04/09/2006
- O governo federal lançou nesta segunda-feira
(4), em cerimônia no Espaço Cultural
da Marinha, no Rio de Janeiro, o maior diagnóstico
dos recursos vivos do mar brasileiro. O Relatório
Executivo do Revizee (Programa de Avaliação
do Potencial Sustentável dos Recursos
Vivos na Zona Econômica Exclusiva) apresenta
um resumo dos resultados das pesquisas feitas,
entre 1994 e 2004, na área que se estende
desde o limite exterior do mar territorial
(12 milhas marítimas de largura) até
200 milhas náuticas da costa. Isso
equivale a aproximadamente 3,5 milhões
de quilômetros quadrados, distribuídos
nos 8,5 mil quilômetros de litoral do
país - onde o setor pesqueiro gera
800 mil empregos que, direta e indiretamente,
sustentam 4 milhões de pessoas. A cerimônia
marcou ainda o encerramento do Revizee, que
será substituído pelo Revimar
(Programa de Avaliação do Potencial
Sustentável e Monitoramento dos Recursos
Vivos Marinhos na Zona Econômica Exclusiva).
O Revizee é considerado
um importante marco no conhecimento. Nunca
havia sido feito um esforço tão
grande para estudar os recursos vivos do mar,
identificar os estoques potencias da pesca
e indicar meios para garantir a sustentabilidade.
Por meio dele, foi possível criar um
sistema de avaliação direta
dos estoques, conhecer melhor a dinâmica
das pescarias e da frota nacional e gerar
instrumentos para facilitar o ordenamento
da política pesqueira no país.
Mais de 60 universidades e instituições
de pesquisa participaram do programa, desenvolvido
por um comitê executivo da Comissão
Interministerial para os Recursos do Mar e
coordenado pelo Ministério do Meio
Ambiente. Ao todo, cerca de 300 pesquisadores
trabalharam no Revizee em âmbito nacional.
Além de fazer um diagnóstico
sobre os recursos marinhos brasileiros, o
programa permitiu a capacitação
de recursos humanos para atuar na área
pesqueira e oceanográfica e contribuiu
para a modernização de laboratórios
e navios das instituições participantes.
Diversidade biológica
rica
Os dados do Relatório
Executivo mostram que tanto trabalho e investimento
valeram a pena. Descobriu-se que, assim como
a Amazônia, a ZEE brasileira é
rica em biodiversidade, mas de um modo peculiar:
é pobre em biomassa. A baixa concentração
de nutrientes das águas, entre outras
características, não oferece
condições para a existência
de grandes cardumes. Identificou, ainda, que
as áreas de pesca mais produtivas da
ZEE estão no Sul e Sudeste, entre 200
e 900 metros de profundidade, onde ocorrem
recursos considerados nobres, como o caranguejo
de profundidade, as lulas, o cherne e o congro-rosa.
A metodologia do Revizee
foi fundamentada na abordagem ecossistêmica.
Os pesquisadores estudaram a oceanografia
do ponto de vista biológico, físico,
geológico e químico. Além
disso, trabalharam também com meteorologia
e sensoriamento remoto. A característica
multidisciplinar da pesquisa sobre uma área
tão grande, como a ZEE brasileira,
exigiu uma década de estudos.
O programa dividiu a costa
brasileira em quatro áreas: Norte (da
foz do rio Oiapoque à foz do rio Parnaíba),
Nordeste (da foz do Parnaíba até
Salvador, incluindo o arquipélago de
Fernando de Noronha, o atol das Rocas e o
arquipélago de São Pedro e São
Paulo), Central ( de Salvador ao cabo de São
Tomé, incluindo as ilhas Trindade e
Martin Vaz) e Sudeste-Sul ( do cabo de São
Tomé até o Chuí). Em
cada área, foi formado um subcomitê
com representantes das universidades, instituições
de pesquisa e do setor pesqueiro. O trabalho
levou em conta as especificidades regionais.
Os pesquisadores revelaram
que no Sudeste-Sul, onde o Instituto Oceanográfico
da Universidade de São Paulo foi responsável
pela coordenação do subcomitê,
a pesca da anchoíta (manjubinha) pode
crescer. Há estoque para isso. No entanto,
alertaram que será preciso superar
as dificuldades de conservação
do peixe a bordo dos navios e que o mercado
ainda é tímido. Na mesma região,
destacou-se o calamar-argentino (lula), mas
sua ocorrência é sazonal e interanual,
o que pode inviabilizar economicamente a pescaria.
