25/07/2006
- Representantes de diversos povos indígenas
da Bacia do Xingu querem que o governo atenda
às reivindicações apresentadas
durante consultas realizadas para a elaboração
do plano de desenvolvimento sustentável
da área de influência da estrada,
que liga Cuiabá (MT) a Santarém
(PA). O plano já começou a ser
implantado com a criação de
algumas Unidades de Conservação
(UC) e de um distrito florestal, mas as demandas
dos índios continuam sem ser atendidas.
Eles afirmam que o presidente da Funai não
as encaminha e exigem sua demissão.
Cerca de 100 guerreiros
de várias populações
indígenas da Bacia do Rio Xingu interditaram
com troncos, pedaços de madeira, pedras
e faixas a rodovia Cuiabá-Santarém
(BR-163), na altura do município de
Itaúba (MT), aproximadamente 610 quilômetros
ao norte de Cuiabá, desde às
7h de domingo, dia 23 de julho. Eles também
paralisaram o tráfego na MT-322, que
corta o Parque Indígena do Xingu. A
mobilização reivindica compensações
pelo asfaltamento da BR que constam do Plano
de Desenvolvimento Regional Sustentável
para a Área de Influência da
rodovia BR-163. (Saiba mais a respeito do
plano). Também pede a exoneração
do presidente da Fundação Nacional
do Índio (Funai), Mércio Pereira
Gomes. Participam da mobilização
integrantes das etnias Kaiapó, Panará,
Terena, Kaiabi e Apiacá.
Ontem, segunda-feira, dia
24, no início da noite, um engarrafamento
de cerca de 10 quilômetros, de cada
lado do bloqueio, com carros de passeio, ônibus
e caminhões tomava conta da estrada.
A situação no local estava ficando
tensa. Alguns motoristas irritados com o protesto
chegaram a hostilizar os manifestantes. Hoje,
terça-feira, eles decidiram liberar
o fluxo de veículos por cerca de quatro
horas, de manhã, mas voltaram a interditar
a estrada às 10h. Está sendo
permitida a passagem de pessoas a pé
e ambulâncias com pacientes. A Polícia
Rodoviária Federal resolveu montar
duas barreiras, uma antes e outra depois do
bloqueio, a uma certa distância da manifestação,
para manter os motoristas longe dos índios.
Na manhã de hoje,
dia 25, um grupo de cerca de 50 índios,
de várias etnias de todo o País,
entre elas Kaiabi, Kamaiurá, Fulni-ô,
Kuikuro, Xokó, Kalapalo e Xukuru-Kariri,
fecharam o prédio da sede da Funai,
em Brasília, por aproximadamente quatro
horas, impedindo a entrada dos funcionários.
A reivindicação comum a todos
era a demissão imediata de Gomes. Além
disso, traziam uma série de demandas
pontuais de cada uma das comunidades, principalmente
identificação e demarcação
de terras. O protesto foi desfeito sem incidentes
após a chegada de 12 policiais fortemente
armados do Comando de Operações
Táticas (COT) da Polícia Federal
e uma breve negociação.
Uma comitiva com representantes
da Funai, do governo mato-grossense, do Ministério
dos Transportes, do Departamento Nacional
de Infra-estrutura de Transportes (DNTI) e
do Ministério Público Federal
está reunida em Cuiabá e negociando
as condições de uma reunião
com os índios, que pode acontecer na
capital mato-grossense ou em Colíder,
cidade próxima a Itaúba, ainda
esta semana.
Comunidades indígenas
ainda não foram contempladas
Segundo os índios
xinguanos, as reivindicações
por investimentos e projetos, prometidos a
eles durante algumas consultas públicas
formais realizadas para a elaboração
do Plano BR-163 Sustentável, mal chegaram
a ser encaminhadas pela Funai aos setores
do governo federal responsáveis pelo
asfaltamento da estrada. Parte de algumas
medidas importantes previstas no projeto já
está sendo implementada, como a criação
de Unidades de Conservação e
de um distrito florestal, mas as comunidades
indígenas ainda não foram contempladas.
