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de agosto - A agitação em torno
das malocas anuncia que algo importante está
para acontecer. A madeira recém cortada
espera ao lado da Casa dos Homens o momento
em que servirá de tocha aos visitantes.
Os adornos de variadas cores e desenhos já
enfeitam as cinturas e as cabeças dos
guerreiros e mulheres que protagonizarão
a festa. É assim, entre as demais atividades,
que a comunidade Kalapalo se prepara para
um grande momento: a celebração
do Kuarup.
Ritual fúnebre que
reúne todas as aldeias do Alto Xingu,
o Kuarup é a expressão mais
forte da identidade comum dos povos xinguanos.
Tradicionalmente, é realizado apenas
para pessoas ilustres, seja por um critério
de linhagem hereditária, seja por liderança
política ou econômica. A realização
de um Kuarup representa uma honraria, o reconhecimento
de que o homenageado passa a ser situado no
mesmo nível daqueles que conviveram
com Mavutsinim, um ser divino responsável
pela criação dos primeiros seres
humanos, a partir de troncos com mesmo nome
da festa.
Os preparativos para o Kuarup
dos Kalapalo começaram aproximadamente
10 dias antes da festa, marcada para os dias
19 e 20 de agosto. Neste período, as
mulheres se encarregaram de ralar a farinha
de mandioca para o beiju, assar os peixes
e finalizar os adornos que cobrirão
os troncos. Esses troncos, que representam
o Kuarup, são escolhidos na mata pelos
homens.
Preparados os troncos, eles
são colocados em frente à Casa
dos Homens e cobertos com os adornos que o
morto usava em vida, em meio a uma entoada
de choros de seus parentes. O choro prossegue
por todo o dia e continua noite adentro.
A movimentação
em torno da cerimônia na aldeia Kalapalo
foi acompanhada por dezenas de caraíbas
(brancos) curiosos com cada detalhe e movimento
novo. Três equipes de televisão
(BBC, de Londres, TV Cultura e TV Chilena)
documentaram o passo a passo da cerimônia.
Para o jornalista Washington Novaes, responsável
pela produção do documentário
televisivo - Xingu, “A Terra Mágica”,
em 1984, “muita coisa mudou de duas décadas
para cá. A fascinação
com os nossos costumes e a vontade de aprender
coisas novas que excedem ao universo indígena
refletem uma mudança cultural que tende
a crescer cada vez mais”. Com isso, a proposta
da equipe de Novaes agora é fazer uma
releitura do cotidiano dessas comunidades
e a interferência da cultura não-indígena
durante esse período.
Entre os convidados também
estavam representantes da Funai - entre eles
o presidente Mércio Pereira Gomes,
o diretor de Assistência, Slowacki de
Assis, o coordenador-geral de Meio Ambiente
e Patrimônio Indígena, Izanoel
Sodré, o indigenista Fernando Schiavini
e o administrador regional de Belém,
Moacyr Cordeiro de Mello - além de
representantes da Petrobrás.
No sábado, os primeiros
convidados indígenas começaram
a chegar e montar seus acampamentos ao redor
da aldeia anfitriã. Ao anoitecer, uma
fogueira foi acesa em frente aos troncos.
Os homens de cada uma das aldeias visitantes
dançaram e cantaram. A noite foi reservada
aos cânticos de lamentação
e choro das mulheres.
A tristeza cessou apenas
ao amanhecer, momento em que os convidados
chegaram ao pátio central da aldeia
para participar do torneio de huka-huka, uma
luta tradicional xinguana. As disputas começaram
entre os anfitriões e guerreiros das
sete aldeias convidadas: Yawalapiti, Kuikuro,
Kamayurá, Waurá, Aweti, Nafukuwá
e Matipu. Entre os lutadores, atletas trazidos
pela BBC experimentam um pouco da sensação
de incorporar a vida de um guerreiro xinguano.
Mas a luta para eles não teve saldo
tão positivo. Um a um, os quatros convidados
foram derrotados pelos indígenas, confirmando
que a cultura vale muito mais que apenas a
força. As lutas terminaram e a poeira
baixou. A tradição permanece
mantida entre os povos do Xingu.