14/11/2006 - A segunda reportagem
do Especial sobre o desmatamento, quinto texto
da série que o ISA está publicando,
mostra que as áreas protegidas estão
sendo eficazes para a conservação
mesmo diante da pressão por novos desmates
exercida pela grilagem e pelas rodovias. A
barreira, no entanto, pode começar
a ruir até em locais ainda intocados
se as ações ambientais destinadas
a esses territórios não avançarem.
A situação é mais preocupante
na região de expansão da fronteira
agrícola.
Números e estudos
confirmam que a maioria das Unidades de Conservação
(UCs) e Terras Indígenas (TIs) está
conseguindo segurar o desmatamento na Amazônia,
apesar da ineficiência do Estado em
implantá-las, das invasões e
saques de madeira. Elas vêm se mostrando
eficientes mesmo diante de dois dos maiores
vetores do desflorestamento: a abertura ou
asfaltamento de estradas e a grilagem. Neste
último caso, a oficialização
das áreas, ao tornar públicos
os seus limites, faz cair o preço das
terras, aumenta o risco por sua ocupação
e venda ilegais e, assim, constrange a ação
dos grileiros.
A constatação
corrobora a estratégia da administração
Lula de criar, em quase quatro anos, 19,5
milhões de hectares em UCs federais,
ou 36,6% do total criado até hoje,
de acordo com dados do Laboratório
de Geoprocessamento do ISA. Desde 2003, foram
criados 8,5 milhões de hectares em
UCs de proteção integral, categoria
que permite apenas atividades de pesquisa
científica e, em alguns casos, educação
ambiental e turismo ecológico. Também
foram oficializados 11 milhões de hectares
em áreas de uso sustentável.
Os 19,5 milhões de hectares que foram
protegidos oficialmente no atual mandato equivalem
a pouco mais que o território do Uruguai.
Até 2002, a Amazônia tinha 33,8
milhões de hectares em UCs federais
e hoje conta com 53,4 milhões.
Grande parte das novas áreas
protegidas foi instituída justamente
em áreas críticas de conflito
fundiário, na zona de expansão
da fronteira agrícola, onde eram urgentes
medidas de ordenamento territorial para frear
não apenas o desmatamento e a grilagem,
mas também a violência cometida
contra populações locais, trabalhadores
rurais, assentados e lideranças do
movimento social. A criação
de UCs na Terra do Meio e na área de
influência da rodovia Cuiabá-Santarém
(BR-163), no Pará, entre fevereiro
e setembro de 2005, por exemplo, teve resultados
relativamente rápidos. Entre 2004 e
2005, houve uma queda que variou entre 50%
e 100% do desmatamento em locais das duas
regiões, segundo dados do governo.
Muro pode ruir
Algumas análises,
no entanto, também apontam que as UCs
sofrem mais com as invasões e produzem
menos resultados onde há maior facilidade
de acesso e a fronteira agrícola já
está consolidada. Isso permite supor
que o muro representado pelas áreas
protegidas pode começar a ruir, mesmo
em locais até agora intocados, caso
sua implementação efetiva, o
ordenamento fundiário, o aprimoramento
da fiscalização e dos instrumentos
econômicos de desestímulo à
derrubada da floresta não avancem.
Análises recentes
feitas pelo ISA com base nos dados até
2005 do Programa de Cálculo do Desflorestamento
na Amazônia (Prodes), do Instituto Nacional
de Pesquisas Espaciais (Inpe), confirmam a
eficácia de TIs e UCs no combate à
derrubada da floresta. O levantamento mostra
que, entre 2000 e 2005, o percentual anual
de desmatamento fora das áreas protegidas
foi em média sete vezes superior àquele
para dentro delas. Os territórios indígenas
vêm se mostrando ainda mais importantes
para a conservação: em seu interior,
o corte de árvores foi 2,5 vezes menor
que nas UCs federais de proteção
integral, no mesmo período. Nas áreas
não-protegidas, o percentual médio
anual da derrubada da mata foi de 1,12%, entre
2000 e 2005. Nas UCs federais de proteção
integral, o índice foi de 0,19% e nas
TIs, de 0,07%. As TIs apresentam em média
98,7% de sua cobertura de floresta original
e as UCs federais de proteção
integral, 94,1% (veja tabelas abaixo). A análise
avaliou apenas os desmates em áreas
de floresta.
UCs e TIs vêm tendo papel fundamental
para conter desmatamento, como é o
caso do grande corredor de áreas protegidas
do Xingu, com mais de 28 milhões de
hectares. Clique aqui para ampliar
Se a pesquisa traz a boa
notícia de que as áreas protegidas
estão funcionando, pelo menos por enquanto,
porém também coloca em questão
as políticas ambientais, em especial
dos governos federal, paraense e mato-grossense,
para territórios não-protegidos.
Neles, restam em média 64,5% da floresta,
número abaixo dos 80% de Reserva Legal
para propriedades rurais estipulados pelo
Código Florestal para a Amazônia.
Em algumas regiões, como na faixa de
50 quilômetros de cada lado da rodovia
BR-158, no Mato Grosso, o percentual de florestas
remanescentes fora das áreas protegidas
chega a 35%. Na BR-163 (MT e PA), o percentual
é de 59% e na BR-364 (MT e RO), 56%.