Por essa razão, pedem a demissão
de Gomes.
Os organizadores do bloqueio
na BR-163 explicam que cansaram de esperar
uma resposta dos órgãos responsáveis
pela pavimentação da rodovia,
entre eles a Casa Civil, a secretaria-geral
da Presidência da República,
ministérios dos Transportes e da Integração
Nacional. Os índios afirmam que os
representantes do governo federal estariam
se recusando a conversar com eles e garantem
que só vão desobstruir a estrada
definitivamente após serem ouvidos,
em uma negociação formal, pelo
governador do Mato Grosso, Blairo Maggi (PPS),
pelo próprio ministro dos Transportes
ou representantes graduados de sua pasta e
da Presidência da República e
na própria região. Reclamam
que não sabem ainda como serão
prevenidos os prováveis impactos da
obra, como incêndios florestais, desmatamento,
o comércio ilegal de madeira ou invasões
de suas áreas. Cobram a regularização
fundiária de Terras Indígenas
ainda não homologadas na região,
investimentos para a fiscalização
e a proteção de suas fronteiras,
a construção de estradas de
acesso às aldeias e projetos de desenvolvimento
sustentável.
No início de junho,
durante a apresentação e oficialização
da versão final do Plano BR-163 Sustentável,
em Brasília, o presidente Lula prometeu
que até o final do ano seria publicado
o edital para a constituição
da Parceria Público-Privada (PPP) pela
qual serão pavimentados os mais de
950 km da estrada ainda não asfaltados.
Segundo o Ministério dos Transportes,
está prevista para este ano uma série
de pequenas obras em diversos trechos da estrada,
mas várias delas ainda aguardam licenciamento
ambiental e a liberação de recursos.
Entre os trabalhos que podem ser iniciados
ainda em 2006 estão a reforma de 7
pontes, a recuperação de uma
área degradada na Serra do Cachimbo
(PA) e a pavimentação de um
trecho de 20 quilômetros entre as cidades
paraenses de Rurópolis e Santarém.
O orçamento federal prevê quase
R$ 100 milhões para o projeto neste
ano, mas até agora só foram
liberados R$ 4 milhões para a conservação
da estrada no Pará. A obra completa
está orçada em R$ 1,1 bilhão.
"Nossa luta não
é contra o asfaltamento"
Para Megaron Txucarramãe,
administrador-executivo regional da Funai
em Colíder (MT), e um dos líderes
do movimento, o governo tem dinheiro para
asfaltar a estrada, mas não para atender
os índios. Ele explica que, apesar
de terem participado de algumas das audiências
públicas organizadas pelo Grupo de
Trabalho Interministerial (GTI) responsável
pela obra, entre 2003 e 2004, o pedido para
a realização de uma consulta
mais ampla apenas com os indígenas
não foi atendido. “Nossa luta não
é contra o asfaltamento. Queremos apenas
que o governo venha conversar conosco. Esperamos
durante todo o ano de 2005 por alguma resposta
para nossas reivindicações.
Ficamos sabendo há duas ou três
semanas que o dinheiro para o início
das obras foi liberado e continuamos sem uma
resposta para a realização de
um encontro com os representantes do governo
federal até hoje.”
Megaron acusa o presidente
da Funai de não encaminhar as reivindicações
dos índios, dificultar e até
mesmo impedir as negociações
sobre o tema com outros setores do governo.
“O Mércio Pereira não representa
nossos interesses e nossas comunidades. É
bem capaz dele mandar a polícia em
cima da gente. Queremos que o presidente Lula
retire ele do cargo imediatamente”. E adverte
que qualquer dano causado aos índios
será de responsabilidade do governo.
