04/08/2006 - O contencioso da Organização
Mundial do Comércio (OMC), que discute
as restrições do Brasil à
importação de pneus reformados,
está atraíndo a atenção
de países do mundo todo. Doze países
se inscreveram como terceiras partes na controvérsia.
O interesse se deve ao fato de que durante
as discussões sobre o caso estão
sendo abordados temas delicados para o comércio
multilateral: a relação entre
comércio e meio ambiente, a relação
entre regionalismo e multilateralismo e a
relação entre bens usados e
remanufaturados e bens novos.
A primeira audiência do painel ocorreu
entre 5 e 7 de julho e a segunda está
prevista para 4 de setembro. O Brasil está
sendo representado no processo por uma delegação
que inclui integrantes dos ministérios
de Relações Exteriores, do Meio
Ambiente, da Indústria, Desenvolvimento
e Comércio Exterior e da Saúde,
além do Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(Ibama).
O caso brasileiro pode desencadear um efeito
sistêmico sobre o comércio multilateral,
na avaliação de especialistas.
Se o Brasil vencer na disputa da OMC, outros
países poderão manter medidas
jurídicas e políticas públicas
semelhantes de proteção ao meio
ambiente. "No caso de o Brasil perder,
haverá um retrocesso na legislação
ambiental do país. E a derrota não
será só brasileira. Países
em desenvolvimento que desejam restringir
a entrada de resíduos em seus territórios
também serão atingidos. A liberação
da importação de pneus é
uma forma elegante de se falar em abertura
à importação de resíduos.
Se isso acontecer, num futuro próximo,
poderemos estar importando computadores usados",
avalia a gerente do Projeto de Redução
de Riscos Ambientais do Ministério
do Meio Ambiente, Maria Gricia de Lourdes
Grossi, que participa da delegação
brasileira.
Na OMC, as CE acusam o Brasil de adotar uma
medida protecionista, de caráter estritamente
comercial, ao proibir as importações
de pneus reformados. O governo brasileiro
rejeita a acusação e em sua
defesa alega que as restrições
foram adotadas como medidas de caráter
ambiental e de saúde pública,
exclusivamente. Em 8 de novembro, Brasil e
CE recebem o relatório provisório
do painel, com a decisão. Esse relatório
ainda é sigiloso. Nessa etapa, as duas
partes podem apresentar pedido de revisão
do processo, mas não do mérito
do caso. Em 01 de dezembro, acontece mais
uma audiência do painel para analisar
a revisão processual. O relatório
final circula para todos os Membros da OMC
no dia 15 de janeiro do próximo ano.
A partir daí, inicia a contagem de
um prazo de aproximadamente 60 dias para a
apelação das CE, do Brasil ou
de ambos.
As restrições do Brasil não
se referem apenas à importação
de pneus reformados, mas também à
importação de pneus usados.
O objetivo é reduzir o volume de resíduos
e fazer com que a indústria reformadora
brasileira utilize pneus consumidos no Brasil.
No entanto, como as carcaças estrangeiras
são significativamente mais baratas,
os reformadores brasileiros as preferem e
tentam na Justiça meios de driblar
a proibição à importações
de pneus.
Num país de dimensões continentais
como o Brasil, é mais fácil
pegar carcaças importadas no porto
do que coletar pneus velhos de norte a sul
do país. Há interesses comerciais,
portanto, que movem a discussão da
chamada Agenda Marrom - agenda sobre resíduos.
As carcaças européias são
mais baratas também porque, nas CE,
elas não têm valor. "As
carcaças são um ônus nas
CE e não um ativo e, tipicamente, deve-se
pagar para se ver livre delas", diz um
trecho da Sustentação Oral Final
apresentada pelo governo brasileiro na primeira
audiência do painel da OMC.
Alguns juízes brasileiros concederam
liminares permitindo temporariamente a entrada
de pneus usados de outros países no
Brasil, sob a alegação de que
a Portaria Nº8/2000 da Secretaria de
Comércio Exterior (Secex) do Ministério
da Indústria, Desenvolvimento e Comércio
Exterior (MDIC), que proíbe a importação
de pneus reformados e usados, restringe indevidamente
a liberdade econômica dos reformadores.
A entrada de pneus usados no país por
meio de liminares foi citada pelas CE no processo
da OMC. Hoje, essas liminares estão
sendo gradativamente cassadas e, no julgamento
de mérito, a Justiça geralmente
tem reconhecido a necessidade de evitar a
entrada de pneumáticos usados e reformados
no país.
Outro ponto que o governo brasileiro esclareceu,
durante a primeira audiência do painel,
foi a isenção limitada concedida
aos países do Mercosul para essas restrições.
Em julho de 2000, o Conselho do Mercado Comum
adotou a Decisão 22/2000, determinando
que novas barreiras ao comércio intra-Mercosul
não deveriam ser erguidas a partir
de então. Em setembro do mesmo ano,
o MDIC expediu a Portaria Nº08, explicitando
que os pneus reformados estavam incluídos
numa portaria expedida pelo então Ministério
da Economia, Fazenda e Planejamento em 1991,
cujo conteúdo vetava a importação
de bens de consumo usados. O Uruguai moveu
ação junto ao Tribunal Arbitral
do Mercosul, sob a justificativa de que a
portaria 08/2000 feria a Decisão CMC
22/2000, já que deveria ser considerada
uma norma nova. O Brasil foi derrotado na
disputa, que envolveu a discussão apenas
de aspectos jurídico-comerciais.
A dimensão ambiental e de saúde
pública não foi tratada nesse
âmbito e, em função da
derrota, o país passou a importar pneus
remoldados do Uruguai em 2002. O assunto já
voltou à pauta das Reuniões
de Ministros de Meio Ambiente do Mercosul
e os países buscam uma solução
negociada para o problema.
Marluza Mattos