24/11/2006 - Lei aprovada
esta semana na Assembléia Legislativa
de São Paulo altera os limites da Estação
Ecológica Juréia-Itatins (EEJI),
localizada no Vale do Ribeira, e cria dois
parques estaduais, duas Reservas de Desenvolvimento
Sustentável e dois Refúgios
Estaduais de Vida Silvestre, formando um mosaico
de áreas protegidas com 110.813 hectares.
As alterações visam contemplar
os direitos das mais de 300 famílias
comunidades caiçaras que habitam a
região.
Um dos mais antigos conflitos
decorrentes da presença humana em Unidade
de Conservação no estado de
São Paulo começou a ser solucionado
esta semana. Na terça-feira 21, os
deputados estaduais de São Paulo aprovaram
o Projeto de Lei 613/2004, que altera os limites
da Estação Ecológica
Juréia-Itatins (EEJI), localizada em
trecho litorâneo do Vale do Ribeira,
sul do estado, e cria dois parques estaduais,
duas Reservas de Desenvolvimento Sustentável
e dois Refúgios Estaduais de Vida Silvestre,
formando um mosaico de áreas protegidas
com 110.813 hectares.
O novo mosaico de UCs no
Vale do Ribeira será constituído
pela Estação Ecológica
da Juréia-Itatins, Parque Estadual
do Itinguçu, Parque Estadual do Prelado,
Reserva de Desenvolvimento Sustentável
(RDS) do Despraiado, Reserva de Desenvolvimento
Sustentável da Barra do Una e Refúgios
Estaduais de Vida Silvestre das ilhas do Guaraú
e da Guaritama. O projeto ainda propõe
a criação da RDS Una da Aldeia,
com 6.789 ha. Caso seja efetivamente criada,
elevará a área total do mosaico
para mais de 117 mil hectares.
A lei também amplia
a área da EEJI de 79.230 hectares para
85.270 ha de parte terrestre, que se soma
a 6.953 ha de parte marítima. Os novos
limites decorrem da perda de áreas
para a criação das RDS e parques
e pela absorção de outras duas
estações ecológicas vizinhas,
a dos Banhados Grande e a dos Banhados Pequeno.
A alteração
de seus limites e a exclusão das áreas
visa encerrar um impasse que se arrasta desde
a criação da estação
da Juréia, em 1987. À época,
a EEJI foi criada para proteger a imensa biodiversidade
local, ameaçada pela pressão
imobiliária para o loteamento da região
em condomínios de classe-média
e por planos governamentais para a construção
de usinas nucleares. Por isso, o território
ganhou status de estação ecológica,
que é uma unidade de conservação
de proteção integral, condição
que não permite a presença humana
dentro de seus limites. Para a proteção
dos ecossistemas locais, a EEJI cumpriu seu
papel, mas o problema é que, já
naquele tempo, viviam dentro da Juréia
centenas de famílias de caiçaras.
Por lei, as comunidades
deveriam ser removidas para outro local, o
que nunca foi feito. "O Estado não
foi competente para fazer a regularização
fundiária para estas famílias,
muitas das quais vivem na região há
mais de cem anos", afirma José
Pedro de Oliveira Costa, da Secretaria Estadual
de Meio Ambiente. "Grande parte das famílias
que moram lá, hoje mais de 300, tem
direito à terra. As RDS podem conciliar
esse direito com o manejo sustentável
dos recursos".
Para contemplar a presença
de comunidades caiçaras, a lei aprovado
transforma áreas ocupadas da EEJI em
reservas de uso sustentável, de acordo
com as características ambientais de
cada uma. O projeto, apresentado pelos deputados
Hamilton Pereira e José Zico Prato,
ambos do PT, foi objeto de um processo de
discussão ao longo de dois anos com
as próprias comunidades e diversos
órgãos de governo e entidade
da sociedade civil, como o Instituto Socioambiental
(ISA). "O projeto mantém os objetivos
de conservação que levaram a
criação da EEJI e acerta a situação
dos caiçaras, criando áreas
que permitam a permanência e a sustentabilidade
das comunidades", avalia Nilto Tatto,
coordenador do Programa Vale do Ribeira do
ISA. "O próximo passo é
aproveitar o momento histórico e o
simbolismo da Juréia, primeira estação
ecológica do estado, para que governo,
ONGs, universidades e setor privado discutam
um amplo programa de gestão integrada
do mosaico, contemplando os objetivos da conservação
e o desenvolvimento sustentável das
famílias caiçaras de dentro
e do entorno do mosaico". Saiba mais
sobre os caiçaras da Juréia.
Falta de planejamento e
abusos
As comunidades caiçaras
da Juréia passaram duas décadas
em situação irregular, sofrendo
perseguições da Polícia
Ambiental e de fiscais do governo e sem acesso
à direitos e serviços públicos.
O presidente da União de Moradores
da Juréia, Arnaldo Rodrigues, conta
que as comunidades caiçaras “moveram
montanhas” para conquistar alguma mudança.
Diz que sofreram principalmente no final da
década de 1980, “quando as forças
policiais ainda carregavam a herança
militar e agiam com muita violência,
destruindo roças e casas”. Rodrigues,
uma das lideranças locais envolvidas
há mais tempo no ordenamento territorial
da Juréia, afirma que a o panorama
se alterou apenas nos anos noventa, quando
as comunidades se organizaram em associações
e passaram a denunciar os abusos.
Para os deputados Zico Prado
e Hamilton Pereira, autores do projeto, o
conflito na Juréia é exemplo
da falta de planejamento e inoperância
dos governos. “O gradativo aumento das áreas
protegidas em São Paulo não
tem sido acompanhado por um planejamento realista,
e nem por uma implementação
efetiva das áreas. O levantamento das
propriedades e a desapropriação
das terras são efetuados, via de regra,
somente após a declaração
oficial. Pelo fato das áreas atingidas
serem, em sua maioria, habitadas desde várias
gerações, se cria, desta forma,
as bases para conflitos profundos e, sob as
condições contextuais, praticamente
não solucionáveis”, apontam
os deputados ao justificar o projeto durante
votação na Assembléia
Legislativa.
Com o mosaico de áreas
protegidas criado, o governo agora começa
a se preocupar com a implementação
das atividades de uso sustentável em
cada RDS e planeja seminários ainda
este ano para detalhar os planos de manejo.
O artigo 4º da nova lei estadual afirma
que “Os Planos de Manejo das Reservas de Desenvolvimento
Sustentável do Despraiado e da Barra
do Una...levarão em consideração
as condições e necessidades
de forma a garantir a sustentabilidade do
modo de vida das populações
residentes.”
Arnaldo Rodrigues diz que
as RDS criadas devem copiar experiências
positivas como as da RDS de Mamirauá,
no Amazonas. “Queremos dar o exemplos para
que outras comunidades também consigam
a mesma condição”. Rodrigues
lembra que pelo menos mais 14 vilas caiçaras
permanecem dentro da EEJI ou dos parques estaduais
criados, impedindo que suas populações
possam trabalhar, construir ou reformar suas
casas. “Como as RDS criadas tem áreas
pequenas o manejo agroflorestal adequado vai
ser um grande desafio”, sublinha Rodrigues
que, antes de pedir auxílio técnico
ou capacitação para os moradores,
diz que o mais urgente na Juréia é
a chegada de serviços básicos
de saúde e educação.
ISA, Bruno Weis.