC em Genebra durante as reuniões
do painel de 5 a 7 de julho e entregarão
à organização uma declaração
assinada por mais de 80 ONGs de 23 países.