21/11/2006
- Ao mesmo tempo em que o governo amplia as
operações de repressão
ambiental na Amazônia e os recursos
destinados a elas, a atuação
coordenada de diferentes órgãos
como o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis)
e a Polícia Federal (PF) acontece de
fato. No entanto, a responsabilização
dos infratores, deixa a desejar e a média
de cobrança e pagamento efetivos das
multas ambientais é baixíssima
em toda a Amazônia, criando clima de
impunidade.
Em quase quatro anos, o
governo Lula ampliou as operações
de fiscalização ambiental na
Amazônia e os recursos a elas destinados,
em comparação a períodos
anteriores. Números do Ministério
do Meio Ambiente (MMA) e do Instituto Nacional
de Pesquisas Espaciais (Inpe) parecem confirmar
que o Plano de Prevenção e Controle
do Desmatamento na Amazônia tem repercussão
nas duas quedas sucessivas dos índices
de desflorestamento entre 2004 e 2006. Um
dos fatores responsáveis para a maior
presença do Estado na região
foi o investimento realizado no sistema de
monitoramento da floresta via satélite,
com a disponibilização ágil
dos dados sobre o desflorestamento. Também
deu resultados a atuação coordenada
de diferentes órgãos como o
Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
e dos Recursos Naturais Renováveis)
e a Polícia Federal (PF).
O "pé-quebrado"
da repressão aos crimes ambientais,
no entanto, continua sendo a responsabilização
dos infratores. A média de cobrança
e pagamento efetivos das multas ambientais
é baixíssima em toda a Amazônia.
Não há dados concretos e atuais,
mas fala-se que menos de 10% das multas são
pagas. Além disso, na maioria dos casos,
o desmatamento ilegal é interditado,
mas a área continua sendo usada por
quem o realizou. Em geral, os equipamentos
utilizados na atividade também não
são apreendidos. A impunidade acaba
estimulando novas derrubadas e diminui o impacto
do trabalho dos fiscais do Ibama.
Além da fiscalização,
ainda influenciaram na desaceleração
da derrubada da floresta nos últimos
dois anos outras políticas colocadas
em prática a partir do plano, como
a criação de mais de 19,5 milhões
de hectares em Unidades de Conservação
(UCs) federais, a instituição
de normas fundiárias moralizadoras
e a proibição temporária
de atividades com impacto ambiental em milhões
de hectares ao longo das rodovias BR-163 (Cuiabá-Santarém),
no Pará, e BR-319 (Manaus-Porto Velho),
no Amazonas. Também é certo
que a recessão vivida pelo agronegócio,
desde 2004, teve reflexos no declínio
dos índices do desflorestamento.
No entanto, a ausência
de indicadores consistentes sobre cada uma
dessas iniciativas e sobre os fatores da conjuntura
econômica que podem influir na dinâmica
da derrubada da floresta continuam impedindo
uma avaliação mais aprofundada
das políticas ambientais do governo
e colocam em questão a manutenção
da tendência de queda no ritmo dos desmates.
O Ibama vem reunindo e analisando os números
sobre suas ações, mas ainda
não conseguiu apresentar à sociedade
dados detalhados a respeito. O deslocamento
e a sofisticação das frentes
de desmatamento deixa claro que o Poder Público
precisa avançar ainda mais, não
apenas em termos de comando e controle, mas
também na consolidação
das UCs e no fomento à economia sustentável.
Impunidade ainda é
regra
Um dos bons resultados produzidos
pela fiscalização ambiental
no governo Lula diz respeito aos autos de
infração e ao valor das multas
aplicadas por danos à vegetação
na Amazônia Legal. Com os resultados
parciais até outubro, a administração
atual tem uma média de 5,7 mil autos
por ano, contra 4,6 mil do segundo governo
FHC, de acordo com dados do Ibama. Em agosto
de 2005, um decreto aumentou de R$ 1 mil para
R$ 5 mil o valor da multa por hectare desmatado
ilegalmente. Assim, até outubro deste
ano, o Ibama chegou a marca de R$ 2,8 bilhões
em multas por desmates ilegais em toda a Amazônia.
A reportagem do site do ISA solicitou informações
sobre o valor arrecadado, mas até o
fechamento dessa matéria não
recebeu a informação.
