21/07/2006
- Em artigo, André Fernando Baniwa,
liderança indígena da etnia
Baniwa, no Alto Rio Negro, critica a forma
como o governo federal conduz o sistema de
saúde indígena no Brasil. Afirma
que os avanços obtidos a partir da
reforma de 1999 estão sendo abandonados
e que o controle social sobre os recursos
destinados ao atendimento das aldeias vem
sendo prejudicado. Atual vice-diretor presidente
da Federação das Organizações
Indígenas do Rio Negro (Foirn) e presidente
do conselho distrital de saúde indígena
do Rio Negro, André defende a autonomia
dos Distritos Sanitários Especiais
Indígenas para que a atual crise seja
superada.
O objetivo fundamental quando
o governo criou os Distritos Sanitários
Especiais Indígenas (Dseis), em 1999,
foi o de reestruturar a saúde indígena.
A mudança demonstrava que, antes, o
atendimento da saúde indígena
não estava sendo oferecido de forma
eficiente e satisfatória para as comunidades.
Na verdade, o atendimento nunca havia chegado
às comunidades indígenas, mesmo
quando o Serviço de Proteção
ao Índio (SPI) e, depois, a Fundação
Nacional do Índio (Funai), cuidavam
da área. A situação não
se alterou mesmo na época do governo
Collor, quando houve a transferência
do sistema para Fundação Nacional
de Saúde (Funasa). Naquela época,
houve um período de gestão mista
do sistema, com a Funai cuidando das ações
curativas e a Funasa, das preventivas. Mesmo
assim os problemas persistiam e a situação
claramente mostrava que se precisava de um
novo modelo, adequado para a prestação
de serviço especial de saúde
nas comunidades e para os povos indígenas.
Esse modelo é o dos Distritos Sanitários
Especiais Indígenas. Infelizmente,
o modelo dos Dseis não foi implantado
na forma reivindicada pelos povos indígenas
do Brasil, que pediam a criação
de verdadeiras unidades administrativas autônomas,
que possibilitariam a gestão local
junto com as comunidades e sem muita burocracia
na administração dos recursos.
Mesmo assim, o modelo dos
Dseis tinha uma novidade aceitável:
o dinheiro passava a cair na conta direta
das entidades conveniadas e não passava
mais pela administração regional
da Funasa, onde ficava muito difícil
para as comunidades exercerem o controle social
sobre a aplicação dos recursos.
A implantação do novo sistema
de saúde indígena foi acompanhada
com muita expectativa pelas comunidades indígenas
que, pela primeira vez, passavam a ter participação
nos conselhos locais e distritais, onde se
discutiam problemas de saúde e se planejava
como resolvê-los. O que estava ocorrendo
era um princípio de terceirização
da saúde indígena, e que apresentava
resultados positivos em relação
ao panorama anterior. Ou seja, o governo deixava
de prestar serviço diretamente, passando
para as entidades não-governamentais
a responsabilidade de fazê-lo. Vale
lembrar que muitas entidades eram organizações
indígenas. Isso foi muito bom porque,
antes, o governo sempre repassava dinheiro
para a saúde indígena por meio
da administração regional da
Funasa e muitas vezes os recursos sumiam no
caminho, sem chegar à população
indígena. Com isso, o pessoal que finalmente
ia fazer atendimentos e vacinação
na área indígena nunca dispunha
dos recursos necessários para atender
a demanda de cada povo ou região.
Com esse novo modelo implantado
em 1999 esperava-se que ocorreria uma regulamentação
diferenciada do sistema de saúde indígena,
eficiente e próxima do conceito da
igualdade do Sistema Único de Saúde
(SUS), mas que levasse em conta a realidade
de cada povo, sua cultura, forma de organização
social e sua distribuição geográfica,
muitas vezes em locais distantes e de difícil
acesso. Ou seja, além de igualdade,
o sistema de saúde indígena
pedia também eqüidade.
Mas este avanço não
se consolidou. E isso de deve a falta de continuidade
e comprometimento das pessoas responsáveis
pela gestão do sistema. Por exemplo,
o modelo dos Dseis foi implantado a partir
do resultado da II Conferencia Nacional de
Saúde Indígena, realizada em
1993. O que deveria ter acontecido? Na III
Conferência Nacional de Saúde
Indígena, em 2001, que avaliou as ações
do Dseis no Brasil, foi recomendado que, para
melhorar e dar mais um passo positivo na saúde
indígena, seria necessário transformar
os distritos em Unidades Administrativas Autônomas,
com o controle social que já estava
organizado em todo Brasil. Mas isso não
aconteceu. O pior é que, em 2004, os
novos gestores fizeram o sistema retroceder,
voltando à velha política que
está travando e prejudicando o serviço
de saúde indígena.
Com muita burocracia e falta
de política efetiva o governo atual
- que parece que vai ganhar de novo - não
respeitou os direitos humanos nem os direitos
indígenas. Ao contrário, trabalhou
para piorar o sistema de saúde indígena.
Prejudicou o controle social criando o fórum
dos presidentes dos conselhos distritais de
saúde indígena, como se a saúde
indígena fosse apenas dos presidentes
dos conselhos. O certo era que se criasse,
por exemplo, o fórum distrital da saúde
indígena, bem mais aberto e com a participação
das entidades conveniadas e lideranças
indígenas em geral. Na IV Conferência
Nacional de Saúde Indígena,
realizada em 2006, a Funasa ainda jogou índios
contra índios, reproduzindo o velho
esquema de dominação.
O resultado é dos
piores: só este ano já aconteceram
mais de 30 paralisações no País,
invasão nas sedes na Funasa, mortes
de índios, entre outros problemas,
conforme notícias publicadas no site
do Instituto Socioambiental. Portanto a reestruturação
não continuou; aconteceu, sim, um retrocesso
na saúde indígena.
O movimento indígena
e suas instituições representativas
sempre foram alertados para que mantivessem
a mobilização em nível
nacional entorno de melhoria na saúde
indígena, mas isso não vem acontecendo
nesses últimos tempos. O movimento
indígena e suas instituições
precisam reagir para garantir a melhoria e
boa saúde das comunidades indígena
no Brasil. Essa melhoria, na minha opinião,
será garantida se for implantada a
idéia de transformar os Dseis em Unidades
Administrativas Autônomas, mudança
aprovada inclusive nas duas últimas
conferências nacionais de saúde
indígena no Brasil.
Por André Fernando
Baniwa, vice-diretor Presidente da Federação
das Organizações Indígenas
do Rio Negro (FOIRN) e presidente do conselho
distrital de saúde indígena
do Rio Negro (CONDISI).