Em geral, desmatamento acompanha
as estradas na Amazônia. Detalhe do
entroncamento entre as rodovias BR-163 e Transamazônica
(BR-230), na região de Itaituba e Trairão
(PA). Clique aqui para ampliar.
“Os números deixam
claro a importância das UCs e TIs para
conter o avanço da fronteira predatória,
mas é preciso lembrar que estamos falando
na contenção do corte raso produzido
pela agropecuária e não no roubo
de madeira e exploração da biodiversidade.
Ainda não temos indicadores seguros
sobre isso”, alerta André Lima, do
ISA, um dos autores da análise. Ele
adverte também que é preciso
dar mais prioridade ao tratamento das causas
do desmatamento fora das UCs. Lima defende
que, além de formar conselhos gestores,
elaborar planos de manejo, construir infra-estrurura
e contratar fiscais para essas áreas,
é preciso também integrá-las
às regiões onde estão
localizadas de modo a garantir a sua conservação.
“Isso significa ter o controle e o ordenamento
também das atividades fora desses espaços
protegidos por lei, em especial no seu entorno.”
Remanescente florestal por
categoria territorial na Amazônia legal
até 2005.
A análise do ISA
foi elaborada a partir dos dados cartográficos
do Inpe que servem de base para a taxa oficial
de desmatamento. O levantamento foi apresentado
no dia 18 de outubro, durante um seminário
técnico promovido pelo governo federal,
em Brasília. O evento contou com representantes
de 36 organizações não-governamentais,
ministérios, órgãos governamentais
federais e estaduais, e a participação
da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva.
Fragilização
Um outro estudo apresentado
no mesmo evento mostra que mais de 64% das
TIs e UCs da Amazônia estão conseguindo
conter o desmatamento, mesmo em regiões
próximas a rodovias. Os autores Leandro
Ferreira, do Museu Emílio Goeldi, e
Eduardo Venticinque, da Sociedade para Conservação
da Vida Selvagem (WCS, na sigla em inglês),
apontam, no entanto, o processo de fragilização
das áreas protegidas nos Estados que
compõem o chamado “arco do desmatamento”,
região que contorna a Amazônia
central e onde o avanço da fronteira
agropecuária é mais forte. No
Maranhão, por exemplo, das 20 áreas
pesquisadas, 17 não estão conseguindo
barrar o desflorestamento, ou seja, em seu
interior ele é maior do que o esperado
segundo modelo matemático desenvolvido
pelos dois pesquisadores. Mato Grosso, Pará,
Rondônia e Roraima apresentam tendência
semelhante em menor proporção.
Ferreira conta que o trabalho
ainda não foi finalizado e pretende
justamente responder à pergunta sobre
quanto tempo UCs e TIs podem agüentar
a pressão das invasões. Para
isso, deverão ser incluídas
séries históricas do Prodes
de modo que possam ser estabelecidas tendências
para algumas regiões críticas.
O biólogo informa que um dos objetivos
da pesquisa é fornecer indicadores
ao governo para que ele possa investir melhor
e economizar recursos na implantação
dos planos de manejos das UCs. Ele lembra
que a grande maioria delas continua existindo
apenas no papel. “É preciso implementar
com urgência essas áreas protegidas
porque elas não têm condições
de manter-se no longo prazo sem instrumentos
de sustentação”, adverte.
O governo federal admite
que tem investido mais na criação
das UCs do que na sua consolidação,
o que pode abrir espaço ao desmatamento.
“Nunca se criou na história tantas
unidades como nos últimos três
anos e meio, sobretudo na Amazônia e
em áreas de conflito. Isso foi um grande
mérito. Mas é claro que nós
não conseguimos acompanhar esse mesmo
ritmo na implementação”, assume
Valmir Ortega, titular da Diretoria de Ecossistemas
do Ibama, órgão responsável
pelas áreas de proteção
integral. Ele argumenta que os quase 70 milhões
de hectares de UCs federais existentes hoje
em todo o País estão sobrecarregando
o Ibama, que tem dificuldades de manter técnicos
e equipes permanentes em locais isolados da
Amazônia. “O grande desafio do segundo
governo Lula será desenvolver os instrumentos
para a implementação das UCs.”
Ortega acredita que, além do orçamento
público, será fundamental nos
próximos anos fazer deslanchar formas
alternativas de financiamento das áreas
protegidas, como o desenvolvimento de atividades
econômicas, entre elas o extrativismo
e o turismo ecológico. “Isso será
fundamental para integrar as UCs nas economias
regionais e mostrar à sociedade de
forma mais explícita os seus benefícios.”
A Estação
Ecológica da Terra do Meio e o Parque
Nacional da Serra do Pardo, localizados na
Terra do Meio (PA), por exemplo, não
saíram do papel mais de um ano e meio
depois de sua decretação. As
primeiras etapas para a implantação
das duas áreas – a demarcação
de seus perímetros, o levantamento
fundiário das posses existentes em
seu interior e o mapeamento dos pontos críticos
de desmatamento – ainda não foram realizadas
e sua execução orçamentária
também é baixíssima.
A gerência-executiva do Ibama em Altamira
(PA), responsável pelas duas áreas,
conta hoje com 20 servidores e dez policias
para cobrir sete municípios – 231,7
mil quilômetros quadrados, uma área
quase do tamanho de Rondônia (confira).
ISA, Oswaldo Braga de Souza.