14/08/2006
- Cerca de mil alunos do ensino fundamental
de comunidades indígenas Sateré
Mawé do rio Andirá, no município
de Barreirinha (AM), poderão ficar
sem aula nos próximos dias por falta
de material escolar e merenda. A denúncia
é feita por José de Oliveira,
coordenador da Organização dos
Professores Indígenas Sateré
Mawé dos Rios Andirá e Waykurapá
- Opisma, que pretende denunciar estas e outras
irregularidades ao Ministério Público
Federal nos próximos dias.
No rio Andirá, existem
36 escolas indígenas reconhecidas pela
Secretaria Municipal de Barreirinha, além
de outras cinco, aguardando por reconhecimento.
Destas, quinze estão funcionando em
prédios com uma única sala de
aula, algumas com furos no forro, com teto
danificado, quentes no horário da tarde
e sem acabamento. Um exemplo disso é
a escola Nova Jerusalém na comunidade
São José Novo. A escola foi
construída em 2001, segundo os moradores,
mas até agora não foram colocadas
as louças dos sanitários e banheiros,
onde cupins avançam sobre a estrutura
de madeira. A Secretaria de Educação
de Barreirinha também não mandou
para o local os utensílios para a produção
da merenda para os 15 alunos que freqüentam
o ensino fundamental.
Na comunidade de Vista Alegre,
a sala de aula funciona na parte de baixo
da casa do professor. Para atender os 18 alunos
ele teve de improvisar. A mesma situação
ocorre em outras 18 comunidades, onde as aulas
são dadas em barracões, igrejas,
casas dos tuxauas ou dos comunitários.
Além disso, o número de alunos
do ensino fundamental e Educação
de Jovens e Adultos é grande para uma
única sala construída pela prefeitura
de Barreirinha.
Falta material
“Crueira” é um subproduto
da mandioca usada na fabricação
de mingau. Na sala de aula de Vista Alegre
serve para escrever no quadro, substituindo
o giz que só chega até lá
quando o próprio professor leva da
sede do município de Barreirinha até
sua comunidade. A Secretaria Municipal de
Educação não faz esse
serviço, dizem os professores Sateré
Mawé. Em Araticum, há três
salas de aula, duas das quais são improvisadas.
Em uma delas, por falta de quadro, os alunos
aprender a ler e escrever no chão,
onde são escritas as lições.
Próximo dali, na
comunidade de Simão, existem seis turmas
divididas entre salas de aula da escola, do
salão da igreja e de um barracão,
onde os professores só dispõem
de um quadro com menos de um metro quadrado.
“A maioria das escolas funciona precariamente.
Isso desanima tanto o professor como os alunos”,
diz José de Oliveira. Em Torrado, alunos
mostraram livros didáticos de Física
e Química para a oitava série
do ensino fundamental, fornecidos pela Secretaria
de Estado da Educação. No entanto,
nas escolas indígenas do rio Andirá
só há turmas de primeira a quarta
série e Educação de Jovens
e Adultos – EJA.
Livros, cadernos, lápis,
borrachas e outros materiais de uso corrente
nas escolas estão em falta. Na maioria
das comunidades, a quantidade fornecida pela
Secretaria Municipal de Educação
de Barreirinha foi insuficiente para atender
aos alunos. O coordenador da Opisma relata
que foram realizadas várias reuniões
de professores para discutir a situação
e, ao final, produzidos documentos posteriormente
encaminhados à Secretaria de Educação,
mas a titular da secretaria em nenhum momento
deu atenção à reclamação
dos professores.
A falta de merenda escolar
é outro transtorno vivido nas comunidades
Sateré Mawé. A quantidade e
qualidade não atende à demanda
das aldeias. A maioria dos professores relata
casos de evasão escolar por falta de
alimento. Essa situação tem
pelo menos dois complicadores. O primeiro
diz respeito à escassez de caça,
pesca e outros meios de subsistência.
Os indígenas dizem que as plantações
das roças nem chega a ser suficientes
para as famílias.
Outro complicador é
a qualidade dos produtos fornecidos pela Secretaria
Municipal de Barreirinha. Não são
raros os casos de alimentos estragados, diz
o coordenador da Opisma. A comunidade de Torrado
guarda ainda as latas de conserva e pacotes
de macarrão recebidos em maio de um
lote que deveria ser entregue no final do
ano letivo de 2005. O professor informou o
fato à Secretaria de Educação
que o orientou a levar os alimentos até
Barreirinha, para serem trocados no galpão
onde fica estocada a merenda escolar do município.
“Felizmente até agora não foi
registrado nenhum caso de intoxicação”,
diz José de Oliveira.
Monitores
As 36 escolas indígenas
do rio Andirá contam com 84 professores.
A maioria vem exercendo a função
há vários anos. O contrato deles,
porém, é firmado com a Prefeitura
Municipal de Barreirinha em regime temporário
e para a função de monitores
ou auxiliar de serviços gerais.
Segundo os professores,
a Secretaria tem dito a eles que essa condição
se deve ao fato de não terem curso
de formação específica.
“Aqui no Andirá é onde sofremos
mais com as contratações. Nenhum
professor é contratado como professor,
apesar de muitos já terem concluído
o Magistério Indígena”. Além
disso, muitos têm em média 20
anos atuando como professor nas comunidades,
diz o coordenador da Opisma.
Para reparar essa injustiça,
a organização está orientando
os professores a entrar com ação
reclamatória na Justiça do Trabalho.
“Queremos que a Secretaria de Educação
de Barreirinha reconheça e respeite
os direitos dos professores e pague um salário
condizente com a função”, destaca
José de Oliveira.
Outra iniciativa da Opisma
será acionar o Ministério Público
Federal. A organização quer
saber se os recursos para as escolas indígenas
do rio Andirá estão sendo aplicados
corretamente. Os professores vêm tentando
acompanhar a aplicação desses
recursos, mas dizem que falta transparência
por parte da Prefeitura de Barreirinha. “Já
tentamos relatar pessoalmente essa situação
à Secretária de Educação,
mas ela não nos atende nem responde
aos documentos. Nós queremos pelo menos
que a secretaria forneça cópia
dos contratos aos professores”, denuncia José
de Oliveira.