O espadarte (peixe comum
na costa do Espírito Santo) foi citado
pelo Revizee como potencial na região
Central, para a pesca com pequenas embarcações
artesanais, que possuem espinhel de superfície,
um cabo que pode ter quilômetros extensão
e no qual são pendurados diversos anzóis.
Os pesquisadores ligados ao subcomitê,
presidido pelo Instituto de Biologia da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, sugeriram que o
fomento dessa pesca oceânica seja acompanhado
de planos de manejo para garantir o ordenamento
e o controle da atividade.
No Nordeste, a pesca da
albacorinha (tipo de atum) poderá aumentar,
segundo resultados do Revizee. Os estudiosos
chamaram atenção, entretanto,
para o fato de que ela poderá concorrer
com a pesca recreativa oceânica, que
vem crescendo nos últimos anos. O estoque
do agulha-preta e chicharro (espécies
de meia-água) também oferecem
potencial, conforme o trabalho do subcomitê
coordenado pelo Departamento de Pesca da Universidade
Federal Rural de Pernambuco. A pesca dessas
espécies, porém, deverá
ser acompanhada de medidas como a regulamentação
das malhas usadas na captura do peixe.
A pesca do aricó,
do cabeçudo, do trilha e do cambéua,
no Norte, onde as pesquisas foram coordenadas
pelo Centro de Geociências da Universidade
Federal do Pará, poderá ser
expandida, desde que respeitados os cuidados
para evitar a captura incidental de outras
espécies cujos estoques são
reduzidos. A produtividade do atum também
é promissora na região, mas
seu manejo deve seguir as regras da Comissão
Internacional para a Conservação
do Atum Atlântico (ICCAT).
Apesar de não ter
sido direcionado para recursos vivos já
utilizados comercialmente e conhecidos, o
programa revelou que não há
possibilidade de aumento da produção
na maioria dos casos. A sardinha, que antes
ocorria em toda a costa brasileira, hoje é
encontrada apenas na região de Itajaí,
em Santa Catarina, e no Rio de Janeiro. No
final da década de 70, 200 mil toneladas
do peixe eram retiradas do Sudeste. Em 2000,
a produção caiu para 20 mil
toneladas. Seu estoque está, portanto,
sobre-explotado, como dizem os pesquisadores.
Isso corresponde a "pescaria ameaçada".
Na mesma situação estão
o pargo, no Norte, e o camarão rosa,
no Sudeste-Sul. No relatório, os pesquisadores
sugeriram que a pesca da sardinha seja redirecionada
para a cavalinha e a palombeta (abundantes
na região Sudeste-Sul). O quadro revelado
pelo Revizee confirmou que o cenário
para a exploração dos recursos
pesqueiros do país é delicado
e indicou a necessidade de redirecionar as
pescarias a partir da adoção
de estratégias conservativas de ordenamento
da atividade pesqueira. Das 152 espécies
estudadas, 23% já são explotadas,
33% estão sobre-explotadas, 5% estão
subexplotadas e 28% não foram analisadas
conclusivamente.
Os pesquisadores também
descobriram novas espécies. O caso
da Hydrolagus matallanasi é um exemplo.
Ela viveu na costa brasileira por anos e anos
como ilustre desconhecida. O Revizee acabou
tirando do anonimato essa quimera, encontrada
na costa do Rio de Janeiro, Paraná
e Santa Catarina. Em uma década de
trabalho, foram descobertas pelo menos 14
novas espécies de peixes e 50 de organismos
bentônicos (que dependem do leito do
oceano). Foi registrada ainda a ocorrência
de 130 espécies e gêneros, e
dez famílias de bentos, que ainda não
haviam sido encontradas no Atlântico
Sul.
Cerca de 10% das 12 mil
espécies de peixes registradas ocorrem
na área marítima sob a jurisdição
do Brasil. Também é em águas
brasileiras que cinco das sete espécies
de tartarugas marinhas existentes se refugiam
e se reproduzem. Além disso, há
inúmeras rotas migratórias de
espécies que passam pelo mar do país.
