10/10/2006
- Em uma campanha eleitoral marcada pela ausência
de propostas sobre questões ambientais
por parte dos candidatos à Presidência
da República, o primeiro debate televisivo
entre Luis Inácio Lula da Silva (PT)
e Geraldo Alckmin (PSDB), neste domingo, 8
de outubro, apresentou uma surpresa: a referência
dos candidatos aos polêmicos projetos
de construção das hidrelétricas
de Tijuco Alto, no rio Ribeira de Iguape,
na divisa entre São Paulo e Paraná,
e de Belo Monte, no rio Xingu, no Pará.
A construção
das barragens foi citada durante debate entre
os candidatos sobre matrizes energéticas.
O candidato tucano criticou a demora do governo
federal em construir hidrelétricas
nos “afluentes do Amazonas”, como o rio Madeira
e Xingu. Disse que o risco de um novo “apagão”
energético existe por conta da "falta
de investimento". “As hidrelétricas
do Norte não saíram do papel,
não temos investimentos novos. Minha
meta é aumentar em 4 mil megawatts
por ano a geração de energia”.
Em resposta, o presidente Lula negou o risco
de apagão e disse que os projetos de
Belo Monte e os do rio Madeira estão
em andamento e sendo discutidos com a sociedade.
E, nesse momento, citou Tijuco Alto. "Tive
que chamar o Antonio Ermírio (o empresário
Antônio Ermírio de Moraes é
dono da Companhia Brasileira de Alumínio
(CBA), proprietária do empreendimento)
para dizer que a usina dele, aqui pertinho
no Vale do Ribeira, não ia sair por
causa dos problemas com o meio ambiente”.
O candidato do PT provavelmente
se referia à decisão de 2003
do Ibama, que em outubro daquele ano devolveu
o Estudo de Impacto Ambiental (EIA/Rima) por
julgá-lo incompleto. No ano seguinte,
no entanto, a CBA deu início a um novo
processo de licenciamento, e em outubro de
2005 entregou o novo EIA/Rima que está
sendo analisado pelo Ibama. Após pedir
algumas complementações nesses
estudos e receber o parecer técnico
dos estados de São Paulo e Paraná,
o órgão federal deve se manifestar
a respeito da viabilidade da obra até
o final deste ano.
De acordo com o advogado
Raul Silva Telles do Valle, do Programa Política
e Direito Socioambiental do ISA, a questão
da projeção sobre a necessidade
de energia nova para os próximos anos,
entretanto, se baseia apenas no crescimento
linear da demanda e não leva em consideração
aspectos importantes que poderiam modificar
essa conta. “Um recente estudo, patrocinado
pelo WWF e realizado por um grupo de pesquisadores
das mais diversas áreas, aponta que
se medidas de eficiência forem efetivamente
adotadas, em 2020 teremos economizado energia
suficiente para suprir mais da metade da demanda
atual”.
Raul do Valle também
afirma que muita energia seria economizada
no Brasil se houvessem mudanças no
destino da energia gerada. “Hoje praticamente
um terço da eletricidade é consumida
por indústrias eletrointensivas, em
sua maior parte multinacionais que geram poucos
empregos e se utilizam do País como
plataforma de exportação de
produtos que suas matrizes não querem
mais produzir, exatamente por consumirem muita
energia para pouco benefício social”.
Para saber mais sobre o estudo.
As usinas de Santo Antônio
e Jirau, no rio Madeira, em Rondônia,
estão em processo avançado de
licenciamento. No final de setembro o Instituto
Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais
Renováveis (Ibama) aceitou os estudos
de impacto ambiental apresentados pela Furnas
Centrais Elétricas. O próximo
passo neste processo é a realização
de audiências públicas nos municípios
afetados.
Belo Monte
Já a usina de Belo
Monte faz parte de um antigo projeto do governo
brasileiro de construção de
usinas hidrelétricas no rio Xingu,
as quais alagariam vinte mil quilômetros
quadrados (quase metade de toda a área
alagada por reservatórios de hidrelétricas
em todo o País até hoje) e alterariam
significativamente as condições
do rio. Há mais de 17 anos, contudo,
a obra vem sendo contestada pelas populações
que vivem na região, como indígenas
e ribeirinhos, que seriam diretamente afetadas
por ela. O mais famoso episódio de
protesto contra Belo Monte se deu em 1989
em Altamira, no I Encontro dos Povos Indígenas
do Xingu, que reuniu 3000 participantes –
650 dos quais índios. Saiba mais sobre
Belo Monte.
