01/09/2006
- Confira o editorial de Márcio Santilli,
coordenador da campanha 'Y Ikatu Xingu pelo
ISA, sobre projeto da Embrapa na região
das cabeceiras do Xingu, no Mato Grosso, que
pretende, entre outros, realizar uma série
de pesquisas e transferir tecnologias aos
produtores rurais da região sobre recuperação
e proteção de matas ciliares.
No início de agosto,
doze técnicos de diferentes áreas
da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
(Embrapa) estiveram na região de Canarana
para lançar um projeto inovador que,
durante os próximos três anos,
desenvolverá pesquisas específicas
para as características locais e aportará
aos produtores as técnicas e conhecimentos
acumulados em várias unidades da empresa.
O projeto pretende apoiar as iniciativas da
campanha ‘Y Ikatu Xingu, que pretende proteger
e recuperar as nascentes e matas ciliares
nas cabeceiras do rio Xingu.
A Embrapa se propõe
a atuar por meio de parcerias com as prefeituras
municipais, com os sindicatos patronais e
de trabalhadores rurais e com todas as organizações
que somam as suas forças nesta campanha.
A Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat),
representada por sua unidade sediada no município
de Nova Xavantina e na condição
de principal instituição pública
de pesquisa na região, participará
diretamente das atividades do projeto para
aqui manter e poder disponibilizar a todos
os interessados os conhecimentos e resultados
obtidos. O Instituto de Pesquisas da Amazônia
(Ipam), que já desenvolve uma importante
agenda de pesquisas na fazenda Tanguro e em
outras localidades do Mato Grosso, o ISA e
outras organizações comprometidas
com o desenvolvimento sustentável da
região também se associam à
iniciativa.
Nessa conjuntura de restrições
orçamentárias, o lançamento
de um novo projeto só foi possível
com o apoio do Fundo Setorial do Agronegócio,
do Ministério da Ciência e da
Tecnologia, que aportou R$ 500 mil a fundo
perdido, que se somarão às contrapartidas
da própria Embrapa para se chegar a
quase R$ 1 milhão. Ainda é pouco
diante das necessidades da região,
mas já é um bom começo,
o suficiente para viabilizar a presença
da empresa nas cabeceiras do rio Xingu. É
também uma forma de “devolver” aos
produtores locais uma parte dos impostos que
são aqui recolhidos e que ajudam, inclusive,
a compor os recursos daquele fundo.
A campanha ‘Y Ikatu Xingu
ganha, assim, mais uma grande aliada. A Embrapa
poderá desenvolver e validar cientificamente
técnicas de baixo custo, apropriadas
aos ecossistemas da região, para que
os pequenos e grandes produtores interessados
possam recuperar nascentes e matas ciliares
sem desperdício de tempo e de dinheiro.
Poderá, também, orientar os
esforços desses produtores para aumentar
a sua produtividade ou diversificar a sua
produção – por meio da integração
entre a agricultura e a pecuária, por
exemplo – neste momento de dificuldades que
o setor atravessa.
Esta é uma campanha
aberta, desde o seu início, à
participação de todos os segmentos
representativos da sociedade regional. Ela
pertence a todos que se identificam com os
seus objetivos, independentemente de classe
social, de nível de instrução,
de orientação ideológica,
partidária ou religiosa, e de qualquer
disputa “bairrista” entre municípios.
No entanto, exatamente por este seu caráter
de aliança ampla, ela não está
imune aos conflitos que eventualmente pipocam
pela região, como foram os casos, somente
neste ano, dos protestos de produtores contra
a política agrícola, dos índios
contra a construção da hidrelétrica
de Paranatinga e dos moradores de Lucas do
Rio Verde contra a contaminação
por agrotóxicos.
Nessas situações,
em que partes integrantes da campanha se colocam
em pólos opostos, ou expressam divergências
entre si, há pessoas que cobram dela
(ou do ISA, que nela exerce o papel de mediar
e de animar a participação de
todos), um posicionamento a favor de alguma
ou de ambas as partes envolvidas. Há
até políticos de outras regiões
que vêm para cá à caça
de votos fáceis e, para tanto, procuram
envolver a campanha nesses conflitos e espalhar
o divisionismo entre nós. Mesmo sem
duvidar da legitimidade de cada parte envolvida
em cada conflito, a campanha não pode
ceder às visões parciais e vai
prosseguir com a paciência e a tranqüilidade
de sempre, no mesmo rumo generoso e inclusivo
que a caracteriza desde o seu início.
A campanha e o projeto da
Embrapa têm um objetivo comum: apoiar
o desenvolvimento sustentável na região
das cabeceiras do Xingu. Isto não é
um mero jogo de palavras, ou discurso vazio.
Entre nós, o que se procura é
o desenvolvimento sustentável concreto,
no chão, e não no abstrato.
O projeto da Embrapa é uma prova disso
e se junta a dezenas de outras iniciativas
em curso em vários municípios,
que já asseguram investimentos de mais
de R$ 5 milhões para a região
nos próximos anos.
Só por meio da união
em torno de objetivos comuns é que
poderemos encontrar as melhores soluções
para superar a crise. A campanha ‘Y Ikatu
Xingu é um raro espaço desse
tipo, que precisa ser preservado. Protegendo
as águas, bem comum necessário
a todos e cada vez mais valioso, nós
poderemos fazer desta região uma referência
positiva e reconhecida de boa convivência
entre a produção agropecuária
e a conservação dos recursos
naturais e da diversidade humana.
Márcio Santilli
Coordenador da Campanha ´Y Ikatu Xingu
pelo Instituto Socioambiental (ISA).