01-09-2006 – Manaus - Totalmente eletrônico,
novo sistema para controlar o fluxo de produtos
florestais é lançado sem estar
pronto e pode marcar 2006 como o ano da madeira
ilegal na Amazônia
O Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente
e Recursos Naturais Renováveis) lançou
hoje o DOF (Documento de Origem Florestal),
o novo sistema eletrônico que vai passar
a controlar o fluxo de madeira e produtos
florestais na Amazônia. O DOF vai substituir
a ATPF (Autorização de Transporte
de Produtos Florestais), que vigorava desde
1993. O lançamento acontece três
semanas após o anúncio público
do Ministério do Meio Ambiente (MMA)
de que a ilegalidade na produção
de madeira para serraria, carvão e
lenha na Amazônia é no mínimo
de 63%.
Apesar do novo sistema ser um grande avanço
no combate a ilegalidade no setor, o lançamento
do DOF neste momento desconsidera a preocupação
de governos estaduais e de ongs ambientalistas,
em especial o Greenpeace, que entendem que
o ato é prematuro. Falta planejar e
preparar a transição entre os
dois sistemas. A posição do
Greenpeace, apresentada em vários momentos,
foi reforçada à Ministra do
Meio Ambiente Marina Silva durante a reunião
Extraordinária do Conselho Nacional
de Meio Ambiente (Conama) que aconteceu ontem
(31/08) em São Paulo.
“A história se repete: o governo Lula
está fazendo exatamente o que o governo
anterior fez. A ATPF havia sido aposentada
no final de 2002 e teve que ser reassumida
em 2003 porque o sistema anterior que a substituiria
não estava finalizado. É uma
semente boa em solo ruim”, disse Marcelo Marquesini,
da campanha do Greenpeace na Amazônia.
“Se o DOF ou qualquer outro sistema não
forem integrados e vierem com boa fiscalização,
apta a identificar as fraudes em tempo real,
a ilegalidade continuará”.
O sistema de controle do fluxo de madeira
é um item importante da gestão
florestal na Amazônia. Com a mudança
no Código Florestal em março
de 2006, o MMA e o Ibama aceleraram a chamada
descentralização da gestão
florestal na Amazônia e “repassaram
o mico” aos estados. Mato Grosso e Maranhão
criaram seus próprios sistemas não
integrados ao sistema do Ibama. Após
dois meses de protestos das ONGs, o governo
reconheceu que o processo exigia mais cautela,
responsabilidade e regras claras.
O Ibama planejava a “morte da ATPF” e sua
substituição desde 1999. De
lá para cá vários projetos
surgiram, muito dinheiro foi gasto, mas nada
se efetivou. A partir de 2004, surge a proposta
do DOF que ganhou corpo mesmo em 2005.
Com o DOF, produtores e empresas que comercializam
produtos florestais terão que se cadastrar
e ter aprovação prévia
para operar o sistema, que passará
controlar eletronicamente saldo e saída
de volume de madeira. Se não tiverem
pendências, poderão solicitar,
preencher e emitir, via internet, o documento
que acompanhará as cargas. Isso poderá
ser feito de sua própria empresa, residência
ou ainda de terminais de computadores que
serão instalados em todas as unidades
do Ibama. Quem operar ilegalmente fora do
sistema só será apanhado se
a fiscalização tiver acesso
à internet durante o transporte da
madeira para checar se a carga foi declarada
conforme a documentação apresentada
ou com fiscalização nos pátios
das industrias e revendas.
Mas o governo federal não cumpriu
com todas as etapas programadas e está
fazendo um lançamento prematuro. O
treinamento de técnicos e fiscais que
deveria ter sido feito antes do lançamento,
por exemplo, só será feito durante
o uso do sistema. O máximo que o Ibama
conseguiu fazer foi treinar dois técnicos
de cada superintendência para operar
dar explicações sobre o uso
do sistema. São eles que terão
a missão hercúlea de repassar
os conhecimentos aos demais técnicos
e fiscais de sua própria instituição,
para os técnicos das Secretarias de
Meio Ambiente e suas autarquias, além
das polícias militar, civil e rodoviária.
“Mesmo sem preparação adequada
e com altos índices de ilegalidade
no setor madeireiro, o governo anuncia a substituição
de sistema. Isso sem contar que estamos no
meio da safra de madeira. É necessário
responsabilidade até para implementar
uma boa idéia”, disse Marquesini. “O
tempo verbal do que precisa ser feito até
agora tem sido conjugado sempre no futuro:
vamos comprar, vamos fazer, vamos instalar,
vamos disponibilizar. O governo sabe que muita
coisa não foi feita ou não está
preparada. Tem madeireira feliz da vida nesta
safra. Esse ato prematuro pode marcar 2006
como o ano da madeira ilegal na Amazônia
e até desqualificar um bom sistema
antes de seu bom uso!”.
Raio X – Para entender melhor a situação
o Greenpeace conversou com Secretários
de Meio Ambiente, diretores e coordenadores
nos estados do Pará, Amazonas, Acre,
Mato Grosso e Amapá. O Mato Grosso
opera seu próprio sistema eletrônico,
o Sisflora, de concepção similar
ao DOF, mas que não pode ser fiscalizado
fora dos limites do estado. A integração
entre os dois sistemas é necessária
para que estados consumidores de madeira possam
checar a origem e validade dos documentos
e cargas que chegarem por lá. O trabalho
de integração, que ainda está
sendo discutido, nem começou.
No Pará, a situação
é peculiar, pois o Ibama irá
operar o DOF em setembro e outubro. O governo
do Pará, através da Secretaria
de Ciência Tecnologia e Meio Ambiente
(Sectam), irá assumir o controle do
fluxo de madeira a partir de outubro, mas
não usará o DOF. Estariam fazendo
licitação para ter um sistema
“igual” ao Sisflora, do Mato Grosso, para
colocá-lo em funcionamento a partir
de novembro. Serão três sistemas
diferentes numa mesma safra. A fase de transição
entre sistemas é a mais frágil
e vulnerável a fraudes pois os créditos
de volume de madeira a serem inseridos para
cada madeireira nem sempre são reais,
muito menos checados em campo. A recente fraude
no Mato Grosso, onde 82 pessoas foram presas,
é um bom exemplo disso.
Amazonas e Acre estão preocupados
com os pequenos produtores e comunidades que
não tem acesso a internet no interior.
Os terminais a serem instalados ainda não
existem e muitos municípios não
tem sequer escritórios do Ibama ou
de suas autarquias. Para os dois estados,
o lançamento é precipitado,
pois não houve treinamento ou estrutura
adequada para a substituição.
Foto: Greenpeace