07/10/2006
- A ocupação não-indígena
da Terra do Meio foi estimulada sobretudo
pelo ciclo da extração do látex,
entre o final do século XIX e os anos
1940. O declínio da economia extrativista
e as dificuldades de acesso fizeram com que
a região caísse na estagnação
econômica e no esvaziamento demográfico
até meados dos anos 1970. Uma parte
dos seringueiros foi embora, migrando principalmente
para Altamira (PA) em busca de melhores condições
de vida, enquanto outra parte permaneceu mantendo
um modelo de ocupação de baixo
impacto ambiental. O êxodo e o desinteresse
pela a área significaram o isolamento
e a total falta de assistência à
população remanescente, mas
garantiram a preservação ambiental
de um imenso território no coração
do Estado do Pará.
Entre o final dos anos 1970
e início dos anos 1980, no entanto,
os interesses econômicos voltaram-se
para a Terra do Meio, não mais atraídos
pela borracha e pela castanha, que continuavam
a ser exploradas em quantidades reduzidas,
mas pelos minérios e pela madeira,
em especial o valioso mogno. Desde o fim da
década de 11000, a terra também
tornou-se grande atrativo com o rápido
crescimento de um movimentado mercado ilegal
de ocupação, comércio
e grilagem de áreas públicas,
visando sobretudo à implantação
de grandes fazendas de gado.
O avanço sobre a
Terra do Meio iniciou-se a partir do crescimento
de núcleos urbanos ao seu redor originados
da abertura de estradas e da implantação
de projetos agropecuários promovidos
pelo governo federal, nos anos 1970. Atualmente,
as pressões sobre a região vêm
principalmente dos municípios de Novo
Progresso e Trairão, localizados às
margens da rodovia Cuiabá Santarém
(BR-163); de Rurópolis e Uruará,
localizados na Transamazônica (BR-230);
e de São Félix do Xingu, a sudeste.
Daí parte a demanda por novos desmatamentos
e ocupações, que devem aumentar
com o asfaltamento previsto das rodovias Cuiabá-Santarém
e Transamazônica.
Exploração
madeireira
A exploração
madeireira acontece no local desde a metade
da década de 1980, mas intensificou-se
depois de 1995, a partir da estrada conhecida
como Xingu-Iriri, que parte de São
Félix do Xingu em direção
ao coração da Terra do Meio.
O avanço da frente madeireira ocorreu
depois de intensos desmatamentos e do esgotamento
das reservas de mogno em São Félix
do Xingu. A maioria dos madeireiros que atua
na área vem de lá, de Redenção,
Tucumã e Ourilândia.
Já há alguns
anos, a Terra do Meio ficou conhecida como
alvo da “Máfia do Mogno”, grupo de
empresários que extraem madeira de
terras públicas e indígenas
no Pará, simplesmente ignorando o status
jurídico desses territórios
e a presença de populações
tradicionais. Até o início dos
anos 2000, grande parte da madeira processada
em São Félix do Xingu foi retirada
da Terra Indígena (TI) Kayapó,
por exemplo. As evidências dos crimes
cometidos pelas madeireiras são inúmeras.
Também existem denúncias de
uso fraudulento de documentação
oficial, corrupção ativa, aliciamento
de comunidades indígenas e superavaliação
de estoques de madeira nos planos de manejo
florestal para "esquentar" a madeira
retirada de outras áreas, entre outros.
As estratégias empregadas para chegar
até a madeira incluem ainda a compra
do direito de exploração das
áreas de pequenos posseiros e grileiros
e a aquisição de madeira dos
pecuaristas que fazem grandes derrubadas para
abrir pastagens.
A lógica das madeireiras
na região é a do lucro rápido
e não a da implantação
de uma atividade duradoura e sustentável.
Tanto isso é verdade que sua atuação
ainda está centrada na exploração
clandestina, que, embora seletiva, ameaça
a conservação da espécie.