O valor impressionante poderia
fazer supor que o órgão ambiental
transformou-se em um grande arrecadador de
recursos para governo federal, mas o caso
não é este. O Ibama não
fornece os números exatos, mas sabe-se
que a cobrança efetiva das infrações
é extremamente baixa em toda a Amazônia.
Isso produz um quadro generalizado de impunidade
que não só não constrange
quem desmata ilegalmente, mas até estimula
a sua atuação.
No Mato Grosso, que tem
um sistema de monitoramento e licenciamento
ambiental considerado modelo, cerca de 2%
das multas em média são pagos.
O estudo Sistema de Licenciamento Ambiental
em Propriedades Rurais do Estado do Mato Grosso:
análise de lições na
sua implementação, elaborado
pelo ISA, no ano passado, sob encomenda do
MMA, apontou, entre outros, que um grande
percentual das multas aplicadas pelos fiscais
ambientais no estado é cancelado ou
têm o seu valor reduzido. Além
disso, o trâmite das infrações
é bastante demorado, podendo durar
mais de quatro ou cinco anos. De acordo com
o trabalho, pelo fato da área derrubada
irregularmente não ser embargada, a
morosidade e a inoperância acabam favorecendo
ainda mais o infrator porque ele pode continuar
lucrando com atividades nela desenvolvidas.
Leia também.
Bases operativas
Uma das novidades do plano
de combate ao desmatamento do governo Lula
foi a instalação, a partir de
2004, de 19 bases operativas em locais estratégicos
do chamado Arco do Desmatamento, em especial
no Mato Grosso e Pará. Em geral, essas
instalações contam com um pequeno
número de fiscais do Ibama e policiais,
além de um ou dois veículos,
um computador e acesso à internet para
receber os mapas sobre desflorestamento. Em
algumas cidades e operações
mais importantes, porém, chegam a contar
com equipes maiores formadas também
por técnicos do Incra (Instituto Nacional
de Colonização e Reforma Agrária),
soldados, policiais militares e federais.
Segundo o Ibama, 15 bases estariam funcionando,
sendo usadas tanto para fiscalizações
de rotina, quanto para as grandes operações
policiais conjuntas de desmantelamento de
quadrilhas de grilagem de terras, exploração
e comércio ilegais de madeira. Em oito
operações realizadas este ano
no Mato Grosso foram envolvidas aproximadamente
50 pessoas entre analistas ambientais do Ibama,
Polícia Federal e técnicos de
órgãos de apoio.
Os números do Inpe
confirmam que o ritmo do desflorestamento
vem caindo em grande parte das áreas
de abrangência das bases, que incluem
municípios inteiros ou trechos deles.
Nas 19 delas que estavam em funcionamento
até 2005, em 17 houve queda nas taxas
de desmatamento, entre 2003 e 2005, com destaque
para Juína (- 96,5%) e Sinop (- 95,7%),
no Mato Grosso, e Marabá (PA), com
- 93,7%.
O ISA, em parceria com o
Instituto Centro de Vida, está elaborando
um relatório para o Comitê de
Monitoramento e Avaliação da
Gestão Florestal em Mato Grosso, órgão
vinculado ao Secretário de Meio Ambiente
do estado com uma proposta de um índice
de fiscalização que reflita
o esforço dos órgãos
- Ibama e Secretaria de Meio Ambiente (isolada
e conjuntamente) - no combate aos desflorestamentos
no estado. Este estudo deve estar concluído
e apresentado ao Secretário de Meio
Ambiente e ao Conama no início da próxima
semana.
O diretor de Proteção
Ambiental do Ibama, Flávio Montiel,
confirma que o órgão ainda está
trabalhando em metodologias para aferir o
impacto da fiscalização na queda
dos índices de desmatamento, mas não
tem dúvidas que a atuação
do governo está sendo fundamental.
"Não temos como provar [que a
fiscalização reduziu o desmatamento]
e nem teria o porquê. Talvez fosse interessante
fazer a pergunta contrária: o que leva
a crer que não foi a fiscalização
e sim outros fatores?" Repetindo o que
diz o governo, Montiel acredita que a crise
vivida pelo setor agropecuário nos
últimos dois anos não seria
suficiente para frear o corte de árvores.
Ele acredita que os investimentos em equipamentos,
contratação de pessoal, planejamento
e inteligência foram os responsáveis
pela maior presença do Ibama na Amazônia.
"O que nós fizemos não
foi apenas evitar a derrubada de árvores
ou de uma floresta, mas também estancar
um processo complexo, com a quebra de quadrilhas
organizadas, que envolviam inclusive parte
do Ibama”.
