04/09/2006 - Das muitas visões acerca
do programa nuclear brasileiro, que coloca
em campos opostos cientistas, políticos
e militares, a do professor José Goldemberg
é, possivelmente, a mais ampla, pois
é um dos poucos especialistas que participaram
de todas as fases das tentativas do Governo
Federal de colocar o Brasil no seleto grupo
de países que dominam a tecnologia,
sendo uma voz sempre ouvida e respeitada.
O próprio Goldemberg, citando o filme
“Rashomon”, de Kurosawa, que conta a história
de um assassinato em suas várias versões,
inclusive a do próprio morto, fez um
relato do que significou o programa a partir
do seu ponto de vista, como um observador
privilegiado que presenciou os vários
momentos da história, desenvolvendo
pesquisas, implantando laboratórios
e debatendo políticas na área
da energia nuclear no país.
A palestra foi proferida no dia 1º de
setembro, durante solenidade em que o IPEN,
que completa 50 anos de criação,
lhe outorgou o título de Pesquisador
Emérito 2006, uma láurea que
distingue os homens que mais contribuíram
para o desenvolvimento das ciências,
no Brasil.
A solenidade de entrega do prêmio contou
com a presença de Claudio Rodrigues,
superintendente do IPEN, Franco Maria Lajolo,
vice-reitor da USP, Maria Helena Guimarães
de Castro, secretário estadual de Ciência,
Tecnologia e Desenvolvimento Econômico,
e outros, que enalteceram o trabalho do homenageado
para o desenvolvimento das ciências
no Brasil, contribuindo para aperfeiçoamento
do sistema educacional, das pesquisas e da
gestão pública.
Segundo Goldemberg, na década de 1960,
o presidente norte-americano Eisenhower propugnava
o Programa Átomo para Todos, para o
uso da energia nuclear na medicina, agricultura
e outros campos. Mas a experiência da
Índia, em 1964, que detonou um artefato
nuclear fez o governo do Estados Unidos recuar,
dificultando o acesso dos países não
desenvolvidos a essa tecnologia.
Nesse contexto, explicou o professor, o antigo
Instituto de Energia Nuclear – IEA prosseguiu
com as pesquisas com reatores nucleares “graças
à dedicação e ao heroísmo
de alguns pesquisadores”. Contou o encontro
casual que teve com o general Costa Cavalcanti,
na Praia de Copacabana, em que o então
dirigente do Governo Federal, que ocupou vários
cargos nos governos militares, especialmente
na área de energia, admitiu que os
“cientistas prestaram um grande serviço
ao país, mostrando que o uso da energia
nuclear era prematuro, pois o Brasil ainda
dispunha de um grande potencial hídrico
para a geração de eletricidade”.
Contou, ainda, da incumbência do governador
Franco Montoro que o encarregou de negociar
junto ao Governo Federal para manter o IPEN
vinculado ao Governo do Estado e à
USP. “O Governo Federal estava preocupado
com os rumos que o IPEN estava seguindo e
tinha a intenção de federalizá-lo”,
explicou.
Hoje, no seu entender, a energia nuclear
é importante para os países
que não dispõem de recursos
hídricos para a geração
de eletricidade, mas essa opção
traz um grande problema que é a destinação
dos rejeitos radiativos. “E é preciso
considerar a visão da sociedade que
é tão importante quanto a dos
cientistas, pois a expansão dos reatrores
nucleares gera riscos para todo o mundo”,
disse.
Concluindo afirmou que “é preciso
dar maior autonomia aos cientistas, pois não
se pode tentar domesticar a criatividade”.
Um amplo currículo
O currículo de Goldemberg, secretário
do Meio Ambiente do Estado, inclui, já
na década de 1950, quando se formou
em Física, pela Universidade de São
Paulo, colaboração na instalação
do acelerador Betatron, no Instituto de Física,
estudos no Canadá e Estados Unidos,
o doutorado em 1954 e, em seguida, a livre-docência
na USP.
Foi professor catedrático de Física
Experimental na Escola Politécnica,
da USP, onde modernizou o ensino da matéria;
professor colaborador no IPEN, em 1969; diretor
de Instituto de Física, em 1970; e
presidente da Sociedade Brasileira de Física,
de 1975 a 1977. Presidente da Sociedade Brasileira
para o Progresso da Ciência – SBPC,
de 1979 a 1981, participou intensamente dos
debates políticos, assumindo uma posição
crítica em relação ao
programa nuclear brasileiro, numa época
de restrições impostas pelo
regime militar.
Com intensas atividades na área da
Educação, foi reitor da USP,
secretário da Educação
do Estado de São Paulo e ministro da
Educação, lutando sempre pela
autonomia financeira e administrativa das
universidades. Foi ainda presidente da Companhia
Energética de São Paulo – CESP,
secretário de Ciência e Tecnologia
e do Meio Ambiente, vinculado à Presidência
da República.
É autor de vários livros, especialmente
sobre energia, entre eles o “Energy for a
Sustainabel World”, que assinou com vários
especialistas de vários países.
Recebeu vários prêmios, como
o da Associação Internacional
de Economia Energética, Prêmio
Mitchell para o Desenvolvimento Sustentável,
Doutor Honoris Causa do Instituto de Tecnologia
de Israel, Grão Cruz da Ordem Nacional
do Mérito Científico – Comenda
da Ordem do Ipiranga, Medalha do Butantã
e título de Pesquisador Emérito
do CNPq. Em 1994, foi distinguido com a criação
da “Cátedra José Goldemberg
de Física da Atmosfera”, na Universidade
de Tel Aviv.
Em dezembro de 2005, foi considerado pela
revista “Business Week” como a sétima
personalidade mais influente nas questões
sobre aquecimento global. A lista preparada
pela revista trazia vinte nomes, com o primeiro
ministro inglês, Tony Blair, em primeiro
lugar. Goldemberg foi o único representante
do Hemisfério Sul.
Fotos: SEMA/SP