18
de Outubro de 2006 - Thais Brianezi - Repórter
da Agência Brasil - Manaus - Líderes
indígenas de São Gabriel da
Cachoeira, no Amazonas, receberam hoje (18)
do Instituto do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional (Iphan) a certidão
de Patrimônio Cultural do Brasil concedida
à Cachoeira de Iauaretê, um local
sagrado para os povos Tariano e Tukano, que
habitam a região. A cachoeira foi o
primeiro lugar do Brasil reconhecido como
bem cultural imaterial – o registro foi aprovado
pelo Conselho Consultivo do Iphan em agosto.
Segundo a diretora do Departamento
de Patrimônio Imaterial (DPI) do Iphan,
Márcia Sant’Anna, o processo de registro
da Cachoeira de Iauaretê teve início
em 2004, a pedido de associações
indígenas locais. “Como bem imaterial
reconhecido pelo Iphan, a cachoeira terá
divulgação ampla do Ministério
da Cultura e também contará
com um plano de salvaguarda, elaborado junto
com as comunidades”, afirmou Márcia
Sant'Anna, em entrevista à Radiobrás.
Entre as ações
já previstas, Márcia Sant'Anna
citou a inserção da cachoeira
no currículo da escolas indígenas,
a realização de uma pesquisa
arqueológica no seu entorno e de gestões
junto ao Museu do Índio de Manaus para
repatriação de ornamentos sagrados
roubados por estrangeiros.
A Cachoeira de Iauaretê
é, na verdade, uma corredeira – um
trecho do rio Uapés, na confluência
com o rio Papuri, no qual há desnível
do solo e muitas rochas. Fica na fronteira
do Brasil com a Colômbia: de um lado
é o Amazonas; do outro, o país
vizinho.
“É uma paisagem cultural,
com vários locais sagrados. A história
do povo Tariano está inscrita nas pedras”,
afirmou gerente de identificação
do DPI/Iphan, Ana Gita de Oliveira. “Esses
lugares ficam submersos durante o ano quase
todo. As pedras só são visíveis
em fevereiro, quando o rio está em
seu nível mais baixo”.
Ela disse que Iauaretê
significa “cachoeira das onças”, em
nheengatu – a língua geral ensinada
pelos jesuítas aos indígenas.
Na mitologia do povo Tariano, os homens-onça
habitavam o mundo quando surgiu Arcome, o
ente criador dos indígenas. Arcome
foi perseguido pelos homens-onça e,
na fuga, caiu algumas vezes – as pedras marcam
o local das quedas, no qual o criador se transformava
em animais e deixava conhecimentos aos Tariano,
como as tecnologias tradicionais de pesca.
“Esses mitos são códigos ambientais,
sociais e cosmológicos”, resumiu a
gerente.
O distrito de Iauaretê
fica a pelo menos um dia de viagem de voadeira
(canoa motorizada) da sede de São Gabriel
da Cachoeira. Com cerca de 3 mil moradores,
tem aspecto de uma pequena cidade, dispondo
de energia elétrica, telefonia, hospital
e escolas. Lá funciona, desde os anos
80, um pelotão do Exército,
com pista de pouso, construído pelo
Projeto Calha Norte - um programa de defesa
e colonização da fronteira norte-amazônica.
Pela definição
da Organização das Nações
Unidas para Educação, Ciência
e Cultura (Unesco), patrimônio cultural
imaterial são as práticas, representações,
conhecimentos, objetos e lugares associados
aos saberes de grupos e comunidades, transmitidos
por gerações e constantemente
recriados. A cachoeira de Iauaretê é
o oitavo bem cultural imaterial registrado
no Brasil – os outros sete são a arte
Kusiwa dos índios Wajãpi; o
ofício das paneleiras de Goiabeiras;
o samba de roda no Recôncavo Baiano;
o Círio de Nossa Senhora de Nazaré;
o ofício das baianas de acarajé;
a viola-de-cocho; e o jongo.