14-12-2006
– Brasília - Pressão da sociedade
civil, que fez vigília em frente ao
local da reunião da CTNBio, impede
a aprovação de milho transgênico
O jogo para impedir os transgênicos
no Brasil é duro e sujeito a muitos
contra-ataques. Nos últimos dias, porém,
o time dos ambientalistas e entidades da sociedade
civil conseguiu equilibrar as ações,
meter algumas bolas na trave e até
marcar um golaço contra a forte equipe
dos empresários do agronegócio
e multinacionais de biotecnologia. Em vigília
realizada durante a última reunião
em 2006 da Comissão Técnica
Nacional de Biossegurança (CTNBio),
em Brasília, a Via Campesina e integrantes
da Campanha Por Um Brasil Livre de Transgênicos
conseguiram evitar a liberação
comercial de qualquer novo cultivo de organismo
geneticamente modificado no país e
também fazer com que fosse aceita a
realização de uma audiência
pública para discutir o milho transgênico.
A CTNBio estava reunida
desde terça-feira (12/12) para discutir
a liberação de dois tipos de
milho transgênico: um da Monsanto (o
Guardian Bt) e outro da Bayer (Liberty Link).
O pedido da Bayer, no entanto, não
poderia ser votado porque a Justiça
do Paraná determinou, em 5 de dezembro,
a suspensão de qualquer decisão
sobre a liberação comercial
deste milho, até que fosse realizada
uma audiência pública para discutir
o processo. A Constituição Federal
garante a realização de audiência
pública sobre assuntos de interesse
público, mas a CTNBio negou o pedido
feito em outubro por diversas entidades.
"O que ocorreu esta
semana foi uma boa lição para
os membros da CTNBio, porque eles tiveram
que voltar atrás em relação
à audiência pública, conforme
exigiu a liminar da Justiça do Paraná",
afirmou Maria Rita Reis, advogada da ONG Terra
de Direitos que participou da vigília
na sede da Comissão em Brasília
por dois dias. "Espero que eles compreendam
a importância de se ouvir a sociedade
em uma audiência pública, mas
isso tem que acontecer antes da liberação
comercial do milho. Não adianta nada
discutir e concluir que há problemas
com o milho se ele já foi liberado
comercialmente no país", diz ela,
que promete novas manifestações
caso a CTNBio "continue avaliando o assunto
sem considerar todos os aspectos graves apontados
por nós, como a contaminação
genética das sementes crioulas, por
exemplo."
O gol marcado pelos ambientalistas,
trabalhadores rurais, cooperativas e demais
entidades não nasceu de um lance isolado.
Há tempos que a jogada vem sendo trabalhada
para pressionar tanto empresas de biotecnologia
como a CTNBio a não transformar o Brasil
em uma nova fronteira transgênica no
planeta. Em novembro, por exemplo, o Greenpeace
realizou um protesto pacífico na sede
da Bayer CropScience, em São Paulo,
com ativistas cercando o prédio com
faixas e exigindo que a empresa se posicionasse
sobre as evidências de que o milho Liberty
Link oferece risco de contaminação
a culturas convencionais e pode representar
riscos à saúde humana.
O jogo se desenrolou também
em outro campo, mais complexo - a Câmara
dos Deputados - mas nem por isso menos emocionante.
A grande preocupação das organizações
da sociedade civil era em relação
à Medida Provisória 327, que
originalmente tratava da redução
da distância entre plantios transgênicos
e unidades de conservação. Com
a apresentação de 19 emendas,
a MP foi desvirtuada e passou a tratar de
tudo um pouco em relação aos
organismos geneticamente modificados. Uma
audiência com o relator da MP, deputado
Paulo Pimenta (PT-RS), foi requisitada dia
11 de dezembro, para discuti-la, mas não
houve resposta. No dia seguinte, o relator
apresentou seu parecer e nele aconselhou a
aprovação da MP, além
de acatar duas das emendas - uma que altera
o quorum necessário para aprovações
na CTNBio e outra que autoriza a utilização
de algodão transgênico da Monsanto
plantado ilegalmente no país. O parecer
foi colocado em votação, mas
como não houve acordo de lideranças,
a medida foi retirada de pauta. Bola na trave
do adversário!
A MP voltou à pauta
no dia seguinte, mas novamente retirada. Ficou
claro, no entanto, que a bancada ruralista
tenta votar a MP o mais rápido possível,
e que o PT precisa resolver se vai ficar ao
lado de seus aliados históricos e da
sociedade brasileira, ou vai nos deixar a
triste sensação de que pode
estar se tornando o "Partido dos Transgênicos".
A vitória, por enquanto,
é parcial e nossa. Mas o jogo não
terminou. Semana que vem existe a possibilidade
da MP ser votada na Câmara. “Nossos
parlamentares terão que decidir se
votarão em nome de mais de 70% dos
brasileiros, que rejeitam os transgênicos,
ou a favor dos ruralistas e da indústria
de biotecnologia", afirma Gabriela Vuolo,
coordenadora da campanha de engenharia genética
do Greenpeace Brasil.
Entenda o que a MP pode
mudar na Lei de Biossegurança
14-12-2006 - Uma das emendas
acatadas pelo relator da MP 327 se refere
à alteração do quorum
da CTNBio, uma flexibilização
inaceitável na Lei de Biossegurança,
aprovada em 2005. A emenda propõe que
os pedidos de aprovação comercial
de variedades transgênicas passem a
ser aprovados pela maioria absoluta dos membros
presentes, ao invés dos 2/3 necessários
hoje. Como as reuniões da Comissão
se instalam com a presença de 14 membros,
os pedidos poderiam ser aprovados se apenas
oito cientistas votassem a favor. O próprio
presidente Lula já afirmou que essa
não é uma situação
razoável.
A outra emenda autoriza
a utilização do algodão
transgênico da Monsanto plantado ilegalmente
no país. Essa é uma tentativa
de repetir a "política do fato
consumado", que já foi adotada
pela mesma empresa na época do plantio
da soja transgênica. É uma tentativa
de legalizar algo ilegal. Além disso,
a própria CTNBio já tinha indicado
que esse algodão deveria ser destruído.
Agora, por pressão da Monsanto e da
Associação Brasileira dos Produtores
de Algodão, querem autorizar o uso
do algodão ilegal, passando por cima
das leis e de uma determinação
da própria CTNBio.
A MP original já
era uma afronta ao Principio da Precaução
e uma medida que fragilizava as Unidades de
Conservação (UC). Isso porque,
permitindo-se o plantio de transgênicos
no entorno de áreas de conservação,
abre-se um precedente para que outras atividade
com impacto ambiental também venham
a ser autorizadas no entorno das UCs.