06-12-2007
– Manaus - Maior parte do pacote criado pelo
governador Simão Jatene será
destinada à exploração
de madeira e outros produtos florestais, pecuária
e agricultura
Paulo Adario (*)
O governador do Pará,
Simão Jatene (PSDB), resolveu fazer
uma maquiagem verde em sua imagem antes de
sair de cena. Um mês antes de passar
o governo à senadora Ana Júlia
Carepa, do PT, Jatene anunciou com pompa e
circunstância a criação
de um mosaico de unidades de conservação
e uso sustentável que a mídia
do Brasil e do exterior trombeteou como “a
maior área de preservação
do mundo”, com cerca de 15 milhões
de hectares.
Nos relatórios “Parceiros
do Crime”, de 2001, “Estado de Conflito”,
de 2003, e “Comendo a Amazônia”, de
2006, o Greenpeace expôs o panorama
dramático do modelo de desenvolvimento
adotado pelo Pará, ancorado no avanço
descontrolado da indústria madeireira,
da pecuária e da soja, na injustiça
social e na violência da disputa pela
terra e pelos recursos florestais. Os três
relatórios propunham a adoção
de medidas concretas de governança
e criação de uma ampla rede
de áreas protegidas, tanto em terras
estaduais quanto em áreas sob controle
da União. É hora de reconhecer
a mudança de rumo do governo paraense.
Mas antes de aplaudir, vale a pena analisar
o pacote anunciado por Jatene no dia 4 de
dezembro, dia de Iansã, deusa do candomblé
que é a rainha dos raios com fortes
ligações com o obscuro e o mundo
subterrâneo.
Do total das áreas
criadas pelo governador, 56% são destinados
à exploração de madeira
e outros produtos florestais na Calha Norte
do Pará e na Terra do Meio, 36% são
áreas de preservação
integral no Escudo das Guianas (localizado
na Calha Norte), e 11% são destinados
ao ordenamento territorial de uma agressiva
frente de expansão predatória
e ilegal de fazendeiros e madeireiros que
cruzaram o rio Xingu em direção
ao rio Iriri, no coração da
Terra do Meio. Ou seja, a grande maioria é
de “áreas protegidas” para a exploração
de madeira, para gado e agricultura.
Os 36% de preservação
integral – Estação Ecológica
do Grão-Pará, a maior do país,
e Reserva Biológica Maicuru – estão
em áreas de alto valor de conservação
no Escudo das Guianas e se juntam a terras
indígenas e outras unidades de conservação
já existentes que cruzam o norte da
Amazônia de leste a oeste e formam um
gigantesco e importantíssimo corredor
ecológico (áreas contínuas
de preservação). As duas unidades
criadas por Jatene estão em regiões
intactas ou semi-intactas de difícil
acesso devido ao relevo acidentado. São
áreas de solos pobres e de pouca pressão
econômica. Segundo a ONG Conservação
Internacional (CI), que estudará a
diversidade biológica dessas áreas,
a região abriga várias espécies
ameaçadas e é vital para o regime
hídrico. A criação dessas
áreas merece aplausos. O envolvimento
da CI, que promete colocar recursos técnicos,
científicos e financeiros na mesa,
deve contribuir para que o governo do Pará
possa realmente implantar essas unidades.
Quem levou o maior naco,
porém, foi a indústria madeireira,
que ficou com 7,8 milhões de hectares
no total – um latifúndio maior que
a soma dos estados do Rio de Janeiro e Alagoas,
mais o Distrito Federal. Três das quatro
áreas destinadas à exploração
de madeira – Floresta Estadual (Flota) Paru,
Trombetas e Faro - também formam um
corredor contínuo de matas ricas em
biodiversidade e espécies arbóreas
de alto valor comercial. A Flota Paru é
vizinha de uma unidade federal de proteção
integral (a Estação Ecológica
do Jari) e da Orsa Florestal, empresa que
tem 545 mil hectares destinados à exploração
madeireira. A Orsa é certificada pelo
FSC - Conselho de Manejo Florestal.
Essas florestas estaduais,
de acordo com a nova lei de gestão
florestas públicas, deverão
ser objeto de concessão para a exploração
de madeira e outros produtos florestais, e
até mesmo para ecoturismo. Entretanto,
no Pará das cartas marcadas, quem deve
ganhar o jogo é a poderosa indústria
madeireira.
O modelo de concessão
florestal, se bem implementado, deverá
contribuir para o manejo sustentável
das florestas. Mas as concessões só
se justificam em áreas submetidas a
forte pressão antrópica em frentes
de expansão madeireira ilegal ou agropecuária.
Nelas, funcionariam como um instrumento pragmático
de contenção da exploração
predatória de madeira, da grilagem
e do desmatamento. Segundo o Imazon, as flotas
do Paru e Faro têm cerca de 100 famílias
cada numa área maior que a Holanda.
