20/10/2006
- Professores e lideranças Tukano,
Wanano e Baniwa do Alto Rio Negro, no Amazonas,
realizam viagem a Roraima e trocam com os
povos Yanomami experiências e conhecimentos
em educação, cultura e manejo
de recursos naturais.
O programa de intercâmbio
entre povos indígenas de diferentes
pontos da Amazônia, implementado através
da Rede de Cooperação Alternativa
(RCA), ganhou mais um capítulo no final
de setembro, quando um grupo de pessoas do
Alto Rio Negro, no Amazonas, visitou algumas
comunidades Yanomami em Roraima. O encontro
foi uma oportunidade para a troca de experiências
e conhecimentos sobre educação
escolar, manejo de recursos naturais e políticas
lingüísticas entre os participantes.
Estiveram presentes na viagem Antenor Nascimento
Azevedo e Vicente de Paulo Vilas Boas Azevedo
(Tukano), pela Associação da
Escola Indígena Tukano Yupuri (AEITY),
Mariano José Gama Álvares (Wanano),
pela Associação da Escola Khumuno
Wu’u Kootiria (ASEKK) e Mario Farias (Baniwa),
pela Organização Indígena
da Bacia do Içana (OIBI). Laise Lopes
Diniz, da equipe do Programa Rio Negro do
ISA, também participou do intercâmbio,
que foi realizado com o apoio da Comissão
Pró-Yanomami (CPY).
A língua usada para
a comunicação entre os grupos
foi o português, mas como estavam presentes
falantes de quatro línguas indígenas,
duas do tronco lingüístico Tukano
Oriental (Tukano e Wanano), uma do tronco
lingüístico Aruak (Baniwa) e da
língua Yanomami, em vários momentos
as línguas próprias de cada
povo foram utilizadas, com a troca de informações
sobre as diferentes formas de denominarem
animais, plantas e outros objetos.
Educação
escolar indígena
Durante toda a estadia em
Roraima o grupo visitante buscou entender
o programa de educação escolar
Yanomami, que visa incentivar a manutenção
e o desenvolvimento da língua própria
deste povo. Todo o ensino é feito nessa
língua, colocando-a em grau de importância
maior do que o português. O processo
de ensino/aprendizagem está organizado
em dois grupos de alunos, os que estão
iniciando a vida escolar e aprendendo a ler
e escrever e os que já sabem ler e
escrever. Com o primeiro grupo os professores
atuam principalmente com a alfabetização,
sempre na língua Yanomami.
Com o segundo grupo são
introduzidos estudos mais avançados
organizados em áreas temáticas,
como direito indígena, história,
geografia, matemática e ciências.
Mas, nessa etapa, a língua de instrução
é o Yanomami e a língua portuguesa
é introduzida através da conversação.
Para os professores do Alto Rio Negro a organização
de todo o ensino na língua trouxe a
certeza de uma educação própria
dos Yanomami: “Eles estão realizando
sua própria educação
escolar, sem seguir os modelos que já
existiam antes, isso vai fazer com que tenham
avanços grandes e rápidos nas
suas organizações e projetos”,
disse Mário Farias.
O que é percebido
nas escolas das malocas Yanomami é
que os professores e os demais desejam que
sua língua tradicional seja usada para
formular, analisar e sistematizar os conhecimentos,
favorecendo o fortalecimento das suas tradições
e o desenvolvimento de sua língua.
As políticas lingüísticas
no ensino foram temas das conversas, pois
também a região do Alto Rio
Negro tem optado pela alfabetização
nas línguas próprias e o português
é usado como segunda língua
em níveis mais avançados, ou
seja, a partir do terceiro ciclo de ensino.
Manejo de recursos
naturais
Sobre os objetivos das escolas
nas comunidades indígenas foram discutidos
temas que são desafios atuais para
esses povos: o manejo ambiental referente
à diversidade das roças e o
manejo dos recursos pesqueiros e caça.
Neste contexto, os representantes das escolas
pilotos do Rio Negro (que recebem apoio do
Unicef e da Rainforest da Noruega) relataram
a estratégia que tem sido usada na
região, através do ensino e
pesquisa, pela qual professores e alunos têm
realizado em vários contextos o manejo
ambiental dos seus territórios, com
o registro dos conhecimentos tradicionais
e experiências práticas como
a piscicultura.
No tema do manejo ambiental,
as escolas-piloto do Alto Rio Negro tiveram
muito a acrescentar, apresentando a filosofia
do ensino via pesquisa, que tem como base
de trabalho o diagnóstico de seus territórios
e se relacionam com a busca de caminhos possíveis
para a melhoria da qualidade de vida das comunidades.
A estratégia também envolve
elaboração de livros, informativos
e apostilas - que foram entregues aos professores
Yanomami.
Os professores Yanomami
apresentaram suas idéias futuras de
educação, como um projeto enviado
ao Ministério da Educação
para a Construção de um Centro
de Formação, onde funcionarão
os níveis mais avançados da
escola da maloca, e onde poderão ser
instalados computadores e estruturadas bibliotecas.
Na avaliação da equipe visitante,
o centro de formação irá
fortalecer o processo educativo próprio
dos Yanomami, pois assim terão como
discutir também a formação
dos Agentes Indígenas de Saúde
e Agentes de Manejo.
O projeto de viveiros de mudas implementado
pelos Yanomami foi apontado como sendo muito
importante pelos professores, pois irá
garantir o plantio das variedades de bananas,
batatas e outras plantas que servem para alimentação.
A idéia é garantir uma segurança
alimentar e ao mesmo tempo a manutenção
dos conhecimentos tradicionais sobre essas
plantas. Esse projeto foi pensado porque o
plantio de macaxeira tornou-se importante
devido à produção de
caxiri, cujo consumo aumentou com o contato
com os garimpeiros, trazendo diversos problemas
nutricionais e sociais. A equipe do Rio Negro
relatou também os problemas que existem
em sua região referentes à saúde
e ao consumo do caxiri, bebida tradicional
nessa região.
A vida e as aulas
na maloca
Nas atividades de aula,
nas malocas Maharau e Xokotha, é possível
perceber que na escola da maloca estão
todos diretamente ou indiretamente envolvidos,
num espaço aberto ao debate e à
construção dos conhecimentos.
Assim, os jovens têm aula sobre matemática,
história, ciências, geografia,
manejo, direito, e ao mesmo tempo acompanham
os acontecimentos do entorno e todos os que
estão na maloca participam desse processo.
Esta experiência é valiosa para
o Rio Negro, de acordo com Vicente Azevedo.
“Ver como outros parentes estão fazendo
sua própria educação
só nos dá força para
continuar na luta de ter o nosso direito cumprido.
A escola diferenciada é importante
não só para os povos do rio
Negro e para os Yanomami, mas para todos os
indígenas”, afirma.
Viver estes poucos dias
dentro das malocas junto com os Yanomami trouxe
reflexões sobre as diferentes formas
de organizações dos povos indígenas
e os processos de contatos. As comunidades
Yanomami estão organizadas por malocas,
com seus espaços de transmissão
de conhecimento, cerimônias tradicionais,
produção de alimentos e escolas.
Muito diferente das comunidades do Alto Rio
Negro, que estão organizadas em casas
familiares e contam uma casa separada destinada
ao funcionamento da escola. Como agradecimento
à estadia nas malocas e a todo o aprendizado
de vida, os representantes dos povos do Alto
Rio Negro fizeram um dabucuri, na maloca Sikamapiu,
com a dança do mawako, entregaram livros,
informativos, artesanatos e presentes que
levaram para os Yanomami.
ISA, Laise Lopes Diniz.