21/07/2006
- Três estudantes Tuyuka do rio Inambu,
afluente do rio Papuri, fazem estágio
de um mês na Escola Tuyuka do rio Tiquié
A Escola Indígena
Tuyuka Utãpinopona, localizada no Alto
Rio Tiquié, TI Alto Rio Negro, em São
Gabriel da Cachoeira (AM) tem se destacado
por sua proposta específica de educação
e pela iniciativa pioneira de ensino médio
indígena na região. No 1º
semestre deste ano saiu à frente mais
uma vez ao proporcionar um estágio
de um mês, entre 1º e 30 de maio,
para três jovens Tuyuka do rio Inambu,
afluente do rio Papuri.
A idéia do estágio
surgiu durante o curso de Magistério
Indígena II, promovido pela Secretaria
Municipal de Educação de São
Gabriel da Cachoeira e pela Secretaria de
Educação do Estado do Amazonas,
no distrito de Taracuá, no rio Uaupés.
O coordenador da escola Tuyuka,Higino Pimentel
Tenório, foi um dos professores e em
suas aulas abordou de maneira dinâmica
a vida nas malocas, as pinturas corporais
e os instrumentos musicais. A partir daí,
os estudantes se interessaram em conhecer
e acompanhar o dia-a-dia da escola de seus
parentes do Tiquié. As negociações
e os preparativos para a viagem foram feitos
via radiofonia.
Encontro histórico
Dia (Maria Adelaide Borges
de Jesus), Yukuro (Narciso Dias de Souza),
e Kamo (Jenny Alexandra Rocha), vieram para
o Tiquié acompanhados de Buabi (Bibiano
Rocha Gutierrez). Os quatro são moradores
de Santa Cruz do Inambu, única comunidade
Tuyuka localizada no lado brasileiro do Inambu.
O rio Papuri foi uma área de ocupação
tradicional dos Tuyuka, a partir da qual,
há cerca de cento e cinqüenta
anos, partiram os sibs , como são chamados
os grupos de descendência patrilinear
nomeados e hierárquicos, que hoje habitam
o Tiquié. Os Beroa, que são
Sib Tuyuka de 1ª classe, permaneceram
lá e poucos contatos vinham tendo com
seus parentes do Tiquié.
A viagem até a sede
da Escola Utãpinopona Tuyuka, na comunidade
de Moõpoea, durou dois dias. Os estagiários
foram recebidos por Porõ (Guilherme
Tenório) e outros parentes. No dia
seguinte foram até a maloca (basawi)
e se apresentaram à comunidade. Buabi,
que os acompanhava, relatou que em sua comunidade
há poucos velhos sabedores - contam
apenas com um baya, o cantor ritual -, e os
jovens quase não se preocupam com as
questões dos antigos. Reforçou
a todos a importância de construir uma
educação escolar que valorize
os conhecimentos tradicionais, como a Escola
Tuyuka. Afirmou ainda que a escola estava
propiciando um encontro entre parentes há
muito afastados e que, pessoalmente, esta
viagem se constituiria numa oportunidade para
pesquisar a história do deslocamento
de seus parentes e os lugares que foram ocupando
ao longo dos séculos.
Em seguida, os estagiários
foram conhecer as salas de extensão
que ficam fora da escola. Foram primeiro à
comunidade de Yaiñiriya situada no
Igarapé Yai (Onça), 14 km abaixo
de Moõpoea, onde está a sala
de extensão Bua. Lá foram cinco
dias de participação nas atividades
diárias das turmas de 1º e 2º
ciclos, durante os quais puderam aprender
sobre metodologia de alfabetização
das crianças na língua e matemática
Tuyuka, modo de elaboração de
plano de aula no sentido de desdobrar o conteúdo
para um melhor ensino-aprendizado das crianças
e experiências de manejo agroflorestal
na roça da escola. Por fim, a comunidade
ofereceu aos visitantes uma festa de confraternização.
