29/11/2006 - Marluza Mattos - O plenário
da Câmara dos Deputados aprovou nesta
quarta-feira (29), em votação
final, o Projeto de Lei 3285, de 1992, que
consolida os limites da Mata Atlântica,
atribui função social à
floresta e estabelece regras para seu uso.
Chega ao fim um debate que se prolongou por
14 anos no Congresso Nacional. Esse é
um marco importante na preservação
do bioma. Com a legislação consolidada,
será mais fácil proteger a Mata
Atlântica, cuja área compreende
menos de 8% da sua cobertura original atualmente,
mas encontra-se em bom estado de conservação.
"Após 14 anos, com o esforço
da sociedade, com o entendimento dos diferentes
partidos, com a determinação
e o compromisso do presidente Luiz Inácio
Lula da Silva, assumido na Convenção
sobre Diversidade Biológica, temos
hoje a aprovação do instrumento
que vem contribuir para a preservação
de menos de 8% do que ainda resta da Mata
Atlântica", comemorou, na noite
desta quarta-feira, a ministra do Meio Ambiente,
Marina Silva.
Ela lamentou o fato de que nos últimos
14 anos, o bioma perdeu em média 100
mil hectares anualmente. "Mas é
uma benção da democracia e da
responsabilidade socioambiental que, daqui
para frente, nós não só
poderemos poupar 100 mil hectares por ano,
mas resguardar em toda a parte a vigorosa
mata que abriga os sonhos e lutas do movimento
socioambiental brasileiro", destacou.
A aprovação foi possível
após um acordo entre os líderes
dos partidos na Câmara. Eles decidiram
rejeitar o artigo 13, introduzido no texto
pelo Senado, que amenizava o conteúdo
do artigo 46, inserido pelos próprios
deputados ainda nas primeiras votações
e que tratava de indenizações.
No acordo de líderes, ficou decidido
que o Ministério do Meio Ambiente vai
recomendar o veto do artigo 46 ao presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, que sancionará
o projeto.
Para o secretário de Biodiversidade
e Florestas do ministério, João
Paulo Capobianco, o acordo é uma vitória.
"O artigo 46 criaria uma potencial indústria
de indenizações. Defendemos,
desde o início, que não fosse
feita referência a indenizações
nesse projeto. Afinal, já existe uma
lei que trata especificamente do assunto.
A recomendação desse veto já
está praticamente pronta", explicou
Capobianco. "Esse projeto muda completamente
a história da Mata Atlântica.
Finalmente, teremos uma série de mecanismos,
incentivos e procedimentos que apóiam
quem preserva, recompensam os que protegem
o meio ambiente. O rigor das punições
dos que insistem em degradar também
aumenta. Ele foi apreciado na Câmara,
depois no Senado e, agora, novamente na Câmara;
todas essas votações aconteceram
durante a atual gestão", salientou
o secretário.
O projeto, de autoria do ex-deputado Fábio
Feldman, permite a quem é proprietário
de uma área com vegetação
nativa, maior do que a extensão estipulada
pela lei (20% da propriedade deve ser protegida
como reserva legal, além de áreas
de preservação permanente, como
margens de rio), alugar uma parte da floresta
para aquele que desmatou toda a sua propriedade
e precisa legalizar a situação
com o governo. Com isso, a floresta passa
a ser considerada patrimônio com valor,
passa a ser área produtiva.
O governo acredita que, com esse mecanismo,
será possível conter a destruição
da Mata Atlântica. Afinal, a degradação
no bioma avançou nos últimos
anos sob a justificativa de que, como área
improdutiva, a floresta poderia ser desapropriada
para fins de assentamento rural ou loteamento.
A partir da nova lei, os proprietários
com passivos ambientais terão ainda
outra opção: poderão
adquirir e doar ao governo áreas de
Unidades de Conservação (UCs)
equivalentes ao que deveria ser a reserva
legal da propriedade.
Além disso, incentivos fiscais e econômicos
estão previstos, no novo marco legal,
para os proprietários de terras na
Mata Atlântica que têm área
com vegetação nativa primária,
conhecida como mata virgem ou secundária,
em estágio avançado e médio
de regeneração, aquelas resultantes
de um processo natural de recuperação.
A nova lei define critérios para proteger
esse tipo de vegetação. Quanto
maior o grau de preservação
da área, maior o número de critérios
para orientar o seu uso. Ao contrário
do que é comum na legislação
ambiental, o projeto aprovado pela Câmara
dos Deputados não apenas proíbe
ações no bioma. Ele permite
a exploração racional da Mata
Atlântica, desde que as rígidas
regras para a preservação sejam
respeitadas.
