16/11/2006
- Escrito por Paulo Moutinho, do Instituto
de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam),
Stephen Schwartzman, do Enviromental Defense
(ED), e Marcio Santilli, do Instituto Socioambiental
(ISA), o texto destaca a introdução
da correlação floresta-clima
na agenda de mudanças climáticas.
A questão está sendo puxada
por um grupo de países tropicais liderado
por Papua Nova Guiné. De sua parte,
o governo brasileiro apresentará importante
proposta na Conferência das Partes,
que se realiza este mês de novembro
em Nairobi, Qûênia, para a redução
compensada do desmatamento. A idéia
é criar um mecanismo apropriado para,
finalmente, se tratar da questão das
florestas no âmbito do tema da mudança
climática, apesar dos esforços
dos Estados Unids em obstruir as negociações
e minar esforços para limitar emissões
de gases de efeito estufa na atmosfera.
O fenômeno global
do aquecimento da atmosfera terrestre, antes
somente uma conjectura, é agora uma
realidade observada. Só recentemente,
a atual tendência científica
cuidadosamente previu uma mudança gradual,
com efeitos palpáveis no médio
prazo; cada vez mais, cientistas acham que
os sinais de mudança climática
manifestam-se em furacões, derretimento
das calotas de gelo polar e nas secas na Amazônia.
Estima-se que, sob atuais tendências
de emissões, em 2100, a temperatura
média aumentará entre 4º
e 7º C com consequências sociais
e ambientais potencialmente catastróficas,
incluindo elevação dos níveis
do mar, inundação de cidades
costeiras e transformações ecossistêmicas
em grande escala.
O consenso científico
levou a maioria esmagadora de líderes
mundiais a adotar a Convenção-Quadro
das Nações Unidas sobre Mudança
do Clima (UNFCCC) em 1992 e a estabelecer
metas obrigatórias para redução
de emissões no Protocolo de Kyoto em
1997 para os países desenvolvidos (aqueles
incluídos no Anexo I do Protocolo –
veja a lista dos países no quadro ao
final do texto).
O Protocolo de Kyoto impõe
às nações industrializadas
limites obrigatórios de emissões
de dióxido de carbono - causador do
aquecimento global -, com o objetivo de reduzi-las
entre 2008 e 2012 em 5,2% em relação
aos níveis de 11000. Foi ratificado
por 166 países e está em vigor
desde 16 de fevereiro de 2005. (leia aqui
o protocolo na íntegra)
As reduções
de emissões de CO2 comercializadas
nos mercados de carbono europeu em 2005, atingiram
2,2 milhões de toneladas por dia. Assim,
abriu-se o primeiro mercado internacional
de serviços ecossistêmicos, criando
um valor econômico positivo para a proteção
ambiental. O bem que este mercado pode fazer
ao meio ambiente global é potencialmente
enorme. Isto, por si só, mostraria
que Kyoto está funcionando. O progresso
é evidente mesmo onde as ações
são obscurecidas por políticas
nacionais. Por exemplo, o maior estado norte-americano,
a Califórnia, comprometeu-se a reduzir
as emissões de CO2 de seu setor energético
e de transporte, e está sendo seguido
por outros. Em junho de 2005, o Senado dos
Estados Unidos aprovou uma resolução
exigindo um limite mandatório de emissões
nacionais.
Entretanto, as ameaças
a um regime internacional de redução
de emissões mais efetivo são
sérias. A atual administração
dos EUA, com um notável cinismo mesmo
para padrões diplomáticos de
poder significativo, repudia o Protocolo de
Kyoto taxando-o de inadequado, sem oferecer
nenhuma alternativa confiável, e trabalha
para obstruir as negociações
e minar qualquer esforço para limitar
emissões. A maioria das nações
concorda com o princípio de responsabilidades
mútuas e diferenciadas inscrito na
UNFCCC – mas a questão de quando e
como extensos países em desenvolvimento
tais como Brasil, China e Índia vão
participar de esforços de reduções
internacionais permanece significativa e com
o potencial de arruinar as negociações.
Nem a Convenção e tampouco o
Protocolo oferecem atualmente quaisquer recursos
para lidar com uma fonte de emissões
aproximadamente da mesma ordem dos EUA – o
desmatamento tropical que responde por 20%
das emissões globais de CO2.
A continuidade e efetividade
do Protocolo de Kyoto vão depender
da adoção de metas adicionais
por parte dos países do Anexo I, de
redução das suas emissões
depois de 2012 em relação às
que foram acordadas para o primeiro período
de compromisso. Para esse fim, mecanismos
que facilitem a participação
mais ampla de países em desenvolvimento
nos esforços de redução
de emissões globais serão necessários.