Só para se ter uma idéia da
importância do universo azul: aproximadamente
6.500 produtos naturais novos foram desenvolvidos,
nos últimos 20 anos, a partir de recursos
do mar, sendo que 25% deles derivaram de algas
e 33% de esponjas. Há grande potencial,
portanto, para a pesquisa química e
farmacêutica.
Aproximadamente 43 milhões
de habitantes vivem nos 385 municípios
da costa brasileira, que concentra 70% do
Produto Interno Bruto (PIB) do país.
O país possui 17 estados litorâneos.
A produção pesqueira no mar
oscila entre 500 a 600 toneladas por ano.
Segundo dados da Secretaria Especial de Aqüicultura
e Pesca (Seap), em 2005 a pesca contribuiu
com um saldo de 102 milhões de dólares
para a balança comercial.
Investimentos
Entre 1994 e 2004, foram
investidos cerca de R$ 32 milhões no
Revizee. O Ministério do Meio Ambiente
contribuiu com R$ 11,9 milhões para
aquisição de equipamentos e
operacionalização das campanhas,
o que incluiu compra de material de consumo
e manutenção dos navios, logística
e operação dos cruzeiros, deslocamento
de pesquisadores, entre outras atividades.
O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico
e Tecnológico (CNPq), que investiu
R$ 9 milhões no programa, forneceu
704 bolsas de estudo para pesquisadores. A
Secretaria da Comissão Interministerial
para os Recursos do Mar (Secirm) e a Marinha
destinaram R$ 6,2 milhões ao Revizee
para gastos com equipamentos e custos portuários,
além da manutenção dos
navios. A Bahia Pesca, empresa de fomento
ligada ao governo do estado da Bahia, investiu
R$ 3,1 milhões para trazer a embarcação
francesa Thalassa ao país e viabilizar
a pesquisa de prospecção na
região Nordeste.
O Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(Ibama) contribuiu com R$ 1,9 milhão,
cedendo as embarcações NPq.
Riobaldo e Natureza, NPq. Paulo Moreira, NPq.
Soloncy Moura e NPq. Diadorim. A Secretaria
Especial de Aqüicultura e Pesca (Seap)
investiu R$ 200 mil na publicação
do relatório. O valor total dos investimentos
não inclui os gastos com a operação
de navios cedidos pela Marinha do Brasil,
o NOc Antares, e pelo Ministério de
Minas e Energia, que, por meio da Petrobras,
cedeu o Supply boat Astro Garoupa e também
forneceu o óleo combustível
usado nos navios de pesquisa.
Recomendações
Com base nos estudos feitos
durante uma década, os pesquisadores
que participaram do Revizee fizeram várias
recomendações, incluídas
no Relatório Executivo do programa.
Eles sugeriram a criação de
programas de monitoramento e amostragem e
de mecanismos de controle de desembarque.
Apontaram também a necessidade de melhorar
a fiscalização, o cadastro e
o licenciamento da atividade pesqueira. Tudo
para aprimorar a gestão das pescarias.
No que se refere à
conservação, os estudos revelaram
que é preciso implantar áreas
marinhas protegidas e mitigar a captura acidental.
Os pesquisadores ainda recomendaram medidas
de ordenamento, que tratem da competência
e da responsabilidade pela gestão da
pesca. Eles também destacaram a importância
do envolvimento do setor produtivo nessa gestão
para garantir a pesca sustentável.
Ainda sugeriram investimentos na qualidade
do pescado, o que corresponde a melhorias
no armazenamento, manuseio, desembarque e
comercialização. Para os pesquisadores,
é preciso também incrementar
as embarcações disponíveis
para a pesquisa pesqueira e oceanográfica
e para a fiscalização no mar.
Convenção
das Nações Unidas sobre o Direito
do Mar
O programa teve início
em 1994, quando a Convenção
das Nações Unidas sobre o Direito
do Mar entrou em vigor e ampliou os direitos
exclusivos de soberania do Brasil sobre as
águas do mar nos cerca de 3,5 milhões
de quilômetros quadrados da ZEE. Ao
ratificar a convenção, o país
se comprometeu em trabalhar para conservar
e explorar racionalmente as regiões
costeiras, mares e oceanos, plataformas continentais
e grandes fundos marinhos. O Revizee surgiu
a partir desse compromisso.