Madeireiros vindos de pólos tradicionais
como Paragominas e outras regiões do
Pará onde a matéria-prima está
acabando por causa da exploração
predatória têm recentemente invadido
o Paru. O critério básico do
ordenamento adotado por Jatene para a área
parece ter levado menos em consideração
a “pressão antrópica” e mais
o critério de “vocação
madeireira da região”- ou seja, florestas
ricas em espécies de valor comercial.
Dependendo de como sejam
implantadas e quem ganhe as concessões,
as flotas do governador, em tese, vão
colocar ordem na bagunça que está
se armando – ou legalizar a invasão.
Jatene perdeu a chance de
melhorar seu canto de cisne verde ao criar
no coração da violenta Terra
do Meio a Flota Iriri, situada entre duas
terras indígenas e vizinha da Estação
Ecológica da Terra do Meio, grande
área de proteção integral
criada pelo governo Lula após o assassinato
da missionária Dorothy Stang, em fevereiro
de 2005. A Flota Iriri está situada
numa área rica em mogno que tem um
histórico de saques e invasões
de madeireiros ilegais. Nas margens do rio
Iriri vivem 36 famílias ribeirinhas
que podem ser ameaçadas pela entrada
de madeireiras. A melhor opção
era destinar parte da área a uma reserva
de uso comunitário sustentável,
integrar as famílias ao esquema de
vigilância e criar no restante uma unidade
de proteção integral voltado
para a conservação dos últimos
estoques de mogno da região.
O mosaico de Jatene só
não foi maior porque o juiz federal
de Altamira, Herculano Nacif, concedeu liminar
ao Ministério Público Federal
impedindo a criação de da floresta
estadual (Flota) da Amazônia e a Área
Protegida (APA) Santa Maria de Prainha. Ambas
as áreas são reivindicadas por
comunidades tradicionais do município
de Prainha para a criação da
reserva extrativista (resex) Renascer. A criação
da Renascer faz parte do programa do governo
federal de combate ao desmatamento e deveria
ter sido criada em 2005/2006. As comunidades
estão esperando até hoje. Enquanto
o governo federal não faz a lição
de casa, a disputa pelos recursos florestais
da região tem gerado conflitos e violência.
Policiais militares foram recentemente flagrados
dando proteção a carregamentos
de madeira ilegal e afastados.
A presença, desde
o século 19, de comunidades ribeirinhas
na região - que há anos enfrenta
a invasão de madeireiros - levou o
Greenpeace a apoiar a transformação
da área em reserva extrativista. A
Flota Amazônia prevista pelo governo
Jatene iria consolidar a presença de
empresas madeireiras na área – inclusive
da empresa Madenorte. O histórico do
grupo Madenorte – aliado político de
Jatene - foi exposto no relatório “Pará,
Estado de Conflito” (Greenpeace, 2003), que
mostra o envolvimento da empresa com grilagem
de terras públicas e exploração
de madeira ilegal, além de denúncias
de violência contra comunidades locais.
Segundo o relatório, 90% da produção
de madeira serrada e de compensados da Madenorte
tinham como destino os Estados Unidos, Europa
e Ásia.
Assim como acontece nas
áreas de conservação
criadas pelo governo federal em regiões
sob disputa, só o futuro dirá
se o estado do Pará terá condições
de impedir a invasão das "áreas
protegidas" por madeireiros ilegais,
posseiros ou colonos, e se a exploração
de produtos florestais nas flotas será
realmente sustentada do ponto de vista ambiental,
além de infensa à corrupção.
No atual estado de precariedade dos sistemas
de monitoramento e controle do Ibama e da
Sectam (secretaria paraense de meio ambiente),
e no imbróglio em que anda metido tanto
o Judiciário quanto os institutos de
terra federais e estaduais, trata-se de uma
aposta de alto risco que só será
ganha se a presença do Estado for permanente,
se áreas “protegidas” forem realmente
protegidas e se as iniciativas de políticas
públicas fortalecerem as comunidades
locais, o meio ambiente e o desenvolvimento
econômico baseado na floresta em pé
naquelas áreas destinadas ao uso sustentado.
Governança não
se faz por decreto mas por medidas concretas.
Até agora, o governo do Pará
não tem dado bons exemplos. O estado
disputa com o Mato Grosso o título
de campeão do desmatamento, é
líder imbatível em madeira ilegal,
assassinato de trabalhadores rurais e comunitários,
bem como em trabalho escravo. Caberá
a Ana Júlia Carepa, que assume em 1º.
de Janeiro, implementar o decreto de Jatene.
Ela tem um enorme desafio pela frente, já
que o presidente Lula, do mesmo partido da
governadora, tem dado sinais de ter feito
uma escolha clara pelo desenvolvimento a qualquer
custo.
(*) Paulo Adario é
coordenador da campanha Amazônia, além
de entrave ambientalista, índio e quilombola.