A nova lei destina para agricultura, ou para
loteamentos, as áreas onde o processo
de regeneração dos remanescentes
da Mata Atlântica está em fase
inicial, ou seja, onde a vegetação
teve menos de 10 anos para se recuperar. Mesmo
assim, essa ocupação deve levar
em conta a legislação que já
está em vigor, como a exigência
da proteção de nascentes e a
reserva legal. No projeto, consta que cabe
ao Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama)
definir o que é vegetação
primária e secundária e quais
são seus diferentes estágios
de preservação. Definição,
essa, que já foi feita e que deverá
ser ajustada a partir de agora. A nova legislação
ainda cria o Fundo de Restauração
do Bioma Mata Atlântica para financiar
projetos de restauração ambiental
e pesquisa científica.
Quanto às penalidades, o projeto aprovado
incrementa a Lei 9.605, de 12 de fevereiro
de 1998, que impõe sanções
aos que desrespeitam os critérios de
preservação, causando danos
à fauna, à flora e aos demais
atributos da vegetação nativa.
Assim, quem destruir ou danificar a vegetação
primária ou secundária, em estágio
avançado ou médio de regeneração,
poderá ser punido com detenção
de um a três anos e multa.
Conheça melhor a Mata Atlântica
Quando os portugueses chegaram ao Brasil,
o país tinha 1,3 milhão de Km²
de Mata Atlântica. Ou seja, 15% do território
brasileiro era coberto pelas diferentes formações
florestais do bioma. Hoje, a extensão
da Mata Altântica está reduzida
a aproximadamente 102 mil Km2 .
Esse é o resultado da exploração
predatória, que teve início
com a colonização portuguesa
e, ao longo do tempo, só cresceu. De
11000 a 1995, mais de 500 mil hectares foram
destruídos para dar lugar à
expansão das cidades, aos assentamentos
de reforma agrária, à pecuária
e ao plantio de pinus e de eucaliptos para
produzir a lenha que será utilizada
na secagem do fumo.
A floresta também sofre com o chamado
"corte seletivo": a derrubada de
árvores com mais de 40cm de diâmetro.
Assim, os melhores exemplares de perobas,
cedros, araucárias, imbuias e outras
espécies nobres foram e são
retirados da Mata Atlântica. Sobram
árvores frágeis, tortas e raquíticas
e poucas em fase adulta, quando são
capazes de produzir sementes.
Em algumas regiões, o bioma é
caracterizado por árvores emergentes
de até 40 metros de altura e densa
vegetação arbustiva. Em outras,
é caracterizado pela mata de araucárias.
Há áreas que são constituídas
por fartas árvores de 25 a 30 metros,
que perdem as folhas durante o inverno.
A Mata Atlântica se desenvolve ao longo
da costa brasileira, do Rio Grande do Sul
ao Rio Grande do Norte. Ela abrange, total
ou parcialmente, 3.409 municípios em
17 estados. Em alguns deles, como Rio Grande
do Sul, Santa Catarina, Paraná e São
Paulo, estende-se pelo interior, até
os limites com a Argentina e Paraguai. Nela,
são gerados 70% do Produto Interno
Bruto (PIB) do país, o que justifica
a sua importância estratégica
para o desenvolvimento sustentável.
O bioma ajuda a regular o clima, a temperatura,
a umidade e as chuvas. Beneficia 120 milhões
de brasileiros. Assegura a fertilidade do
solo, protege escarpas de serras e encostas
de morros. Também preserva as nascentes
e fontes, regulando o fluxo dos mananciais
de água que abastecem cidades e comunidades
do interior.
Considerada Patrimônio Nacional pela
Constituição Federal, a Mata
Atlântica é um dos biomas mais
ricos do mundo em biodiversidade. Estudos
recentes revelam que ela pode possuir a maior
diversidade de árvores do planeta.
Nela são encontras espécies
endêmicas, que não ocorrem em
nenhum outro lugar. É o caso de 73
espécies de mamíferos, dentre
elas, 21 espécies e subespécies
de primatas.
Das 627 espécies ameaçadas
de extinção, segundo levantamento
de 2003 do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
e dos Recursos Renováveis (Ibama),
a Conservation Internacional aponta que 185
vertebrados, 118 aves, 16 espécies
de anfíbios, 38 mamíferos e
13 espécies de répteis pertenciam
à Mata Atlântica.
Foto: MMA