03
de novembro - Com imenso pesar, a Funai (Fundação
Nacional do Índio) vem comunicar o
falecimento de To’ó Guajá, 35
anos, habitante da aldeia Juriti, na Terra
Indígena (T.I.) Awá. Casado
com Amapirahã, ele deixa quatro filhos:
os meninos Kawui, 10, e Macoari, 2 anos, e
as meninas Aparanain, 6, e Panatxin, 16, mãe
de Manatxia, neto de To’ó com um ano
de idade.
Na madrugada do dia 27 de
outubro, To’ó foi encontrado morto
por seu primo e amigo de infância Wirakatako,
no quarto do hotel em que estavam hospedados
na cidade de Santa Inês, Maranhão.
Eles acompanhavam uma equipe da Funai para
encontrar vestígios e tentar uma aproximação
com um grupo Awá-Guajá que vive
isolado dentro da Terra Indígena Araribóia,
para onde se dirigiriam no dia seguinte.
A causa mortis diagnosticada
no Hospital Menino Jesus de Praga, para onde
foi levado imediatamente, foi falência
cardiorespiratória com um enfarto no
miocárdio. De acordo com o médico
responsável, nenhuma razão foi
encontrada como causa do enfarto. O corpo
foi transportado até a aldeia, no mesmo
dia, onde foi velado pelos parentes.
Awá-Guajá
sem contato
To’ó acompanhava
a equipe da Funai, ligada à Coordenação
Geral de Índios Isolados (CGII), criada
exclusivamente com o objetivo de aumentar
a proteção aos grupos Awá-Guajá
sem contato. Atualmente, há suspeitas
de que existam quatro grupos que vivem de
forma autônoma na região. To’ó,
que falava bem português e já
havia participado de contatos anteriores com
grupos Awá-Guajá, foi convidado
para colaborar com a equipe por causa de sua
experiência. Perfeitamente consciente
da situação de seu povo, ele
era profundamente engajado na proteção
territorial das áreas habitadas pelos
Awá-Guajá e um líder
expoente desse grupo.
De Santa Inês, a equipe
da Funai iria para Imperatriz, onde adentraria
as matas da T. I. Araribóia para confirmar
as suspeitas da existência de um grupo,
com cerca de 40 pessoas, que vinham sendo
vistos esporadicamente na área por
índios Guajajara. Em razão da
presença de madeireiros, que há
algum tempo vêm entrando na T.I. Araribóia
- às vezes com a conivência de
indivíduos Guajajara -, esse grupo
Awá-Guajá pode correr risco
de contrair doenças em contatos não
desejados ou, simplesmente, pelo recolhimento
de roupas e materiais.
Nesse sentido, To’ó
seria um dos responsáveis para explicar
a estes outros Awá-Guajá sem
contato sobre a situação em
que vivem e para alertá-los dos perigos
que correm ao tocarem os objetos deixados
pelos invasores. “O objetivo não é
fazer um contato ou, muito menos, transferir
esse grupo da Araribóia para outra
Terra Indígena. Mas apenas ver as melhores
formas de protegê-los onde eles estão”,
explica o coordenador da CGII, Marcelo dos
Santos. O outro objetivo da viagem era obter
informações precisas sobre a
venda de madeira na região para organizar
uma operação de retirada dos
madeireiros.
Além desse grupo
de Araribóia, há conhecimento
também da existência de outros
índios Awá-Guajá sem
contato na região da T. I. Krikati.
Nesse caso, To’ó também iria
acompanhar a expedição para
auxiliar os trabalhos de proteção
de seu povo.
Dentro da T. I. Awá,
onde vive a família de To’ó,
há informações sobre
outros dois grupos sem contato. Um deles é
parte da família de Kamará Guajá,
contatado em 1998, que habita também
a aldeia do Juriti. Os vestígios desse
grupo foram encontrados no limite da T.I.
Awá, e teme-se que esteja ocupando
uma área fora da proteção
legal e sob uma grande ameaça por parte
de posseiros e madeireiros da região.
Também no limite da TI Awá,
fronteira com a Terra Indígena Caru,
há informações de um
outro grupo, com cerca de 15 pessoas, supostamente
Awá-Guajá, também isolados
e ameaçados.
A equipe é chefiada
pelo indigenista Maurício Wilke, e
fazem parte dela o enfermeiro José
Ângelo Pereira Costa, responsável
também pelo acompanhamento da saúde
dos indígenas integrantes, e Adelino
Meireles, auxiliar de sertanista da Funai,
e Wirakatako, irmão de To’ó
e residente na aldeia Awá, na T. I.
Caru.
A função da
CGII, segundo o Regimento da Funai, é
de “garantir aos índios e grupos isolados
o direito de assim permanecerem, mantendo
a integridade de seu território, intervindo
apenas quando qualquer fator coloque em risco
a sua sobrevivência e organização
sócio-cultural”. De acordo com a nova
postura da Coordenação, o desenvolvimento
de ações que estimulem o contato
só será possível após
a constatação de que o grupo
isolado encontra-se sob extrema ameaça
à sua integridade física e cultural.
Depoimento do antropólogo
Mércio Pereira Gomes, presidente da
Funai
Conheci To’ó em maio
de 1980, quando fizemos o primeiro contato
com um grupo Awá-Guajá que vivia
no igarapé Timbira, acossado por uma
intensa frente de agricultores no vale do
Pindaré. Estavam comigo os índios
Awá-Guajá Txiparentxia e Takytxia,
dois funcionários da Funai, um médico,
e o saudoso missionário do Cimi (Conselho
Indigenista Missionário) padre Carlo
Ubbiali, que permaneceu com eles durante todo
o contato e também presenciou, tristemente,
a morte de seis índios na ocasião.
Embora o contato tenha sido tranqüilo
e amistoso, uma parte desse grupo se embrenhou
na floresta e só foi recontatado um
mês depois. Entre eles, estava To’ó,
um menino com cerca de 10 anos de idade. Seu
pai, sua mãe e seu irmão morreram.
To’ó criou-se como um órfão,
ajudado por sua irmã e seu cunhado,
sob a liderança de Txipatxiá.
Dos 22 Awá-Guajá que se instalaram
no Posto Indígena (PIN) Awá,
junto dos quais se agregaram outros grupos
Awá-Guajá vindos da T.I. Caru,
somam hoje mais de 130 indivíduos.
To’ó casou-se com Amapirahã
e foi viver com ela e seu grupo no Alto Juriti.
Com freqüência, visitava seus parentes
e amigos no PIN Awá, na beira do rio
Pindaré. Também conheceu os
Awá-Guajá da T.I. Alto Turiaçu.
Todos nós sofremos com a sua morte
inesperada.