No dia 11 de julho, lideranças
indígenas já haviam enviado
uma carta ao presidente Lula e ao governador
mato-grossense em que expressavam sua preocupação
com o asfaltamento da rodovia e pediam a exoneração
de Gomes. O texto lembra que a construção
da estrada, na década de 1970, acarretou
o crescimento desordenado de cidades próximas
às Terras Indígenas, invasões
e graves conflitos fundiários entre
indígenas e não-indígenas
e quase levou à extinção
a etnia Panará. Até agora, os
índios não receberam nenhuma
resposta dos governos federal e estadual sobre
a correspondência.
Graves impactos
De acordo com diagnósticos
feitos pelo próprio governo federal,
a pavimentação completa da rodovia
pode acarretar graves impactos como o aumento
de migrações desordenadas, ocupação
irregular de terras públicas, concentração
fundiária, desmatamento, exploração
insustentável dos recursos naturais
em geral, aumento da criminalidade e agravamento
das condições de saúde
pública. A área de influência
da rodovia alcança integral ou parcialmente
33 Terras Indígenas, que, somadas,
têm uma área de 34 milhões
de hectares e abrigam mais de 33 mil pessoas.
A Convenção 169 da Organização
Internacional do Trabalho (OIT), ratificada
pelo governo brasileiro, define que os povos
indígenas devem ser consultados sobre
qualquer projeto de infra-estrutura que possa
afetá-los direta ou indiretamente.
O Plano BR-163 Sustentável
pretende justamente tentar diminuir esses
impactos e implantar um modelo de desenvolvimento
sustentável na região. Ele foi
elaborado a partir de uma série de
reuniões, encontros, diagnósticos,
audiências públicas e consultas
que duraram mais de dois anos e contaram com
a participação de 21 ministérios
e dezenas de organizações da
sociedade civil, entre elas o ISA, o WWF,
a Fundação Viver, Produzir e
Preservar (FVPP), o Grupo de Trabalho Amazônico
(GTA), o Instituto de Pesquisa Ambiental da
Amazônia (Ipam) e o Instituto Centro
de Vida (ICV). A versão final do plano
lista 54 prioridades entre ações
para ordenamento territorial, regularização
fundiária, implantação
de obras de infra-estrutura, pesquisas, fiscalização,
criação de UCs e apoio à
práticas sustentáveis.
“Existem iniciativas e programas
que devem acontecer antes, durante e depois
da realização da obra. Estamos
fazendo tudo de acordo com o que foi definido
pelo plano e em suas consultas públicas”,
argumenta José Maria da Cunha, assessor
técnico da Secretaria-executiva do
Ministério dos Transportes. Ele lembra
que a maior parte dos trabalhos na estrada
ainda levará algum tempo para sair
do papel e confirma que o governo já
vem implementando uma série de ações
para mitigação dos impactos
socioambientais da rodovia. Ele explica que
ações definidas a partir das
reivindicações das comunidades
indígenas - como o monitoramento do
surgimento e avanço de estradas secundárias,
a regularização fundiária
das TIs, programas de prevenção
a doenças endêmicas e incêndios,
desenvolvimento de alternativas econômicas
sustentáveis - deverão acontecer
após algumas readequações,
o estabelecimento de alguns convênios
entre diferentes órgãos e níveis
governamentais, a expedição
de novas licenças ambientais e simultaneamente
às obras.
Cunha conta que a realização
de uma consulta pública sobre a pavimentação
da rodovia apenas com os índios vem
sendo negociada com a Funai praticamente desde
a formação do GTI responsável
por ela. “Não sei que problemas podem
ter acontecido por lá para não
acontecer uma ´ação continuada´,
mas acho que agora há disposição
para resolver o problema”, afirma. O assessor
admite certa demora da Funai em fechar uma
agenda para o evento, mas conta que Mércio
Pereira Gomes esteve no Ministério
na semana passada para tratar do assunto.
Cunha aposta que a consulta deve acontecer
ainda em agosto.
A reportagem do ISA procurou
a assessoria da imprensa da Funai para ouvir
Mércio Pereira Gomes, mas não
conseguiu entrevistá-lo.
Oswaldo Braga de Souza.