05/09/2006
- Uma alternativa original foi encontrada
pelos quilombolas de Macapazinho (PA) para
sombrear mudas de açaí BRS Pará
e cupuaçu tolerante à vassoura
de bruxa. Eles precisavam aplicar a técnica
de sombreamento com palha para levar adiante
o trabalho do projeto de agregação
de valor a esses produtos, executado pela
Embrapa Amazônia Oriental (Belém)
em parceria com o Cedenpa (Centro de Estudos
e Defesa do Negro do Pará). Quando
foram aplicar a sugestão tecnológica,
não havia palha disponível e
resolveram então plantar as mudas no
meio da roça.
Deu certo. “A iniciativa
foi criativa e funcionou muito bem. Além
disso, adequa-se perfeitamente à proposta
do projeto, que é trabalhar com comunidades
tradicionais respeitando seus conhecimentos
e soluções próprias”,
avalia o pesquisador Marcus Arthur Marçal
Vasconcelos, responsável pelo projeto
que teve início no final do ano passado
e engloba três comunidades quilombolas
do Pará.
O projeto beneficia um total
de 108 famílias, podendo elevar a renda
familiar em cerca de 30%. As comunidades participantes
são Macapazinho e Boa Vista do Itá,
ambas no município de Santa Izabel
do Pará, e Abacatal, em Ananindeua,
todas na mesorregião metropolitana
de Belém. Até o final do projeto,
em 2007, a meta é desenvolver, validar
e transferir tecnologias para fabricar balas
duras de cupuaçu, bem como produtos
medicinais e cosméticos derivados do
jambu, além de melhorar as práticas
de colheita e manuseio do açaí.
Essas demandas foram levantadas pelo Cedenpa
em 2004, ano em que a organização
procurou a Embrapa para estabelecer parceria.
A Embrapa já levou
para a comunidade remanescente de quilombo
de Macapazinho cerca de 500 mudas de açaí
e cupuaçu. Os comunitários têm
consciência de que cabe à Embrapa
implantar e a eles dar prosseguimento ao projeto,
mesmo depois do seu final. "É
um benefício a longo prazo, para esta
e futuras gerações", reflete
o quilombola Valdeni dos Santos Borges. A
coordenadora do Cedenpa, Maria Luzia de Carvalho
Nunes, resume o que também pensam os
quilombolas:“esse trabalho mostra que é
possível contribuir para a melhoria
da qualidade de vida sem deixar de valorizar
a tradição local".
As dificuldades nas três
comunidades são muitas, entre elas
baixíssima renda familiar e alto índice
de analfabetismo. A pressão exercida
pela expansão urbana e a ocupação
de área por granjeiros e pecuaristas
fortalece o movimento por níveis de
organização comunitária
mais eficazes. Macapazinho e Boa Vista do
Itá ainda lutam pelo direito de propriedade
de suas terras, consagrado pela Constituição
Federal em 1988. Abacatal tem terras regulamentadas
e tituladas desde 1999. A titulação
de uma área garante à comunidade
quilombola o direito à propriedade
da terra e, conseqüentemente, aos benefícios
que isso pode trazer em termos de cidadania,
obtenção de crédito agrícola,
elevação da auto-estima e possibilidade
de reprodução sócio-cultural.
Comunidades quilombolas
– O modo de vida quilombola, com suas formas
diferenciadas de uso coletivo da terra, de
organização familiar e manifestações
culturais, passou a ter maior visibilidade
a partir do reconhecimento dos territórios
tradicionais e do fortalecimento do movimento
social negro no Brasil.
Há cerca de um ano,
o Centro de Cartografia Aplicada e Informação
Geográfica (Ciga) da Universidade de
Brasília lançou um mapa identificando
2,2 mil localidades, cada qual com suas peculiaridades
de reconhecido valor histórico e cultural.
Porém, conforme estimativas da Coordenação
Nacional de Entidades Negras (Conen) divulgadas
na época, esse número poderia
chegar a cinco mil.
O Pará, terceiro
estado com maior número de comunidades
(no mínimo 240), destaca-se na história
dos remanescentes de quilombos. É paraense
a primeira comunidade quilombola que recebeu
o título coletivo de suas terras, em
1995, no município de Oriximiná.
O Estado também inovou na legislação
que regulamenta, a partir de 1998, o processo
de titulação dessa categoria
de terras, porque dá o direito à
auto-identificação das comunidades
sem a necessidade do laudo antropológico
– o que só viria a ser reconhecido
pelo governo federal em 2003.
Dez anos depois de Oriximiná,
o panorama da titulação indica
que o Pará concentrava em 2005 mais
da metade (58%) da dimensão total de
terras quilombolas tituladas no Brasil: quase
530 mil hectares distribuídos em 27
territórios ocupados por 79 comunidades.
Izabel Drulla Brandão