O conceito de “redução
compensada” de desmatamento tropical – a idéia
de países tropicais poderem reduzir
o desmatamento nacional em comparação
com um patamar histórico, de forma
a permitir compensações financeiras
de carbono comercializáveis internacionalmente
– emergiu dos debates polêmicos envolvendo
florestas entre a aprovação
dos acordos de Kyoto e Marrakesh. Todas as
perspectivas neste debate têm contribuído
para o crescimento considerável, no
nosso entendimento e análise, das correlações
floresta-clima, como atestam diferentes cientistas
e especialistas internacionais.
Existe um consenso amplo
sobre algumas questões até pouco
tempo consideradas controvertidas ou obscuras.
A importância de tratar emissões
de desmatamento tropical como distintas do
sequestro de carbono em “sumidouro”, é
amplamente aceita. Cientistas, formuladores
de política e ambientalistas concordam
que reduzir desmatamento tropical é
uma parte crítica de qualquer regime
internacional de redução de
emissões – ou seja, se concentrações
de CO2 atmosférico devem permanecer
abaixo da cifra freqüentemente citada
de 450 ppm. Há um acordo amplo de que
nações tropicais precisam de
alguma forma de incentivo econômico
para reduzir o desmatamento, e que países
desenvolvidos devem compensar aqueles que
o controlam. Mais importante: um grupo de
nações tropicais lideradas por
Papua Nova Guiné introduziram o desmatamento
na agenda da 11ª Conferência das
Partes e estão demandando os meios
para tratar da questão no contexto
da UNFCCC.
Mais importante ainda é
a iniciativa do governo brasileiro de apresentar
uma proposta própria, no âmbito
da COP-12 (que está se realizando este
mês de novembro em Nairobi), para a
redução compensada do desmatamento.
Assim, o Brasil, que além de maior
potência florestal do planeta é
também o campeão do desmatamento,
dá grande incentivo às discussões
internacionais rumo a um mecanismo apropriado
para, finalmente, se tratar da questão
das florestas no âmbito do tema da mudança
climática. Embora a proposta brasileira
priorize a constituição de um
fundo em vez de um mecanismo de mercado, que
seria mais viável para realizar esta
compensação, ela legitima e
acelera as negociações internacionais
e não exclui outras alternativas de
maior viabilidade.
Muito da controvérsia
acerca de florestas e sumidouros desde Kyoto
surgiu do fato de que as metas de redução
quantitativa eram ali negociadas antes de
chegarem a um acordo sobre os meios pelos
quais elas poderiam ser atingidas. Assim,
incluir sumidouros e terras agricultáveis
significava reduzir as metas já negociadas.
Tratar desmatamento tropical no contexto de
metas de redução de emissões
pós-2012, ao contrário, acrescenta
às reduções de emissões
totais e beneficia a atmosfera.
Negociadores deveriam iniciar
uma avaliação abrangente de
como as reduções de todas as
fontes podem ser atingidas. Se os países
do Anexo I aumentarem suas metas e o desmatamento
for também reduzido, a atmosfera se
beneficia. Países tropicais poderiam
de fato alavancar reduções maiores
por meio da redução compensada
de desmatamento. Um grupo de nações
tropicais ofereceria aos países do
Anexo I compensações e emissões
para o segundo período de compromisso
aumentando proporcionalmente o nível
das metas do Anexo I. Com isso, nações
tropicais obteriam recompensas significativas,
e o Anexo I estabeleceria metas maiores, com
maior benefício à atmosfera.
É bem provável
que permitir desmatamento reduzido no mercado
de carbono produza inicialmente modestas,
embora não insignificantes, quantias
de compensações. Quantidades
permitidas para comercialização
poderiam ser limitadas através de negociação.
Mesmo se não formalmente limitadas,
compensações de desmatamento
não inundarão o mercado com
a conseqüente depreciação
dos preços de carbono. Por várias
razões, qualquer programa efetivo de
reduções compensadas tem que,
a princípio, ser necessariamente um
programa nacional. Além disso, em todas
as grandes fronteiras de florestas tropicais
remanescentes, ou potenciais futuras fronteiras,
os governos precisarão fazer investimentos
substanciais e de longo prazo em estruturas
de governança (monitoramento e capacidade
de cumprimento, organização
da posse da terra, alocação
de direitos de propriedade) antes que compensações
de carbono possam tornar-se uma alternativa
econômica para indivíduos e empresas.
Nem proteção florestal nem alocação
equitativa de direitos de carbono acontecerão
em fronteiras desreguladas e de acesso aberto.
Acima de tudo, reduções
compensadas ajudariam os governos a controlar
o desmatamento devastador, improdutivo ou
de baixo valor e a apoiar a conservação.
Somente num estágio posterior será
possível determinar até que
ponto o carbono poderia ser uma alternativa
econômica atrativa para indivíduos
e empresas em florestas tropicais. Uma vez
que reduções têm que se
referir à linha de base nacional, somente
as nações (governos nacionais)
podem se beneficiar da compensação.
