03/08/2006 - O governo brasileiro está
concluindo a segunda petição
que entregará na próxima sexta-feira
(11) à Organização Mundial
do Comércio (OMC), em contencioso proposto
pelas Comunidades Européias (CE) contra
restrições do país à
importação de pneus reformados.
Nesse documento, será contestada a
tese das CE com a argumentação
de que a proibição à
importação de pneumáticos
remoldados é uma medida de caráter
exclusivamente ambiental e de saúde
pública. No dia 4 de setembro acontece
a segunda audiência do painel da OMC,
em Genebra, na Suíça, para analisar
a questão.
O Brasil proíbe a importação
de pneus reformados para reduzir os volumes
de resíduos. Não o faz para
discriminar reformados importados, nem para
proteger sua indústria de pneus novos
(caso contrário, teria de restringir
a importação de pneus novos)
ou ainda para proteger reformadores nacionais
(o uso de matéria-prima nacional aumenta
os custos de produção, pois
carcaças estrangeiras são mais
baratas). Não se trata, portanto, de
uma medida protecionista ou de caráter
comercial. Essa é a base da defesa
brasileira, conforme documentos do Brasil,
disponíveis no endereço eletrônico
http://www.mre.gov.br/portugues/ministerio/sitios_secretaria/cgc/pneus.asp
do Ministério de Relações
Exteriores, apresentados durante a primeira
audiência do painel da OMC, entre 5
e 7 de julho. As CE optaram por manter em
sigilo suas petições e demais
documentos referentes ao caso.
O pneu reformado tem um ciclo de vida útil
menor. O pneu de um carro de passeio, por
exemplo, só pode ser reformado uma
vez. Isso significa que, se a tese européia
prevalecer na OMC, o pneu reformado na Europa
será exportado para o Brasil e, depois
de usado, se transformará em lixo,
sem possibilidade de reforma. "Um país
se beneficia da reforma apenas se reformar
pneus consumidos dentro do seu território.
Ao reformar e exportar seus pneus, as CE reduzem
seu próprio passivo ambiental, mas
não o do Brasil", diz um trecho
da Sustentação Oral apresentada
pelo governo brasileiro na primeira audiência
do painel. O fim das restrições
brasileiras beneficiariam os países
da Europa, não apenas na redução
do volume de resíduos, mas no incremento
da indústria européia de reformadores,
na geração de empregos e nos
ganhos que a exportação de pneus
reformados poderiam gerar.
Inteiros, os pneus depositados ao ar livre
tornam-se criadouros ideais para mosquistos
transmissores de doenças, como dengue,
malária e febre amarela. O coordenador
do Programa Nacional de Controle da Dengue
do Ministério da Saúde, Giovaninni
Evelim Coelho, falou na primeira audiência
do painel da OMC e destacou que borracharias
e depósitos de pneus novos, usados
e reformados são reconhecidos como
"pontos estratégicos", em
função do alto potencial de
disseminação dos mosquitos da
dengue. Eles são inspecionados e fumigados
a cada duas semanas por agentes do programa.
Segundo Coelho, o aumento dos volumes de
pneus em áreas urbanas pode promover
a urbanização da febre amarela,
o que "seria um desastre de saúde
pública" para o país. O
risco é tão alto, de acordo
com ele, que a Organização Mundial
da Saúde (OMS) listou recentemente
o Brasil entre os países das Américas
onde há o maior risco de transmissão
da doença. Na audiência, Coelho
defendeu que as restrições à
importação de pneus reformados
são "fundamentais para a Política
Nacional de Saúde Pública do
Brasil".