Em maio de 2005, uma parte
considerável dos recursos destinados
ao plano de combate ao desmatamento não
haviam sido liberados pelo governo em 2004.
Das 64 grandes operações de
fiscalização previstas para
o ano, apenas dez teriam sido realizadas.
O Ibama disporia na época, em toda
a Amazônia, de 43 engenheiros florestais
e cerca de 800 fiscais para uma área
de 5 milhões de quilômetros quadrados
– um fiscal para cada 6,5 mil quilômetros
quadrados e um engenheiro para cada 120 mil
quilômetros quadrados.
De acordo com Montiel, a
média do orçamento disponibilizado
para a área de fiscalização
e monitoramento do Ibama subiu de R$ 25 milhões,
durante o governo FHC, para R$ 38 milhões,
na administração Lula – sendo
que 10% desses recursos foram destinados ao
plano de combate ao desmatamento. No ano passado,
ainda segundo Montiel foram executados R$
48 milhões para o setor, contra R$
28 milhões, em 2002. Além disso,
desde 2004, foram investidos R$ 27 milhões
em compra de equipamentos, como carros e aparelhos
de sensoriamento remoto. Desde 2003, entraram
no órgão mais dois mil novos
analistas ambientais. Em 2006, teriam sido
planejadas dez operações e realizadas
20 no Mato Grosso. No Pará, foram previstas
31 e efetivadas 30. Montiel concorda, entretanto,
que ainda são necessários mais
recursos humanos e financeiros para garantir
uma presença mais efetiva do Estado
na Amazônia. “Nós conseguimos
avançar bastante, mas não de
forma satisfatória. Nós ainda
estamos aquém daquilo que o Ibama precisa
em termos de uma estrutura de comando e controle,
de monitoramento e fiscalização.”
Entre 2003 e outubro de
2006, ao todo, foram realizadas 221 operações
de combate a crimes ambientais na Amazônia
que envolveram, algumas vezes, não
apenas o Ibama, mas também a PF, a
Polícia Rodoviária Federal (PRF)
e o Exército. Ao todo, foram apreendidos
cerca de 814 mil metros cúbicos de
madeira em tora, 47 tratores, 171 caminhões
e 643 motosserras. A quantidade dessas ações
também vem mostrando uma relação
diretamente proporcional à desaceleração
da derrubada da floresta (confira gráfico
abaixo).
Operação Curupira
Entre essas iniciativas,
11 grandes operações policiais
contaram com um trabalho intenso de planejamento
e investigação para desbaratar
grandes quadrilhas que atuavam na extração
e comercialização ilegais de
madeira em vários estados da Amazônia
e também do País. As operações
“Setembro Negro” (2003), “Ouro Verde” (2005)
e “Daniel” (2006), por exemplo, desmantelaram
quadrilhas formadas, às vezes, por
dezenas de pessoas, que incluíam práticas
como a criação de empresas fictícias
e a corrupção de funcionários
públicos. Ao todo, a atuação
conjunta dos técnicos do Ibama e da
PF resultou na prisão de quase 380
pessoas, incluindo 71 servidores do Ibama,
19 outros funcionários públicos
e 289 madeireiros, empresários, contadores
e lobistas.
A Operação
Curupira, realizada entre 2 e 3 de junho,
é considerada a maior ação
policial contra crimes ambientais já
desenvolvida no País e causou grande
repercussão em toda a imprensa. O alvo
da PF foi um esquema que funcionava há
mais de 14 anos, comercializando e falsificando
Autorizações de Transporte de
Produtos Florestais (ATPFs) com ajuda de madeireiros,
empresários, despachantes, contadores
e funcionários do próprio Ibama
no Pará, Rondônia, Amazonas,
Santa Catarina, Paraná, Distrito Federal
e, principalmente, no Mato Grosso. As ATPFs
eram impressas pela Casa da Moeda e manuseadas
pelos fiscais do Ibama que deveriam atestar
a legalidade do trânsito de qualquer
produto madeireiro. O documento chegou a ser
negociado por até R$ 2 mil pelos criminosos
que atuavam no Mato Grosso.