A mudança do clima
já está afetando florestas tropicais,
com secas induzidas pelo El Niño, provocando
incêndios florestais na Amazônia
e Indonésia. Alguns modelos climáticos
predizem savanização em grande
escala na Amazônia. A perspectiva de
compensações de carbono baseadas
em desmatamento tem aumentado as preocupações
sobre a permanência das reduções
dessa atividade. Exercícios de modelagem
mostrando savanização em grande
escala são, contudo, baseados em projeções
de emissões tendenciais – se creditar
desmatamento reduzido ajudar direta ou indiretamente
a baixar emissões, a tendência
mudará. Além disso, florestas
vivas têm interações múltiplas
com o sistema climático muito além
do seu conteúdo de carbono. A Amazônia,
por exemplo, a maior extensão de floresta
tropical no mundo, lança cerca de 7
trilhões de toneladas de água
por ano na atmosfera via evapotranspiração,
provendo o vapor que mantém o clima
regional úmido e chuvoso. A conversão
da água em vapor também resfria
o ar. Proteger florestas preservará
essas outras interações estabilizadoras
do clima assim como diminuirá as derrubadas
e as queimadas.
Fundamentalmente, contudo,
os riscos de usar desmatamento reduzido para
compensações de carbono têm
que ser pesados em comparação
com o custo de não se fazer nada –
ou de esperar que programas de assistência
oficial que nunca abordaram a escala necessária
para afetar as taxas de desmatamento aumentarão
expressiva e subitamente. O maior programa
oficial pretendido para tratar do desmatamento
no Brasil, o Programa Piloto do G7, foi originalmente
orçado em $250 milhões de dólares
durante cinco anos (embora, de fato, o programa
tenha investido esse valor em mais de dez
anos). Se o Brasil reduzisse seu desmatamento
10% abaixo da média anual dos anos
80 nos cinco anos entre 2008-2012 e fosse,
então, capaz de comercializar essas
reduções, a preços de
mercado correntes na UE para reduções
de emissões certificadas, faria $2,47
bilhões de dólares.
No entanto, este ganho potencial
representaria apenas que a comunidade internacional
passaria a compartilhar mais significativamente
do elevadíssimo custo que o país
tem pago pelo desmatamento. Para seguir produzindo
commodities que, via de regra, se destinam
ao mercado internacional, o Brasil vem perdendo
muito em biodiversidade e com o valor potencial
dos recursos florestais devastados, além
de pagar pelas ações de controle
e pelos impactos sociais decorrentes do desmatamento,
como, por exemplo, os sérios danos
à saúde pública provocados
pelas queimadas
O maior obstáculo
presente para progredir nas negociações
de clima é a recusa da administração
atual dos EUA em participar, baseada em grande
parte na alegação de que Kyoto
nada faz para reduzir grandes emissões
por países em desenvolvimento. Se a
comunidade internacional adotasse um princípio
tal como o das reduções compensadas,
esta objeção seria exposta como
um pretexto para os EUA, e o ímpeto
para signficativa ação americana
poderia ser aumentado.
Parar ou diminuir o desmatamento
pode contribuir para a continuidade e o fortalecimento
de um forte e amplo regime internacional de
reduções de emissões
pós-2012 e virce-versa. Nada poderia
fazer mais para preservar a diversidade biológica
do planeta. Mais perigoso para o sistema climático
global do que quaisquer questões de
vazamento ou permanência de compensações
para desmatamento reduzido é a perspectiva
de falhar em sustentar um sistema internacional
de reduções de emissões
mandatório e um mercado próspero
para serviços ecossistêmicos,
assim como falhar em incorporar um crescente
número de nações nele.
Como um mecanismo voluntário que oferece
incentivos substanciais para os maiores países
em desenvolvimento reduzirem emissões
através de meios de sua própria
escolha, a redução compensada
de desmatamento sugere um meio dentre muitos
que serão necessários para ajudar
a reverter a crise climática global
enquanto resta tempo.
Países que integram
o Anexo I do Protocolo de Kyoto
Alemanha
Austrália
Áustria
Belarus (a)
Bélgica
Bulgária (a)
Canadá
Comunidade Européia
Croácia (a) (*)
Dinamarca
Eslovaquia (a) (*)
Eslovênia (*)
Espanha
Estados Unidos da América
Estônia (a)
Federação Russa (a)
Finlândia
França
Grécia
Hungria (a)
Irlanda
Islândia
Itália
Japão
Letônia (a)
Liechtenstein (*)
Lituânia (a)
Luxemburgo
Mônaco (*)
Noruega
Nova Zelândia
Países Baixos
Polônia (a)
Portugal
Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda
do Norte
República Tcheca (a) (*)
Romênia (a)
Suécia
Suíça
Turquia
Ucrânia (a)
(a) Países em processo
de transição para uma economia
de mercado. (*) Nota do Editor: Países
que passaram a fazer parte do Anexo I mediante
emenda que entrou em vigor no dia 13 de agosto
de 1998, em conformidade com a decisão
4/CP.3 adotada na COP 3.