João
Pessoa (20/07/2006) - Autoridades científicas
reconhecem que a nova espécie de macaco-prego
encontrada na zona da mata pernambucana e
batizada de Cebus queirozi, é, na verdade,
uma espécie descrita há 232
anos pelo naturalista alemão Johann
Schreber, e chamada originalmente de Simia
flavia (macaco-dourado em latim). Na atualidade
o seu nome correto é Cebus flavius,
já que os macacos-prego pertencem ao
gênero Cebus.
A conclusão foi baseada
em recente trabalho científico de autoria
de Marcelo Marcelino, do Centro de Proteção
de Primatas Brasileiros (CPB/Ibama), e de
Alfredo Langguth, da Universidade Federal
da Paraíba, que há dois anos
estudam o quebra-cabeças em torno desta
espécie. O trabalho científico
foi publicado no Boletim do Museu Nacional
do Rio de Janeiro. “Trata-se de uma pesquisa
importante, séria, que resgata a história
científica brasileira, aumenta em uma
espécie o conhecimento da biodiversidade
e resolve um mistério taxonômico
secular”, avalia Anthony Rylands – vice-chefe
do grupo de especialistas em primatas da União
Internacional para Conservação
da Natureza (UICN) e diretor sênior
para o Programa de Espécies Ameaçadas
do Centro de Ciências Aplicadas à
Biodiversidade da Conservation Internacional,
em Washington (CABS/CI).
A espécie Cebus flavius
ocorre na Mata Atlântica do Nordeste
do Brasil, habitando remanescentes de floresta
nos estados do Rio Grande do Norte, Paraíba,
Pernambuco e Alagoas. São conhecidas
atualmente oito populações espalhadas
nestes estados. “Embora as informações
atuais sejam insuficientes para uma avaliação
séria sobre o grau de ameaça
da espécie, ela certamente deverá
fazer parte da lista das espécies brasileiras
ameaçadas”, avalia Marcos Fialho, pesquisador
do Centro de Proteção de Primatas
Brasileiros (CPB).
Órgão do Ibama
especializado na pesquisa e conservação
de primatas, o CPB está monitorando
a entrada de exemplares desta espécie
nos Centros de Triagem de Animais Silvestres
do Ibama em todo Nordeste, resgatados de cativeiros
ilegais. Até agora o Ibama mantém
sob sua guarda 14 exemplares, número
modesto para a quantidade de animais que ainda
devem ser recolhidos, segundo a expectativa
dos técnicos. Um programa para manutenção
de uma população cativa genética
e demograficamente viável, utilizando
os animais resgatados, já está
sendo montado.
O Centro de Conservação
de Fauna do Zoológico de São
Paulo será a primeira instituição
a integrar o programa, recebendo ainda este
mês o primeiro grupo de animais. Este
programa deverá ser apresentado e discutido
na reunião do Comitê Internacional
para Conservação e Manejo dos
Primatas do Norte da Mata Atlântica
e da Caatinga, prevista para 2007, quando
se espera o envolvimento de zoológicos
dos Estados Unidos e Europa no programa.
O gênero Cebus
O gênero Cebus, ao
qual pertencem todas as espécies de
macacos-prego, é um dos mais confusos
de serem estudados pelos cientistas. São
reconhecidas atualmente 11 espécies,
agora 12 com a redescoberta de Cebus flavius.
Com exceção de apenas uma espécie,
todas ocorrem no Brasil. A complexidade no
estudo taxonômico destes animais deve-se
à grande variação no
padrão de coloração da
pelagem que cada espécie apresenta.
No estudo que levou a redescoberta
de Cebus flavius, os pesquisadores examinaram
diversos exemplares de macacos-prego nas coleções
científicas do Museu Nacional do Rio
de Janeiro e do Museu da USP em São
Paulo, compararam com espécimes da
natureza e animais resgatados pelo Ibama de
cativeiros ilegais e, por fim, mergulharam
em 350 anos de literatura científica,
consultando mais 30 obras de autores do século
XVII ao século XXI.
José de Sousa Silva
Júnior, pesquisador do Museu Emílio
Goeldi, no Pará, e autor do mais recente
e completo estudo de revisão sistemática
do gênero Cebus, explica que este trabalho
é de suma importância para a
ciência e para a conservação.
Do ponto de vista científico, esclarece
uma questão crucial para a compreensão
da diversidade de um gênero extremamente
complexo e confuso em termos de sistemática
e taxonomia. Também oferece uma solução
para o preenchimento de matrizes em estudos
biogeográficos.
A história - O naturalista
alemão Georg Marcgrave, membro da comitiva
do Conde Maurício de Nassau, que esteve
no Nordeste Brasileiro entre 1637 e 1644,
foi o primeiro a descrever o macaco na obra
“Historiae Rerum Naturalium Brasiliae”, publicada
em 1648. Marcgrave o descreveu como um animal
“de pêlo mais longo, amarelo-claro”,
a quem chamou de “caitaia”.
Uma pintura atribuída
a Albert Eckhout, artista plástico
que também esteve no Brasil com Nassau,
retrata com fidelidade o mesmo macaco-prego.
A descrição de Marcgrave, entretanto,
não pôde ser considerada cientificamente
válida, porque é anterior ao
Código Internacional de Nomenclatura
Zoológica, instituído por Carl
Linnaeus em 1758. O Código define as
regras para nomeação de espécies,
tornando válidos apenas os nomes publicados
após esta data.
Em 1774, Johann Schreber,
pintou o exemplar da espécie que veio
a chamar Simia flavia. Schreber, porém,
não guardou em coleção
científica o animal pintado nem informou
a sua procedência exata, sabendo-se
apenas que se tratava de um animal vindo do
Brasil. Mesmo assim, vários naturalistas
do século XIX, como John B. Fischer
(1829), Lorenz Oken (1833) e Karl F. Von Martius
(1867), viram claras semelhanças entre
o animal pintado por Schreber, já rebatizado
de Cebus flavus pelo francês Ethienne
Geoffroy (1812), e o macaco descrito por Marcgrave
em 1648.
Mas a falta de um exemplar
em coleção levou a maioria dos
cientistas a duvidar da existência de
Simia flavia. Marcelino e Langguth, porém,
demonstraram que a pintura de Schreber retrata
características morfológicas
de um animal idêntico aos macacos-prego
encontrados na Mata Atlântica do Nordeste.
Segundo o Código Internacional de Nomenclatura
Zoológica, as espécies nomeadas
após 1758 e descritas com base em pinturas
e ilustrações feitas até
1931, são consideradas válidas
para ciência. Assim, Simia flavia, ou
melhor, Cebus flavius, é o nome correto
para a espécie de macaco-prego encontrada
na zona da mata do Nordeste. Trata-se, portanto,
da redescoberta de uma espécie, que
foi considerada um mistério para ciência
durante 350 anos.
Aldo Sérgio Vasconcelos
CPB/Ibama