10/10/2006
- A ocupação não-indígena
ao longo dos rios Xingu, Iriri, Curuá
e Riozinho do Anfrísio, os principais
da Terra do Meio, como em outros locais da
Amazônia, ocorreu induzida pelos ciclos
econômicos nacionais. Em um primeiro
momento, ela aconteceu em ondas sucessivas
associadas à extração
da borracha, que teve seu auge entre o fim
do século XIX e o início do
século XX. O perfil da população
atual, sua dispersão no território,
seu modo de uso da terra e organização
social são reflexos diretos dos altos
e baixos da economia extrativista.
A partir do final do século
XIX, os grupos de seringueiros foram aos poucos
ocupando a região de acordo com a localização
dos seringais. Diversas comunidades se formaram
em vários pontos ao redor dos principais
barracões onde era comercializado o
látex. Durante o período áureo
da borracha, havia uma numerosa população
vivendo ao longo dos rios da Terra do Meio.
Não há levantamentos precisos
sobre essa população à
época, mas sabe-se que chegava à
casa dos milhares, número muito superior
ao atual. Nos anos 1940, a região do
Riozinho do Anfrísio, por exemplo,
chegou a contar com cerca de 200 famílias.
Em épocas diferentes,
o povoamento não-indígena da
Terra do Meio também esteve associado
às medidas emergenciais do governo
de realocação das vítimas
das secas no Nordeste. Estima-se que cerca
de 500 mil migrantes nordestinos tenham se
deslocado para a região Norte do País
desde meados do século XIX. Durante
a II Grande Guerra, o Estado brasileiro estimulou
e organizou a migração para
aumentar a produção da borracha
e atender a demanda gerada pelo conflito mundial.
Os “soldados da borracha”, como ficaram conhecidos
esses trabalhadores, e suas famílias
foram deixados na floresta em condições
de vida precaríssimas e sem nenhum
tipo de proteção social.
A migração
favoreceu o surgimento de uma população
cabocla, descendente de índios e não-índios.
A adaptação dessa comunidade
ao meio ambiente – com o aprendizado, o acúmulo
e a reprodução de um conjunto
de conhecimentos e práticas de manejo
dos recursos naturais – deve muito à
miscigenação.
A exploração
e comercialização da seringa
eram feitas por um contrato de arrendamento
entre o governo e os seringalistas ou “patrões”
da seringa. No contrato, eram concedidos o
uso e a exploração da terra,
que se mantinha propriedade do Estado. O seringalista
pagava o governo com sua produção.
A relação entre o seringueiro
(extrativista), patrões e comerciantes
locais se dava por meio do sistema de aviamento:
o seringalista ou um comerciante, dono dos
barracões (aviador), fornecia mercadorias
e crédito aos seringueiros. Nesses
locais, os trabalhadores trocavam sua produção
por roupas, equipamentos e outras mercadorias
com preços inflacionados. O resultado
era uma dívida permanente dos seringueiros
para com os arrendatários dos seringais,
que, por sua vez, tinham dívidas com
o fornecedor de mercadorias da cidade mais
próxima e responsável pelo envio
da borracha às casas exportadoras em
Belém ou Manaus.
Decadência
Entre os anos 1950 e 1960,
com a criação de materiais sintéticos
substitutos à borracha a economia baseada
nos seringais entrou em decadência e
a população local diminuiu bastante.
Com a saída de cena dos grandes seringalistas,
uma parte da população de extrativistas
permaneceu exercendo a posse dos locais onde
morava.
Casas também continuam
sendo bem simples, de pau-a-pique, algumas
revestidas com o barro branco, e recobertas
de palha de babaçu.
Após a década
de 1970 e até os anos 1980, a ocupação
foi influenciada pelas atividades de garimpo
e pela abertura das rodovias Transamazônica
(BR-230) e Cuiabá-Santarém (BR-163).
A nova leva de migrantes chegou com a exploração
do ouro e foi numericamente inferior àquelas
dos ciclos da borracha, mas encontrou um terreno
já em parte esvaziado pelo êxodo
rural, o que deixou muitos espaços
vazios para ocupação. Alguns
integrantes desta população
flutuante dos garimpos podem ser encontrados
hoje morando ao longo dos rios Iriri e Curuá,
vivendo da mesma maneira que a população
originalmente vinculada à exploração
da borracha. Uma parte da população
tradicional ribeirinha também se engajou
na atividade garimpeira temporariamente, retornando
aos seus locais e costumes antigos com o arrefecimento
da atividade, no final dos anos 1980.
Extrativismo
A quase totalidade dos “beiradeiros”,
como são conhecidos os ribeirinhos,
mantém até hoje o modo de vida
baseado no extrativismo, na pesca, um pouco
de caça e na agricultura de subsistência
da mandioca, arroz, feijão, milho e
abóbora. São plantados ainda
a laranja, o café, o caju e a pimenta-do-reino.
Suas casas, em geral, também continuam
sendo bem simples, de pau-a-pique, algumas
revestidas com o barro branco, e recobertas
de palha de babaçu. Há mais
de 30 anos não existe escola, posto
de saúde ou qualquer tipo de infra-estrutura
básica na região.
As relações
de dependência econômica estabelecidas
com alguns empresários continuam fazendo
parte do dia-a-dia dos beiradeiros. A diferença
é que, antes, as dívidas impagáveis
eram firmadas com o seringalista e, hoje,
os credores são os chamados “regatões”,
comerciantes que cruzam os rios da região
trocando a produção local de
castanha, peixe e óleos de andiroba
e copaíba por produtos de primeira
necessidade a preços escorchantes.
Por sua vez, os regatões também
estão submetidos aos preços
impostos pelos grandes exportadores de matérias-primas
de Altamira e de Belém.
Para se ter uma idéia
da exploração econômica
sofrida pelos ribeirinhos, basta dizer que
eles são obrigados a comprar uma barra
de sabão em pedra, um quilo de açúcar
ou um litro de óleo por R$ 5,00, o
que corresponde a uma caixa de castanhas (entre
25 e 30 quilos). Em média, uma família
consegue coletar de 150 a 300 caixas por ano.
Mas os beiradeiros não
dependem do regatão apenas para compras
básicas. Na maior parte das vezes,
o único meio de transporte da comunidade
continua sendo a canoa ou a rabêta,
uma espécie rudimentar de motor de
popa. Por isso, os moradores têm de
contar com boa vontade dos comerciantes ambulantes
para transportar pessoas doentes e até
falecidas em viagens que podem durar até
cinco ou seis dias até Altamira, a
cidade mais próxima por via fluvial.