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Oct 2006 - José Eli da Veiga - Com
o propósito de obter um Produto Interno
Líquido (PIL), que chegou a ser chamado
de “PIB-verde”, muitos economistas apostaram
em técnicas de precificação
dos bens e serviços naturais (e também
de outros intangíveis) para os quais
não existem mercados. Conforme avançaram
nesse rumo, perceberam que estoques são
muito mais significativos para a avaliação
da riqueza do que os fluxos captados por cálculos
de produto. Passaram, então, a procurar
modos de estimar o que chamam de “poupança
genuína”, ou de “poupança líquida
ajustada”.
No entanto, até agora,
não conseguiram fazer estimativas sobre
a depreciação de ativos cruciais,
como água potável, solo, áreas
de pesca oceânicas, florestas e manguezais.
Também fica de fora a atmosfera, que
serve para despejo de particulados, nitrogênio
e óxidos de enxofre. Pior: os preços
estimados para atribuir valor monetário
aos bens naturais que entraram na lista baseiam-se
em premissas que ignoram a capacidade limitada
de sistemas naturais recuperarem-se de perturbações
(a resiliência). Resultados demasiadamente
precários, portanto, como ficou evidente
no ano passado, quando veio a público
o relatório do Banco Mundial “Where
is the wealth of Nations?”.
É sorte, portanto,
que outro grupo de economistas tenha rejeitado
essa crença na necessidade de colocar
preços em ativos ambientais. Em vez
de fazer malabarismos para afirmar qual seria
o valor monetário da camada de ozônio,
do mico-leão-preto, ou do bem-me-quer,
procuram mobilizar todos os conhecimentos
científicos disponíveis para
chegar a medidas físicas da sustentabilidade.
E entre as várias tentativas que vêm
surtindo efeito nos últimos dez anos
- desde que a ONU se empenha nessa direção
- nenhuma conseguiu superar em clareza e simplicidade
os dois indicadores básicos propostos
pelo WWF Internacional em seus relatórios
bianuais intitulados “Living Planet Report”:
• O “LPI” (Living Planet
Index) é um índice sintético
da biodiversidade global, que se baseia no
estado de mais de 3.600 populações
de 1.313 espécies de vertebrados. Ele
é composto de três dimensões
que acompanham 695 espécies terrestres,
274 marítimas e 344 de água
doce. O relatório de 2006, que acaba
de ser lançado, indica essencialmente
que o declínio da biodiversidade global
no período 1970-2003 foi de assustadores
30%.
• A “pegada ecológica” (Ecological
Fooprint”) mede a pressão que a humanidade
está exercendo sobre a biosfera, representada
pela área biologicamente produtiva,
tanto terrestre quanto marítima, que
seria necessária para a provisão
dos recursos naturais utilizados e para a
assimilação dos rejeitos. (O
consumo de água doce é tratado
à parte por ser impossível expressá-lo
em hectares globais). Uma vez obtida essa
“pegada” para qualquer unidade territorial
(localidade, região, país, etc.),
ela pode ser comparada à respectiva
capacidade biológica, também
apresentada em hectares globais. O principal
resultado dessa comparação é
que, em 2003, a pressão exercida pela
humanidade foi 25% superior à capacidade
da biosfera atendê-la com serviços
ecossistêmicos e absorção
de seu lixo.
Ainda mais importante do
que essas impressionantes cifras globais são
as ricas tabelas que permitem comparações
entre os países. Por exemplo: em hectares
globais equivalentes, há sérios
déficits ecológicos per capita
nos EUA (- 4,8), na China (- 0,9) e na Índia
(- 0,4). Mas, felizmente, ainda existem significativas
reservas em alguns países, como na
Rússia (+ 2,5) e, sobretudo, no Brasil
(+ 7,8). Reservas que tenderão a desaparecer
com rapidez se não for derrubada a
ditadura do PIB como única e sacrossanta
medida de riqueza. Um temor que só
pode ser poderoso convite ao exame dos três
cenários apresentados no final do relatório.
A simples projeção das tendências
atuais mostra que sérios colapsos se
avizinharão. Com moderada mudança,
até haverá chance de que a pegada
se alinhe à biocapacidade, mas somente
no próximo século. E se a utopia
do desenvolvimento sustentável for
levada a sério, essa proeza poderá
ser alcançada em meados deste século.
José Eli da Veiga,
58, professor titular da USP (Departamento
de Economia e Programa de Pós-Graduação
em Ciência Ambiental) autor de “Desenvolvimento
Sustentável – O desafio do Século
XXI” (Rio de Janeiro: Ed. Garamond), e membro
do Conselho Consultivo do WWF-Brasil.