24/11/2006 - O mais indígena
dos municípios brasileiros terá
planejamento descentralizado e consulta obrigatória
à população local sobre
projetos e políticas que afetem suas
terras, recursos ou cultura, entre outras
inovações. O Plano Diretor de
São Gabriel foi construído ao
longo de 14 meses por meio da pactuação
entre diversos setores da sociedade local,
como lideranças indígenas, moradores
da cidade, associações de bairro,
representantes da prefeitura, do governo federal,
do Exército e de entidades civis.
Depois de dois meses tramitando
na Câmara Municipal, o Plano Diretor
Participativo do município de São
Gabriel da Cachoeira, no Alto Rio Negro, estado
do Amazonas, foi aprovado nesta terça-feira,
21 de novembro, por unanimidade entre os vereadores.
A nova lei apresenta inovações
importantes para a gestão de São
Gabriel, município de população
majoritariamente indígena e que tem
80% de seu território demarcado como
terra indígena. Saiba mais sobre São
Gabriel da Cachoeira.
Dentre as inovações
está a descentralização
do planejamento municipal, o que possibilita
que as terras indígenas elaborem seus
próprios planos diretores regionais,
e a regulamentação em nível
municipal de dispositivos da Convenção
169 da Organização Internacional
do Trabalho (OIT), tratado internacional ratificado
pelo Brasil em 2003. De acordo com ele, qualquer
plano, projeto ou política governamental
que afete os direitos coletivos dos povos
indígenas sobre suas terras, recursos
ou cultura só poderá ser executado
se houver um processo prévio de consulta
com os povos interessados. Ao regulamentar
o mecanismo de consulta prévia em nível
municipal, São Gabriel da Cachoeira
se torna o primeiro município brasileiro
a abrir portas para a integral implementação
da convenção em território
nacional. Saiba mais sobre o Plano Diretor
de São Gabriel da Cachoeira.
Durante a plenária
de votação da lei que criou
o Plano Diretor, o vereador indígena
José Maria de Lima (PT) disse que “para
os ‘economistas’, os índios parecem
barreira para o progresso, mas para que se
tenha desenvolvimento no Alto Rio Negro, é
necessário se unir, conversar, chegar
a acordos”. A tônica do processo de
elaboração do Plano Diretor
foi justamente essa: construir o planejamento
territorial do mais indígena dos municípios
brasileiros, situado na fronteira da Colômbia
e Venezuela, cujo território é
o terceiro maior do País, e que testemunha
o crescimento desordenado de sua cidade-sede
e demais aglomerados urbanos.
Em agosto, o Plano Diretor
fora aprovado durante o Congresso da Cidade,
mas a versão da lei aprovada agora
pelos vereadores conta com uma emenda acrescida
posteriormente, de autoria do vereador Alzimar
Maciel Machado (PDT). A emenda incluiu a economia
como um dos temas setoriais do Plano Diretor
e garantiu a elaboração de um
plano de desenvolvimento econômico como
investimento prioritário municipal.
Durante mais de 14 meses
os atores locais pactuaram quais são
as prioridades e as metas de desenvolvimento,
acolhendo a diversidade socioambiental deste
que é primeiro município brasileiro
a reconhecer três línguas indígenas
como idiomas co-oficiais (Baniwa, Nhengatu
e Tukano). Durante a plenária de votação
o vereador Robernílson Barbosa Otero
(PPS) mencionou que “a sociedade civil organizada
construiu a lei, construiu uma visão
política do município, mas esse
esforço só será válido
se o Plano Diretor for executado daqui em
diante”.
Investimentos vinculados
Após a sanção
pelo prefeito Juscelino Gonçalves (PSL),
o que deve ocorrer na próxima semana,
o desafio será justamente o de vincular
os investimentos prioritários e as
ações de descentralização
da gestão político-administrativa
ao orçamento municipal. Para tanto
o Poder Legislativo terá um papel decisivo:
precisa orientar a elaboração
da Lei de Diretrizes Orçamentárias
(LDO) e da Lei Orçamentária
Anual (LOA) a partir das prioridades definidas
no Plano Diretor.
Além disso, prevê-se
para o início de 2007 a alteração
da Lei Orgânica Municipal, no que tange
à distritalização: os
antigos distritos passarão a ser nomeados
“regiões administrativas”, agora com
perímetros delimitados, sendo que uma
das regiões abrange exatamente a área
da sede municipal e as demais são relativas
às bacias hidrográficas dos
principais rios da região que, por
sua vez, correspondem a regiões culturais
dos povos que há séculos habitam
o Alto Rio Negro.
