09/10/2006
- A segunda reportagem do Especial publicado
pelo ISA sobre a Terra do Meio, no Pará,
mostra que a falta de pessoal do Ibama está
impedindo a utilização da verba
para a implementação das UCs
locais. Informações de membros
do movimento social dão conta de que
o desmatamento teria sido retomado e estaria
se sofisticando para driblar a fiscalização.
A Estação
Ecológica (Esec) da Terra do Meio,
com 3,3 milhões de hectares, e o Parque
Nacional (Parna) da Serra do Pardo, com 445
mil hectares, não saíram do
papel mais de um ano e meio depois de sua
decretação. As primeiras etapas
para a implantação das duas
Unidades de Conservação (UCs)
federais – a demarcação de seus
perímetros, o levantamento fundiário
das posses existentes em seu interior e o
mapeamento dos pontos críticos de desmatamento
– ainda não foram realizadas. Apenas
algumas poucas placas indicativas foram instaladas
no Parna. As duas áreas estão
localizadas na Terra do Meio, no Pará,
entre os municípios de Altamira e São
Félix do Xingu, região considerada
como de alta prioridade para a conservação
da biodiversidade no discurso oficial do Ministério
do Meio Ambiente (MMA).
A desorganização
administrativa do Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(Ibama) está impedindo a execução
do orçamento destinado às UCs.
A conta bancária para a movimentação
do dinheiro disponibilizado no ano passado
pelo Programa Áreas Protegidas da Amazônia
(Arpa) para as duas áreas só
foi aberta em agosto e, até hoje, nem
um único centavo foi gasto. Somente
para 2006, estão liberados R$ 873 mil
desde abril. Com o início das chuvas,
entre este mês e o próximo, é
bem possível que a gerência-executiva
do órgão ambiental em Altamira
não consiga aplicar os recursos em
operações de campo até
o fim do ano. Quando a verba prevista não
é utilizada, ela retorna ao Arpa. O
problema pode dificultar a obtenção
de novas dotações orçamentárias
no ano que vem.
A decretação
das duas UCs fez baixar o preço das
terras no movimentado mercado local de grilagem.
Além disso, segundo dados preliminares
do MMA divulgados no início de setembro,
a taxa de desmatamento na Esec da Terra do
Meio pode ter caído em até 76%,
na comparação entre os períodos
2004-2005 e 2005-2006 (confira abaixo tabela
com números do ISA sobre desmatamento
na Esec e no Parna). O Ibama admite, porém,
que o corte de madeira nos limites das duas
UCs continua. De acordo com o Instituto Nacional
de Pesquisas Espaciais (Inpe), a Estação
Ecológica registrou, em agosto, 460
focos de calor, sendo a terceira UC mais queimada
em todo o País. Em setembro, a situação
melhorou na Esec, mas o Parna apresentou 47
focos. Ambos têm regime de proteção
integral, em que são proibidas queimadas.
Fontes não-oficiais
também contrariam a avaliação
de que a região estaria livre de atividades
ilegais. Recentemente, o Greenpeace sobrevoou
a Terra do Meio e constatou a persistência
de uma pista de pouso clandestina na Esec,
apesar das operações de explosão
realizadas pela Polícia Federal, em
fevereiro de 2006. Ainda segundo a organização,
queimadas, extração ilegal de
madeira, movimentação de caminhões
e tratores continuam ocorrendo em toda a região.
Desmatamento sofisticado
O integrante da Comissão
Pastoral da Terra (CPT) e da Prelazia do Xingu,
em Altamira, Tarcísio Feitosa, admite
que as medidas do governo federal na Terra
do Meio tiveram conseqüências positivas
ao inibir a grilagem e outras atividades ilegais.
“Parou de correr dinheiro ilegal na Transamazônica
que era fruto de madeira e de carro roubados,
de drogas, de desvios da Sudam [Superintendência
do Desenvolvimento da Amazônia]. Isso
aconteceu pela presença da fiscalização,
da Receita Federal, do Ministério Público
Federal, da Justiça Federal, do Ibama.”
Feitosa, entretanto, também
contraria os números do governo e acredita
que o desmatamento teria voltado à
Terra do Meio. “No primeiro ano, quem desmata
ficou assustado com o decreto de criação
das áreas. Aí o Estado foi lá.