O diretor de Qualidade Ambiental do Ibama
do Ministério do Meio Ambiente, Marcio
Rosa Rodrigues de Freitas, também participou
da audiência e explicou que os pneus,
assim como baterias, embalagens de agrotóxicos
e lubrificantes, são considerados resíduos
especiais no Brasil. São classificados
assim por representarem sérios riscos
para o meio ambiente e por exigirem um processo
complexo e difícil de coleta e destinação
final. A acumulação de resíduos
de pneus, salientou Freitas, aumenta o risco
de incêndio e a sua queima descontrolada
constitui "uma catástrofe ambiental".
O ar, o solo e os lençóis freáticos
são contaminados e permanecem assim
durante anos. Nos aterros, existe a possibilidade
de lixiviação de substâncias
perigosas e de danificação da
camada de solo de cobertura.
Freitas deixou claro que o Brasil não
considera a exportação de resíduos
de pneus como um método ambientalmente
adequado de destinação final.
Ele explicou que a base da política
de gestão de resíduos de pneus
brasileira está concentrada na Resolução
258, do Conselho Nacional do Meio Ambiente
(Conama), que obriga os fabricantes e importadores
a darem destinação final para
cinco pneus inservíveis para cada quatro
produzidos ou importados, e pela Portaria
Nº8/2000 da Secretaria de Comércio
Exterior (Secex) do Ministério do Desenvolvimento,
Indústria e Comércio Exterior
(MIDC), que proíbe a importação
de pneus reformados e usados.
O objetivo dessa política, segundo
Freitas, é reduzir o máximo
possível as quantidades de pneus a
serem coletadas e destinadas, o que, num país
de extensão territorial como o Brasil,
"constitui um desafio". Quanto à
destinação, ainda não
foi encontrada uma alternativa satisfatória.
A queima em incineradores e fornos de cimento,
que poderia ser uma saída para eliminar
grandes quantidades de resíduos, emite
substâncias extremamente tóxicas,
como as dioxinas, que mesmo em quantidades
pequenas se acumulam no tecido adiposo e podem
causar câncer. O uso da borracha na
mistura do asfalto e a reciclagem, que exige
uma nova vulcanização da borracha
do pneu, apresentam custos extremamente elevados.
"A política de gestão desses
resíduos não pode ficar limitada
apenas a medidas de coleta e destinação
final. Se o direito do Brasil de manter a
única medida de não-geração
disponível não for reconhecido,
o dano ao meio ambiente do país será
imenso e irreversível", disse
o diretor do Ibama.
Aumentar o passivo ambiental do Brasil, nesse
caso, significa aumentar o lixo em território
brasileiro. E mais: um lixo que oferece riscos
à saúde pública e ao
meio ambiente e para o qual ainda não
foi encontrada destinação segura.
A própria União Européia
(UE), que quer exportar seus remoldados para
o Brasil, não deposita mais pneus triturados
em aterros desde 16 de julho, seguindo sua
legislação ambiental. Aliás,
os aterros já estavam vetados para
pneus inteiros desde 2003 nos países
europeus.
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva,
esteve presente na abertura da audiência
do painel, em julho. Ela fez uma introdução
à apresentação do Brasil
e chamou a atenção para o fato
de que o país já gera uma quantidade
significativa de pneumáticos capazes
de alimentar a indústria de reforma.
Marina Silva, em seu discurso, reforçou
o argumento de que a proibição
de importação de pneus reformados
constitui um instrumento de política
ambiental necessário para evitar a
geração de resíduos que
o Brasil não tem condições
de absorver. A ministra disse também
que países da UE foram pioneiros na
adoção de princípios
ambientais, que vêm sendo incorporados
por países em desenvolvimento, como
o Brasil, e destacou a importância da
UE manter coerência na sua postura no
contencioso da OMC. "Apesar de o Brasil
não negar os efeitos restritivos da
medida sobre o comércio, o sistema
multilateral assegura o direito dos membros
de proteger a saúde de sua população
e o meio ambiente", disse a ministra.
A iniciativa de Marina Silva foi pioneira.
Nunca um chefe de estado brasileiro tinha
participado da abertura de um painel da OMC.
Marluza Mattos