Diante da pressão
social, o projeto foi suspenso e remodelado,
de forma a diminuir a área de alagamento,
sendo retomado apenas em 2005, quando o Congresso
Nacional aprovou decreto que autoriza a realização
de novos estudos de impacto ambiental. A Eletronorte
– empreendedora do projeto – afirma que desistiu
do projeto de construir as demais hidrelétricas
do rio Xingu, optando por uma única
barragem, a de Belo Monte. Há estudos
independentes, no entanto, que apontam para
a inviabilidade econômica desse novo
projeto, pois Belo Monte operaria durante
a maior parte do ano com capacidade ociosa
de geração de energia, devido
às mudanças naturais de vazão
do rio Xingu.
Se o conjunto de seis usinas
fosse construído, a maior parte das
terras indígenas existentes ao longo
do rio Xingu e de seus principais afluentes
seria afetada diretamente pela formação
do reservatório e pela alteração
drástica nas condições
naturais do rio e na fauna aquática.
Apesar deste enorme impacto, os povos indígenas
não foram ouvidos pelo Congresso Nacional
quando os parlamentares aprovaram, em julho
do ano passado, o decreto legislativo nº
788/2005, que autorizou a realização
do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) de Belo
Monte pela Eletronorte. O decreto tramitou
menos de 15 dias entre a Câmara dos
Deputados e o Senado Federal antes de ser
aprovado, em um prazo excepcionalmente curto.
No final de março passado, contudo,
o licenciamento de Belo Monte foi suspenso
pela Justiça Federal. A decisão
impede que os estudos prossigam antes que
os povos indígenas que seriam afetados
pelo empreendimento sejam ouvidos pelo Congresso
Nacional.
Tijuco Alto
Apesar de ainda não
estar aprovada pelos órgãos
competentes, o projeto de implantação
da usina de Tijuco Alto vem produzindo efeitos
negativos na região do Vale do Ribeira
há bastante tempo. Centenas de pequenos
agricultores que viviam no local onde seria
implantada a barragem venderam suas terras
à CBA ao acreditar que o território
seria inundado. Muitas famílias que
viviam nestas terras, mas não eram
proprietárias, foram expulsas de suas
casas sem nenhum tipo de indenização,
aumentando o êxodo rural na região
e gerando grande passivo social para a empresa.
Por tudo isso, formou-se
na região o Movimento dos Ameçados
por Barragens (MOAB), composto principalmente
pelas comunidades quilombolas que seriam afetadas.
A essa luta se juntaram outras tantas organizações
sociais que atuam na região e que se
opõem a esse modelo de desenvolvimento
socialmente excludente e ambientalmente insustentável.
Assim, a igreja católica, sindicatos
de trabalhadores rurais e organizações
não-governamentais se associaram ao
MOAB para se opor à construção
das barragens. Saiba mais sobre Tijuco Alto
e a campanha da sociedade civil contra as
barragens no Ribeira.
Para Nilto Tatto, coordenador
do programa Vale do Ribeira do ISA, é
fundamental que ambos os candidatos à
Presidência se atualizem sobre o processo
de Tijuco Alto e tenham a compreensão
e reconhecimento da importante sociobiodiversidade
do Vale do Ribeira. “Eles deveriam assumir
um compromisso com as futuras gerações,
garantindo os serviços ambientais e
a beleza da paisagem de um rio que ainda corre
livre. Será que todos os rios do Brasil
estão condenados a virar lago? Nossos
netos terão a oportunidade de conhecer
algum rio livre?”, indaga Tatto. “Tão
importante quanto este compromisso seria a
coragem dos candidatos em discutir com profundidade
o atual modelo energético, novas matrizes
e, fundamentalmente, compreender que o atual
padrão de consumo implica uma produção
ilimitada de energia, colocando em sério
risco a sustentabilidade de nossos recursos
naturais”.