14 de setembro - O último remanescente
de uma etnia desconhecida que perambula pela
região amazônica do oeste de
Rondônia, próximo à cidade
de Corumbiara, chamado de “Índio do
Buraco”, está vivo, provavelmente bem
de saúde, e continua a fazer suas roças
e a caçar. Está é a conclusão
do chefe da Frente de Proteção
Etno-Ambiental do Rio Guaporé, Altair
Algayer, depois de realizar uma expedição,
entre os dias 10 a 13 de setembro, para saber
a localização deste indígena
e as suas condições de sobrevivência.
A história do “Índio do Buraco”
é uma das mais misteriosas e instigantes
das últimas décadas. Ele foi
encontrado por funcionários da Funai
(Fundação Nacional do Índio)
em 1997, quando teve a sua existência
comprovada após muitos rumores na região.
O nome se deve a um enorme buraco, com cerca
de um metro de comprimento, meio de largura
e mais de três metros de profundidade,
que sempre é encontrado dentro de sua
casa. É uma marca pela qual foi possível
identificar aldeias dessa etnia que haviam
sido totalmente destruída por fazendeiros
nos anos 80 e 90. Seria o único sobrevivente
de pelo menos dois massacres sucessivos contra
seu povo: primeiro, um suposto envenenamento
ocorrido por volta de 1985; e depois em 1996,
onde foram encontrados cartuchos de bala e
restos de uma aldeia sob marcas das rodas
de tratores. Mas são suposições
que nunca foram comprovadas. Hoje, existem
plenos vestígios que indicam uma ocupação
antiga na sua área de perambulação.
A Coordenação Geral de Índios
Isolados (CGII) deu início a uma série
de expedições para saber o grau
de proteção etnoambiental das
áreas onde há referências
da existência de grupos indígenas
que não mantém contato com a
sociedade envolvente, que somam mais de 60
locais diferentes em todo o país. Esta
expedição realizada no oeste
de Rondônia foi chefiada por Altair
Algayer e integrada por um novo quadro de
funcionários recém contratados
através de um convênio da Funai
com o Centro de Trabalho Indigenista (CTI),
Leonardo Lênin, Valdomiro de Almeida
e Sulamita Setúbal, além da
ajuda do indígena Samuel Aykana, que
habita a Terra Indígena Tubarão,
próxima à área da expedição.
A equipe entrou numa área de mata
sob interdição judicial com
aproximadamente cinco mil hectares, localizada
entre diversas grandes fazendas, para saber
das condições do “Índio
do Buraco”. Já no primeiro dia da expedição
foram encontrados galhos quebrados, uma pequena
derrubada com pouco mais de 200 m² para
fazer roça e uma armadilha para caça,
uma casa com o tradicional buraco em seu interior,
entre outros rastros que indicam a provável
localização deste índio
isolado. Esses vestígios, em razão
das distâncias localizadas entre eles
e a força que foi utilizada para serem
feitos, tais como o corte de algumas árvores
grandes, também servem para atestar
que ele está bem de saúde e
trabalhando para sua sobrevivência.
“Tivemos um resultado muito bom. Podemos
constatar que ele não está muito
longe de onde esperávamos encontra-lo
e, principalmente, que ele está vivo,
o que era o nosso maior temor”, disse Algayer.
“Precisamos agora acompanhar esses passos
para saber melhor como ele está, se
vai dar continuidade na sua roça, e
se está menos preocupado com a presença
de gente da Funai em seu território”.
Este último temor de Algayer, sobre
a suposta preocupação que teria
em encontrar “brancos”, refere-se, além
das cicatrizes em sua memória dos massacres
que dizimaram o seu povo, ao último
contato visual que ele teve com uma expedição
da Funai em novembro do ano passado.
Nesse último encontro, um integrante
da expedição foi flechado no
peito pelo índio. Acuado, ele fugiu
para o mato e depois disso não se teve
mais notícia de seu paradeiro. “Podemos
supor que ele ainda está desconfiado,
pois não construiu uma casa próximo
ao local onde deu a flechada”, afirma Algayer.
A estratégia da Frente Guaporé,
agora, segundo ele, apenas monitorar a perambulação
e garantir a proteção da mata
sob interdição. “De maneira
alguma vamos tentar o contato, queremos apenas
garantir o direito dele de viver do modo que
ele quiser, de acordo com a sua cultura, em
seu território”, afirmou o chefe da
expedição.
Coordenação de Índios
Isolados
Em processo de reestruturação,
a CGII contratou em agosto 11 novos integrantes.
Após um curso preparatório,
estes novos funcionários foram distribuídos
entre as seis frentes de proteção
etno-ambiental, que realizam ações
de localização, proteção,
vigilância e fiscalização,
em uma área de aproximadamente 14 milhões
de hectares. Essas contratações
fazem parte de um convênio firmado no
ano passado entre a Funai e o CTI, e financiado
pela Fundação Moore. A CGII
é coordenada pelo indigenista Marcelo
dos Santos, que em 1997 comprovou, em campo,
a existência do “índio do buraco”,
além de ter feito os primeiros contatos
e salvo da exterminação outros
grupos indígenas da região,
como os Akunt’su e os Kanoê.
Foto: Funai