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de Dezembro de 2006 - Thais Brianezi - Repórter
da Agência Brasil - Manaus - O atual
modelo de descentralização das
políticas públicas – especialmente
nas áreas de saúde e educação
– está contribuindo para esvaziar a
várzea amazônica, região
periodicamente alagada ao longo do rio Amazonas-Solimões,
onde vivem cerca de 1,5 milhões de
ribeirinhos. A avaliação foi
feita hoje (5) pelas pesquisadoras Delma Pessanha
Neves, da Universidade Federal Fluminense,
e Edna Ferreira Alencar, da Universidade Federal
do Pará.
Desde a administração passada,
o governo federal está trabalhando
com a descentralização, disse
Delma Neves, em palestra durante a conferência
internacional Conservação e
Desenvolvimento da Várzea Amazônica:
aprendendo com o passado, construindo o futuro.
"A vantagem é
que a população pode participar
da implementação das políticas.
O problema é que isso ocorre a partir
de um modelo muito formal, inadequado a muitas
situações”, disse a pesquisadora.
“No caso da Amazônia, como há
muitas comunidades espalhadas ao longo dos
rios, a descentralização termina
sendo uma seleção que privilegia
quem está na sede do município.
Ela também incentiva a migração,
na medida em que fica muito caro o custo para
levar serviços para as comunidades
ribeirinhas”.
Delma Neves citou o exemplo
de escolas rurais que são fechadas
quando há menos de 20 crianças
em idade escolar morando no povoado. “Isso
é decretar a morte da comunidade, porque
as famílias se mudam de lá,
em busca de estudo para os filhos”, afirmou.
“Para o atendimento e fixação
dessa população, a organização
dos serviços não pode estar
dentro do modelo do Estado neoliberal, que
decide a partir do gasto”, afirmou.
Edina Alencar citou dados
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), segundo os quais, atualmente, 70%
dos cerca de 20 milhões de habitantes
da Amazônia vivem em núcleos
urbanos. “As cidades que mais crescem são
aquelas com menos de 50 mil habitantes. E
o principal fator de migração
é a falta de assistência na área
da saúde, da educação
e de produção”, disse a pesquisadora.
Ela citou também
prefeitura de São Paulo de Olivença
(AM), na fronteira com a Colômbia, que
oferecia R$ 9 mil às famílias
que quisessem se estabelecer na sede do município.
“Muitos prefeitos têm adotado estratégias
de esvaziar a várzea porque a população
de lá não costuma ser contabilizada
nos censos oficiais. Logo, eles não
recebem dinheiro por ela”, completou.
Já o pesquisador
da Universidade Federal do Amazonas e superintendente
regional do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
e dos Recursos Naturais Renováveis
(Ibama), Henrique Pereira, lembrou a falta
de política agrícola para a
várzea amazônica. “Na parte do
conhecimento sobre a várzea, tivemos
nos últimos anos avanços significativos.
Hoje já há agenda de pesquisa
dedicada a esse ecossistema. Mas, do ponto
de vista das políticas, vejo vários
retrocessos. Na minha percepção,
a várzea sofreu uma deseconomia de
escalas, um empobrecimento. Depois de 50 anos
do ciclo da juta [fibra de uso comercial],
nenhuma outra atividade econômica se
fortaleceu”.
A conferência sobre
conservação e desenvolvimento
da várzea amazônica termina quinta-feira
(7), em Manaus. Ela está sendo organizada
pelo Projeto Manejo dos Recursos Naturais
da Várzea (ProVárzea/Ibama),
em parceria com o Centro para Pesquisa e Conservação
Ambiental da Universidade de Columbia, além
da Universidade de Indiana, do Jardim Botânico
de Nova Iorque, da Sociedade Civil de Mamirauá
e da Organização do Tratado
de Cooperação Amazônica
(OTCA).
A várzea ocupa
cerca de 300 mil quilômetros quadrados,
o que equivale a 6% da Amazônia Legal.
Segundo dados do ProVárzea/Ibama, a
várzea abriga 25% das espécies
de peixes de água doce do mundo. Estima-se
que existam cerca de 3 mil tipos de peixes
nessa área, dos quais cerca de 200
têm sido explorados comercialmente.