A aprovação
do Plano Diretor abre também possibilidades
de se captar recursos para o município
em fontes até agora indisponíveis.
Bancos de desenvolvimento e até mesmo
editais públicos dão preferência
a municípios que apresentam o Plano
Diretor como “cartão de visitas”.
Os recursos disponibilizados
e captados possibilitarão à
prefeitura cumprir os prazos de aplicação
de instrumentos de planejamento e gestão
elencados no plano, tal como os Conselhos
Regionais de Desenvolvimento Territorial e
Planos Diretores Regionais, além dos
investimentos prioritários em saneamento
ambiental, mobilidade, desenvolvimento urbano,
rural e regularização fundiária.
Disputa por emendas
A lei municipal que cria
o Plano Diretor deveria ter sido aprovada
na Câmara Municipal e sancionada pelo
prefeito até 10 de outubro de 2006,
conforme estipulado no Estatuto da Cidade.
Porém o período eleitoral prejudicou
a tramitação do anteprojeto
de lei. Este acabou sendo protocolado pelo
Executivo no dia 12 de setembro, cerca de
duas semanas após a aprovação
no Congresso da Cidade, período que
serviu para revisão do anteprojeto
de lei pelo prefeito.
O projeto de lei tomou como
base os resultados do Congresso da Cidade,
que ocorreu nos dias 25 e 26 de agosto de
2006. Na Câmara, alguns vereadores elaboraram
emendas para propor alterações
de conteúdo. Durante a votação
da lei que criou o Plano Diretor, os vereadores
comentaram essa tramitação na
Câmara, que se deu em 2 reuniões
com o Conselho Gestor, 2 audiências
públicas e plenária de votação.
O vereador Francisco Garcia
Diógenes (PMDB) expressou sua insatisfação
com o prazo disponibilizado para apreciação
da matéria pelo poder legislativo municipal:
“muitas emendas deixaram de ser apresentadas
ou aprovadas como propostas de autonomia e
direito municipal sobre as terras que compreendem
o trecho Sede – Cucuí”. O vereador
se referia à emenda 002/06, de autoria
do vereador Edílson Ambrósio
Andrade (PSDB), que foi derrotada em audiência
pública realizada no dia 20 de novembro.
Sua proposta consistia na arrecadação
de terras devolutas da União ao patrimônio
municipal. O vereador Edilson anunciou durante
programa na rádio municipal que a emenda
seria reapresentada no plenário de
votação, porém por falta
de tempo hábil para a tramitação
nas comissões, a Câmara acatou
a decisão popular.
O vereador Alzimar Maciel
Machado lamentou “o impasse na derrota da
emenda do vereador Edílson, a qual
estabeleceria um perímetro urbano para
a sede municipal”. O perímetro urbano
foi desenhado pela população
durante a fase de mapeamento participativo
da sede municipal. Sua definição
consta como um dos objetivos específicos
do Plano Diretor. A emenda derrotada tratava-se
de uma proposta de arrecadação
de terras devolutas da União ao patrimônio
municipal, e não de perímetro
urbano. Para a vereadora Francivalda Rodrigues
da Silva (PTB), “o impasse é reflexo
da democracia, que permeou o processo de construção
do plano”.
Trabalho Conjunto
O processo de elaboração
do Plano Diretor foi iniciado em junho de
2005. Foram contabilizadas mais de 70 reuniões
oficiais. A aprovação popular
se deu em duas audiências públicas
realizadas na sede municipal e um Congresso
da Cidade. Hernane Vaz de Abreu (PV), vereador
indígena da etnia tukano e representante
oficial da Câmara no Conselho Gestor,
criticou o discurso dos representantes do
povo que não enxergaram que o Plano
Diretor foi construído em conjunto
por lideranças indígenas, moradores
da cidade, associações de bairro,
representantes da prefeitura, do governo federal,
do Exército e de entidades civis. Para
o vereador “muitos diziam que o plano diretor
havia sido elaborado por uma instituição
apenas, mas não foi isso que ocorreu”.
O vereador elogiou a participação
dos 41 membros do Conselho Gestor e principalmente
a coordenação da Secretaria
Municipal de Meio Ambiente e Turismo, assessorada
pelo Instituto Pólis e apoiada pelo
Ministério das Cidades.
ISA, Natalie Unterstell.