A comitê executivo
do Revizee, que desenvolveu o programa em
escala nacional, contou com representantes
dos ministérios de Ciência e
Tecnologia (MCT), da Educação
(MEC), e do Meio Ambiente, além do
Comando da Marinha, Ibama, da Secretaria Especial
de Aqüicultura e Pesca, da Secirm e do
CNPq. O trabalho foi desenvolvido de forma
descentralizada, com base nos subcomitês
regionais.
O programa já deu
origem a 20 livros técnico-científicos
publicados com recursos da Petrobras, a partir
de um acordo feito pelo Ministério
do Meio Ambiente. Eles fazem parte da série
Livros Revizee. A obra Caranguejos-de-profundidade
na Zona Econômica Exclusiva da Região
Sudeste-Sul do Brasil: uma análise
da pesca e das capturas do N/P "Kimpo
Maru Nº58" é considerada
referência na área. O livro Prospecção
Pesqueira Demersal com Espinhel de Fundo na
Região Sudeste-Sul do Brasil e a obra
Prospecção de Recursos Pelágicos
por método hidroacústico na
plataforma, talude e região oceânica
da costa Central do Brasil também merecem
destaque. Dentre os já publicados,
ainda é possível citar Pesca
e potenciais de exploração de
recursos vivos na região central da
ZEE brasileira, além de A pesca de
emalhe e de espinhel-de-superfície
na Região Susdeste-Sul do Brasil. Outras
18 obras estão sendo finalizadas.
Mais informações sobre o programa
estão disponíveis no endereço
www.mma.gov.br/revizee.
Revimar
O Revizee será substituído
pelo Programa de Avaliação do
Potencial Sustentável e Monitoramento
dos Recursos Vivos Marinhos na Zona Econômica
Exclusiva (Revimar), que terá a coordenação
do Ibama. Sua apresentação também
fez parte da programação da
cerimônia desta segunda-feira (4), no
Espaço Cultural da Marinha, no Rio
de Janeiro.
Ele foi elaborado para gerar
informações freqüentes,
baseadas no monitoramento da pesca sobre os
principais estoques em toda a costa brasileira.
Seu objetivo é buscar aplicação
das informações obtidas pelo
Revizee, além de complementá-lo
para implementar sistemas mais eficientes
de gestão que garantam a conservação
e utilização sustentável
dos recursos pesqueiros. Com ele, pretende-se
incrementar a co-gestão e as políticas
públicas que visam a sustentabilidade
da atividade pesqueira.
Com esse programa, será
possível pesquisar os recursos ainda
inexplorados, que necessitariam previamente
de um estudo de viabilidade comercial e capacidade
de captura. Assim como o Revizee, o Revimar
contará com o envolvimento da comunidade
científica especializada em pesquisa
sobre estatística pesqueira, dinâmica
de populações, avaliação
de estoques e oceanografia biológica.
Uma das premissas do Revimar
é a busca de métodos que permitam
a compreensão das pescarias, a partir
de critérios mais abrangentes e detalhados
de sustentabilidade, levando em conta a interdependência
entre as espécies, o caráter
pouco previsível dos fatores ambientais
que interferem diretamente sobre o processo
de recrutamento de recursos juvenis à
população adulta, além
dos aspectos econômicos e sociais. Com
esse programa, o governo federal pretende
dar continuidade ao cumprimento dos compromissos
assumidos com a comunidade internacional na
Convenção das Nações
Unidas sobre o Direito do Mar.
O Revimar contará
com uma frota de cinco navios de pesquisa
pesqueira do Ibama e dois navios oceanográficos:
Atlântico Sul (FURG) e Prof. Besnard
(USP). A pesquisa estudará os aspectos
da bioecologia e a dinâmica das populações
das espécies-alvo da pesca.
Assim como o Revizee,
ele será comandado por um comitê
executivo, formado por representantes dos
ministérios das Relações
Exteriores (MRE), da Agricultura, Pecuária
e Abastecimento (MAPA), da Ciência e
Tecnologia (MCT), da Educação
(MEC) e do Meio Ambiente (MMA), além
da Secretaria Especial de Aqüicultura
e Pesca (Seap), da Presidência da República,
do Comando da Marinha, da Secirm e do CNPq.
O programa também será desenvolvido
de forma descentralizada, por meio de subcomitês
regionais.
Marluza Mattos