Depois foram para a comunidade
de Yoariwa (Cachoeira Comprida), 6 km acima
da sede, onde está localizada a Yukuro,
a outra sala de extensão. Com a turma
de 1º e 2º ciclos, estudaram matemática
tuyuka a partir da medição de
uma maloca em construção, tiraram
ramos de buriti para a construção
de uma maquete da maloca e participaram das
brincadeiras tradicionais - yukg kiti diokere
(brincadeira da árvore), omã
wedere (brincadeira de rã) e yaiga
(brincadeira da cigarra). Com os alunos e
professores do 3º ciclo se envolveram
nas pesquisas sobre manejo de tucum e arumã,
amplamente utilizados na confecção
de utensílios domésticos e artesanato.
Além disso, acompanharam as atividades
de limpeza de roça.
A última etapa do
estágio foi na comunidade Moõpoea,
onde participaram das atividades do 4º
ciclo, fazendo a revisão de fascículos
produzidos a partir das pesquisas de alunos
sobre história dos antepassados, trabalho
com conceitos matemáticos a partir
da análise da técnica de confecção
de vassouras, elaboração de
textos em Tuyuka e conversação
em português a partir de uma feirinha
montada na sala de aula. Durante estas atividades
foram orientados em relação
aos modos de pesquisar temas relevantes e
formas de avaliação dos alunos
no seu aprendizado. Com os alunos e professores
do ensino médio Tuyuka realizaram atividades
de reforma dos viveiros de peixe, limpeza
da roça, e pesquisas sobre benzimentos
da maloca e da primeira menstruação
da mulher . O estágio foi finalizado
com avaliação por parte dos
visitantes e da comunidade e grande festa
de encerramento na maloca.
Perspectivas
Ao fim do estágio,
Buabi, representante da comunidade de Santa
Cruz do Inambu, falou de sua satisfação
com as experiências que viu: "Estamos
aqui no meio de vocês parentes Tuyuka
e estou feliz ao ver suas atividades escolares,
o modo como trabalham o ensino-aprendizado
com as crianças e jovens Tuyuka. Dar
vida ao conhecimento é uma conquista
muito importante. É assim que queremos
começar a trabalhar a partir do ano
que vem". Em Santa Cruz do Inambu funciona
uma escola convencional seriada na qual atua
um professor de outra etnia, e o Tuyuka não
é adotado como língua de instrução.
A participação dos estagiários
no Magistério Indígena II e
a interlocução com a Escola
Tuyuka Utãpinopona foram os primeiros
passos para construir uma educação
escolar autônoma.
A política educacional
para educação escolar indígena
no Alto Rio Negro, onde existe grande diversidade
de povos indígenas, está se
tornando um exemplo positivo para as escolas
indígenas específicas e diferenciadas.
Porém, é importante que cada
grupo étnico discuta e tome decisões
sobre a formulação de um projeto
político-pedagógico (PPP) próprio
que atenda às demandas da comunidade
como garante a legislação.
A Escola Tuyuka Utãpinopona
vem conduzindo a sua política de educação
de acordo com o PPP construído pelas
comunidades envolvidas e tem seis anos de
experiência nas práticas didáticas
e pedagógicas. A experiência
que a escola adquiriu serve de inspiração
para novas iniciativas de implantação
da educação escolar indígena
no Rio Negro e em outras regiões.
Colaboraram na produção
desta notícia:
Alexandre Sarmento Rezende; Carlos Marques
Meira; Clarindo Marques Meira; Dario Azevedo
Rezende; Edson Moura Lima; Geraldino Pena
Tenório; Higino Barbosa Meira; Higino
Pimentel Tenório; João Bosco
Sarmento Rezende; João Fernandes Barbosa;
José Barbosa Lima; José Barreto
Ramos; Maria Leopoldina Teles Meira; Maria
da Glória Maia Gonçalves; Mateus
Campos Tenório; Melissa Oliveira