A PF prendeu mais de 80
pessoas (incluindo funcionários graduados
do Ibama local) e indiciadas mais de 200,
acusadas de retirar e vender ilegalmente quase
2 milhões de metros cúbicos
de madeira. Cerca de 430 firmas-fantasmas
atuavam no comércio e transporte de
madeira no estado, que foi afetado duramente
afetado porque o Ibama suspendeu por várias
semanas a emissão das ATPFs. O fato
provocou protestos de representantes da indústria
madeireira e de vários prefeitos mato-grossenses.
Em agosto, a PF realizaria ainda a operação
Curupira II, com objetivos semelhantes, tendo
como alvo quadrilhas que atuavam em municípios
de Rondônia e ainda no Mato Grosso.
A partir daí, o governo federal acelerou
os estudos para a criação de
uma alternativa à ATPF. Em setembro
passado, ela finalmente foi aposentada e começou
a funcionar o Documento de Origem Florestal
(DOF), sistema informatizado, operado via
internet, para o monitoramento do comércio
e do transporte de madeira.
“É evidente que a
fiscalização teve impacto na
redução do desmatamento. Mas
também não há dúvida
que ela terá de ser ampliada ainda
mais para manter a tendência”, adverte
Sérgio Guimarães, coordenador
do Instituto Centro de Vida (ICV), organização
que atua no Mato Grosso. Ele lembra que as
grandes ações conjuntas do Ibama
e da PF realizadas a partir das bases operativas
conseguiram aumentar a presença do
Estado na Amazônia, mas ainda de forma
temporária. Guimarães acha que
é preciso tornar essa presença
permanente, aprofundando as análises
sobre a dinâmica do desmatamento, planejando
fiscalizações preventivas e
articulando iniciativas com os estados. “No
caso do Mato Grosso, com a descentralização
da gestão florestal, houve vários
avanços na disponibilização
de informações e no controle
do comércio madeireiro, mas há
um vazio na fiscalização e na
responsabilização de quem comete
os crimes ambientais”.
“Até recentemente,
recursos continuavam atrasando ou sendo retidos.
Em alguns casos, isso provocou o cancelamento
ou interrupção de operações”,
denuncia Marcelo Marquesini, diretor de projeto
do Greenpeace. Ele conta que bases operativas
do Ibama localizadas em regiões com
altos índices de desflorestamento,
como em Novo Progresso e São Félix
do Xingu, no Pará, Vila Rica (MT) e
Apuí (AM), só funcionam quando
ocorrem grandes operações. Marquesini
admite, porém, que existem bases que
foram bem estruturadas, como em Aripuanã,
no norte do Mato Grosso. As informações
foram obtidas com técnicos e fiscais
do Ibama que atuam em campo, segundo Marquesini.
Ele também reclama da falta de indicadores
para se fazer uma avaliação
mais aprofundada das diversas ações
previstas no plano de combate ao desmatamento.
Memorando (231/2006) assinado
pelo Presidente do Ibama, Marcus Barros, em
08 de novembro último, encaminhado
aos superintendentes, gerentes executivos,
chefes de centros e de unidades de conservação
proíbe as gerências executivas
de realizar quaisquer novas despesas “por
mais relevantes que sejam” sob pena de responsabilidade
civil e administrativa do agente público
que descumprir ordem: veja em http://arruda.rits.org.br/notitia/reading/oeco/reading/pdf/financas_ibama_memorando.pdf
. O ofício determina ainda que sejam
tomadas providências no sentido de reduzir
em 25% as despesas para novembro e dezembro.
Este último episódio coloca
em dúvida a possibilidade do órgão
aprimorar suas ações de controle
na Amazônia.
É preciso aumentar
a presença do Ibama nas regiões
mais críticas da Amazônia sem
comprometer suas responsabilidades com os
demais Biomas nacionais. É preciso
aumentar o grau de responsabilização
dos infratores ambientais. É preciso
uma avaliação de fundo sobre
a eficácia e eficiência das ações
de controle, os seus impactos e resultados.
Para tanto é preciso que não
haja cortes no já minguado orçamento
do órgão e que haja fortalecimento
do Plano de Combate aos Desmatamentos. Resta
uma pergunta: Será que retomada a desejada
trajetória de alta na curva de crescimento
do agronegócio as ações
de controle do Ibama darão conta de
manter a tendência de queda nos desmatamentos
verificada nos últimos dois anos? É
quase evidente que não. Fiquemos atentos
às novidades do novo governo, pois
se ainda não está bom, certamente
pode piorar.
ISA, Oswaldo Braga de Souza.