03/08/2006
- Iniciativa é resultado do estudo
do ISA sobre a implementação
do art. 31 da Medida Provisória de
acesso aos recursos genéticos. A resolução
que cria o grupo, entretanto, limita a participação
da sociedade civil.
O Conselho de Gestão
do Patrimônio Genético – Cgen,
em sua 42ª Reunião Plenária,
realizada em 27 de julho de 2006, aprovou
uma resolução criando um Grupo
de Trabalho para discutir medidas visando
implementar o artigo 31 da MP nº 2.186-16/01,
que exige o certificado de procedência
legal para a concessão de patentes
biotecnológicas pelo Instituto Nacional
de Propriedade Industrial – INPI.
O certificado de procedência
legal nada mais é do que a exigência
de que o interessado em uma patente biotecnológica
apresente ao INPI a autorização
de acesso a patrimônio genético
expedido pelo CGEN para que seu pedido seja
analisado. A autorização do
Cgen atesta que o acesso que resultou naquele
pedido contou com o consentimento prévio
informado do provedor do patrimônio
genético ou do conhecimento tradicional
(quando for o caso), bem como a repartição
de benefícios derivados do seu uso
comercial.
Esse é o principal
mecanismo defendido por países em desenvolvimento
na Convenção sobre Diversidade
Biológica – CDB - para criar um regime
internacional de repartição
de benefícios que impeça a privatização
de seus recursos genéticos por países
desenvolvidos, já que não existe
nenhum mecanismo internacional que os obrigue
a cumprir a legislação dos países
provedores.
Casa de ferreiro, espeto
de pau...
O Brasil, embora tenha aprovado
o certificado de procedência legal na
legislação nacional (art. 31
da MP nº 2.186-16/01) e seja um dos seus
mais ativos defensores na CDB, não
o implementa, como atesta o estudo feito pelo
ISA no banco de patentes do INPI (Faça
aqui o download do estudo.). O trabalho faz
parte da Iniciativa Andino-Amazônica
para Prevenção da Biopirataria,
uma articulação sulamericana
de organizações não-governamentais
e instituições de pesquisa para
discutir o assunto, da qual o ISA é
o parceiro no Brasil. Da amostra de pedidos
de patente levantada no estudo, menos de 10%
indicam a origem do material genético
ou do conhecimento tradicional acessado. Nenhum
pedido de patente analisado conta com autorização
do CGEN.
O objetivo do GT criado
pelo Cgen é discutir medidas práticas
que viabilizem a criação de
procedimentos conjuntos entre Cgen e INPI
que permitam, com baixo custo administrativo,
estabelecer um regime de controle de patentes
que derivam de acesso a patrimônio genético
e conhecimento tradicional associado, para
que haja meios de rastrear se houve a devida
repartição de benefícios
com quem de direito.
A iniciativa é fundamental
também para que o Brasil ganhe credibilidade
no cenário internacional, na medida
em que sua posição de negociação
frente a outros países resistentes
à idéia do certificado se fragiliza
diante da própria incapacidade e inércia
para implementá-lo em nível
doméstico.
Conselheiros cerceiam participação
da sociedade civil no GT
O Cgen é um conselho
que não conta com a participação
da sociedade civil como membro com direito
a voto. Organizações não-governamentais,
sociedades científicas e representantes
do setor privado podem participar, mas na
qualidade de observadores convidados, com
direito apenas a voz. A falta de participação
da sociedade civil tem sido um problema constante
tanto nos trabalhos do CGEN como na discussão
sobre a nova legislação de acesso,
que permanece sendo discutida a portas fechadas
na Casa Civil.
Embora a iniciativa para
discutir a implementação do
art. 31 da MP tenha partido do estudo do ISA,
durante a última plenária os
conselheiros gastaram praticamente toda a
manhã discutindo se a sociedade civil
deveria ou não participar do Grupo
de Trabalho, e em que medida.
Os ministérios da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento
(MAPA) e Desenvolvimento, Indústria
e Comércio (MDIC) foram os mais resistentes
à idéia, do pressionando por
um grupo restrito apenas a membros de governo.
O ISA, representando a Associação
Brasileira de Organizações não-
governamentais – ABONG, defendeu a ampla participação
de quaisquer organizações interessadas
no tema, principalmente aquelas ligadas à
defesa dos direitos de povos indígenas
e comunidades locais diretamente afetadas
pela discussão.
Depois de muita pressão
dos convidados observadores, que incluíam
também a Sociedade Brasileira para
o Progresso da Ciência – SBPC, o Ministério
Público Federal – MPF e a Federação
Brasileira da indústria Farmacêutica
– Febrafarma, o Cgen decidiu permitir a participação
da sociedade civil no GT, mas restrita apenas
aos membros observadores já reconhecidos,
que atualmente somam 11 organizações
de diferentes setores. São eles:
• Associação
Brasileira das Empresas de Biotecnologia-ABRABI;
• Associação
Brasileira de Entidades Estaduais de Meio
Ambiente-ABEMA;
• Associação
Brasileira de Organizações não
Governamentais-ABONG;
• Conselho Empresarial Brasileiro
para o Desenvolvimento Sustentável-CEBDS;
• Conselho Nacional dos
Seringueiros-CNS;
• Coordenação
Nacional de Articulação das
Comunidades Negras Rurais Quilombolas-CONAQ;
• Coordenação
das Organizações Indígenas
da Amazônia Brasileira-Coiab;
• Federação
Brasileira da Indústria Farmacêutica-Febrafarma;
• Fórum Brasileiro
de Organizações não Governamentais
e Movimentos Sociais para Meio Ambiente-FBOMS;
• Sociedade Brasileira para
o Progresso da Ciência-SBPC;
• Ministério Público
Federal-MPF.
A participação
de outras organizações do terceiro
setor ou representantes de povos indígenas
e comunidades locais que não tenham
status de membros observadores fica assim
prejudicada.
Isso denota mais uma vez
a tentativa lamentável de cercear a
participação da sociedade civil
organizada em uma discussão de tamanha
importância para a implementação
de um sistema transparente e democrático
de acesso a recursos genéticos, repartição
de benefícios e proteção
de conhecimentos tradicionais associados à
biodiversidade.
Fernando Mathias.