A grande rentabilidade da comercialização
dessa madeira-de-lei acaba compensando os
altos custos da extração e os
riscos envolvidos. Para chegar ás árvores,
os madeireiros chegam a sobrevoar centenas
de quilômetros sobre a mata e utilizam
tratores para abrir estradas ilegais, degradando
trechos de floresta que permaneciam intocados
até então. As toras de mogno
podem ser cortadas em um raio de até
500 km de distância da serraria mais
próxima.
Pecuária
O avanço da pecuária
em direção à Terra do
Meio é mais recente, mas revela-se
de uma rapidez impressionante. Até
a primeira metade da década de 11000,
haviam poucas fazendas abertas, concentradas
basicamente perto da sede urbana de São
Félix do Xingu. A implantação
das fazendas segue na esteira da atividade
madeireira. Embora os atores não sejam
exatamente os mesmos, existe uma grande relação
entre as duas atividades na medida em que
a exploração madeireira capitaliza,
direta ou indiretamente, os atuais e os potenciais
fazendeiros. Além disso, os produtores
agropecuários utilizam as estradas
abertas pelas serrarias. Assim, os meios de
penetração das madeireiras abrem
caminho para a derrubada de grandes parcelas
da mata e para a implantação
de pastagens. Assim, a região acabou
por reproduzir o modelo consagrado na Amazônia
em que as madeireiras ocupam e abrem novas
áreas para a chegada das atividades
agropecuárias, sendo o processo intermediado
pela grilagem.
Belo Monte
Outra das mais sérias
ameaças ao Xingu é o projeto
da usina hidrelétrica de Belo Monte.
O rio apresenta uma série de corredeiras
ao longo de seu curso, até atingir
a planície Amazônica. Entre elas,
há uma área considerada como
a de melhor potencial hidrelétrico
entre os rios da Amazônia brasileira,
localizada na chamada Volta Grande do Xingu,
na altura da cidade de Altamira. A proposta
de construção da obra tem suscitado
muita polêmica e discussões sobre
as conseqüências ambientais do
desvio e represamento das águas do
Xingu (leia o Especial sobre o tema publicado
pelo ISA).
Embora os impactos diretos
previstos devam ocorrer em uma área
relativamente distante da Terra do Meio, é
possível supor que ela seja atingida
indiretamente. A barragem deverá reter
maior quantidade de água no trecho
a montante da Volta Grande, resultando em
um alagamento permanente da área que
se estende até a cidade de Altamira.
O nível da água nesse trecho
deverá ser superior àquele registrado
durante a maior cheia histórica da
região, enquanto que o trecho localizado
à jusante do ponto de represamento
ficará com um fluxo de água
menor que o da maior seca histórica.
Assim, haverá trechos do Xingu simultaneamente
sob condições hidrológicas
extremas e diametralmente opostas.
O grande impacto negativo
esperado não se refere ao nível
do rio propriamente dito, mas sim ao fim das
flutuações sazonais de suas
águas. A ausência do ciclo anual
de enchente e vazante deverá comprometer
os ritmos biológicos de boa parte da
flora e da fauna das margens. Em especial,
as matas alagáveis deverão ser
bruscamente alteradas, com provável
mortalidade de árvores provocada pelo
alagamento prolongado. Algumas plantas características
de ambientes de corredeiras que crescem sobre
as pedras deverão ser extintas localmente.
Várias espécies de peixes que
dependem delas como alimento provavelmente
serão extintos ou terão sua
população muito reduzidas, entre
eles pacus, piaus e acaris, que movimentam
um importante comércio de exportação
de peixes ornamentais na região. Alterações
na qualidade da água e no fluxo do
rio também devem afetar intensamente
a vida aquática.
Esses impactos sobre a floresta
e sobre as populações de certos
peixes na região de Altamira deverão
provocar uma busca por novos locais de pesca
comercial e ornamental que pode estender-se
à montante da cidade até atingir
trechos do Médio e do Alto Xingu e
Iriri. Assim, os rios que limitam a Terra
do Meio poderã sofrer pressões
de pesca crescentes, com o aumento na circulação
de pessoas e embarcações, a
degradação das condições
ambientais nas margens dos rios, o aumento
da caça de subsistência e clandestina.