O Ibama ficou 15, 20 dias e foi embora. O
que eles pensaram? – ‘O governo não
tem fôlego para agüentar a gente’.”
E lembra que cresceu a venda de sementes de
capim em São Félix do Xingu,
indício da retomada da ocupação
de novas áreas. O membro da CPT avalia
que há uma mobilização
orquestrada por grupos do município
para ocupar e descaracterizar a Esec e o Parna.
Segundo Feitosa, as madeireiras
ilegais e os fazendeiros vêm sofisticando
suas estratégias. Para evitar a fiscalização,
estariam trabalhando durante a noite e até
em época de chuva, quando o corte de
árvores usualmente é suspenso
na Amazônia. Estariam ainda multiplicando
os pequenos desmatamentos, com menos de 25
hectares, que não são identificados
pelos satélites do sistema de Detecção
em Tempo Real de Desmatamento na Amazônia
(Deter), desenvolvido pelo Inpe para fornecer
informações sobre desmates em
curto espaço de tempo e subsidiar ações
rápidas de fiscalização
em campo.
Desmobilização
“O que está acontecendo
com as áreas de proteção
integral? O pessoal está desmobilizado.
Eu me deparei com essa desmobilização”,
confessa Roberto Scarpari, gerente-executivo
do Ibama em Altamira, referindo-se aos seus
próprios subordinados. O economista
entrou no órgão há pouco
menos de um ano e foi nomeado chefe do escritório
local em dezembro de 2005. Ele argumenta que
faltou formação aos seus funcionários
para movimentar os recursos das duas UCs.
Scarpari admite que as ações
para a implantação das duas
áreas ainda são “incipientes”.
Nenhuma grande operação para
encontrar e desativar desmatamentos ilegais
no local foi realizada neste ano, mas apenas
algumas pequenas incursões de fiscalização,
realizadas em “caronas” de ações
originalmente destinadas às Resex Riozinho
do Anfrísio e do Iriri.
Scarpari reclama ainda do
pequeno número de funcionários
de sua gerência. Incluindo a base operativa
prevista no Plano de Prevenção
e Controle do Desmatamento na Amazônia
do governo federal, a gerência do Ibama
em Altamira conta hoje com 20 servidores e
dez policias para cobrir sete municípios
– 231,7 mil quilômetros quadrados, uma
área quase do tamanho de Rondônia.
“É óbvio que vamos ter de correr
atrás agora, principalmente as pessoas
diretamente envolvidas da equipe. Vamos ter
de priorizar. De repente, estamos acordando
para isso.” Scarpari afirma que até
o fim do ano deverão ser realizadas
ações para assegurar uma presença
mais efetiva do Ibama na região. A
demarcação física da
Esec e do Parna deve começar só
no primeiro semestre de 2007.
“Desde que as duas UCs foram
criadas, no ano passado, trabalhamos duro
para aprovar verbas para elas com nossos financiadores.
Não havia servidores indicados para
abrir a conta e movimentar o dinheiro, por
isso ele ainda não foi gasto”, explica
Ronaldo Weigand, coordenador do Arpa, instituição
gerida pelo MMA. Ele lembra que o Ibama poderia
utilizar outros caminhos administrativos para
financiar ações nas duas UCs.
“O Fundo Brasileiro para Biodiversidade (Funbio)
disponibiliza R$ 10 mil reais por mês
que podem ser repassados diretamente para
a gestão das áreas, sem trâmites
burocráticos complicados.” A partir
do ano que vem, o Arpa iniciará um
procedimento que vai diminuir os recursos
para as UCs que não conseguirem executar
seu orçamento no ano anterior.
“Obviamente, temos enormes
insuficiências”, assume Valmir Ortega,
titular da Diretoria de Ecossistemas do Ibama,
órgão responsável pelas
UCs de proteção integral em
todo o País. Ele argumenta que os quase
70 milhões de hectares de UCs federais
existentes hoje sobrecarregam o Ibama, o qual
também tem dificuldades de manter equipes
permanentes em locais isolados da Amazônia.
Ortega avalia que o ingresso de novos servidores
no órgão e a regulamentação
do instrumento da compensação
ambiental – pelo qual proprietários
rurais que estejam inadimplentes com suas
obrigações ambientais investem
em UCs – poderão acelerar o processo
de implantação das áreas.
Oswaldo Braga de Souza.