22/12/2006
- Marluza Mattos - A Lei da Mata Atlântica
foi sancionada pelo presidente Luiz Inácio
Lula da Silva, nesta sexta-feira (22), em
solenidade no Palácio do Planalto.
Sua aprovação na Câmara
dos Deputados, no dia 29 de novembro, foi
resultado de um amplo acordo partidário,
que pôs fim a uma negociação
de 14 anos no Congresso Nacional. O Projeto
de Lei 3.285, que trata do assunto, foi apresentado
pelo deputado Fábio Feldman em 1992.
A nova lei consolida os
limites da Mata Atlântica, atribui função
social à floresta e estabelece regras
para seu uso. É um marco importante
na preservação do bioma, já
que com ela será mais fácil
proteger a Mata Atlântica, o mais ameaçado
de todos os biomas brasileiros. "Para
expandir a fronteira do futuro, para que o
novo não seja a reiteração
do antigo, é necessário renovar
a compreensão sobre nós mesmos.
Para tanto, é indispensável
ouvir a voz da história. Nada poderia
ser mais simbólico desse aprendizado
humano do que encerrar o ano de 2006 sancionando
uma lei que paga uma dívida com as
nossas origens", disse o presidente Lula,
logo após a sanção da
lei. "À riqueza original da Mata
Atlântica incorporou-se um valioso alarme
histórico. Trata-se do mais eloqüente
e pedagógico alerta sobre um caminho
que não devemos, não podemos
e, sobretudo, não precisamos mais repetir",
salientou o presidente, referindo-se ao tempo
de tramitação do projeto no
Congresso.
Segundo Lula, é preciso
aliar produção de riqueza e
preservação da natureza para
garantir o futuro de um povo. Para ele, não
é possível dissociar o destino
da natureza do destino da sociedade e de seu
desenvolvimento. "Chico Mendes não
era contra o progresso que leva saúde,
educação, oportunidades, empregos
e renda às populações
mais pobres e isoladas do nosso território.
Tampouco a irmã Dorothy Stang pregava
o isolamento idílico das comunidades
indígenas da Terra do Meio. Ambos se
opunham, na verdade, à lógica
excludente que faz do progresso uma pista
de mão única, na qual o povo
é mantido como viajante cativo da segunda
classe e a natureza se transforma em carga
ilegal no vagão clandestino",
disse o presidente.
Lula citou os avanços
da área ambiental nos últimos
quatro anos, mencionando, além da Lei
da Mata Atlântica, a Lei de Gestão
de Florestas Públicas, em fase de regulamentação,
e na queda do desmatamento da Amazônia
por dois períodos consecutivos, que
resultou na redução de 52% da
taxa acumulada de desmatamento. "Provamos
que é possível reconciliar os
sistemas produtivos com as aspirações
humanistas igualitárias e ecológicas
do nosso povo e do nosso tempo. É o
que a nossa querida ministra Marina tem feito
com equilíbrio e firmeza". De
acordo com Lula, deve-se à ministra
uma mudança importante no vocabulário
ecológico do país: a substituição
da expressão "não fazer"
pela expressão "como fazer".
O presidente ainda chamou
a atenção para o funcionamento
do sistema de licenciamentos ambientais no
país. "No Brasil, habitualmente,
se fazia projeto, contrato, licitação
e, depois que a obra estava pela metade, buscava-se
a licença prévia do empreendimento.
Daí, quando era concedida a licença,
quem pagava o pato eram aqueles que defendiam
o meio ambiente, que queriam preservar. Isso,
no nosso governo, acabou", argumentou
Lula.
A ministra do Meio Ambiente,
Marina Silva, comemorou a sanção
da nova lei. "Estamos, aqui, fazendo
algo de extremamente afirmativo", disse,
ao destacar a participação da
sociedade na luta por um marco legal para
a Mata Atlântica. "Com essa lei,
a proteção, a conservação
e o uso sustentável do bioma passam
a ser uma obrigação do país".
Marina Silva lembrou ainda
que, a partir deste momento, a sociedade assume
um novo compromisso com a implementação
da lei. Segundo a ministra, a contribuição
do governo federal, nos últimos quatro
anos, para a conservação da
Mata Atlântica, é muito significativa.
Ela citou como exemplo a criação
de 300 mil hectares de unidades de conservação
na área coberta pelo bioma e a redução
de 50% na sua taxa de desmatamento.
A ministra agradeceu aos
parceiros na sociedade, em especial à
Rede de ONGs da Mata Atlântica, aos
diferentes partidos que compõe o Congresso
Nacional. Ela lembrou que a data da sanção
da Mata Atlântica marca o aniversário
de morte de Chico Mendes. "Ele, como
o senhor, presidente, foi enquadrado na Lei
de Segurança Nacional por dizer que
'agora é a hora da onça beber
água'. O que estamos celebrando aqui
é parte da luta de Chico Mendes. Ele
doou a vida pela Amazônia e por todos
os biomas".
A coordenadora da Rede de
ONGs da Mata Atlântica, Miriam Prochnow,
disse, na solenidade, que a sanção
da lei é motivo de festa. "Mas
agora começa um trabalho difícil,
que é concretizar a lei". Ela
pediu o auxílio do presidente para
que o país possa acabar com o preconceito
"de que ambientalista é contra
desenvolvimento". De acordo com Miriam,
a gestão da ministra Marina Silva já
provou que essa tese está equivocada.
Em homenagem, ela deu à ministra uma
orquídea. O presidente recebeu uma
muda de pau-brasil. "Essa é a
última muda que tínhamos. Ela
sobrou dos últimos dois anos de manifestações
pela aprovação do projeto",
brincou.
O ex-deputado Fábio
Feldman, autor do projeto que deu origem à
lei, também comemorou a sanção
da lei e destacou o desempenho de Marina Silva
no ministério. "Os ambientalistas
têm o reconhecimento do trabalho da
ministra. Para nós, ela é um
grande símbolo". Ele agradeceu
o suporte político do governo federal
para aprovação da lei no Congresso.
O Ministério do Meio
Ambiente acredita que, com a nova lei, será
possível conter a destruição
da Mata Atlântica. A degradação
no bioma avançou nos últimos
anos sob a justificativa de que, como área
improdutiva, a floresta poderia ser desapropriada
para fins de assentamento rural ou loteamento.
A partir de agora, ela adquire função
social. Os proprietários com passivos
ambientais poderão adquirir e doar
ao governo áreas de Unidades de Conservação
equivalentes ao que deveria ser a reserva
legal de suas propriedades.
Além disso, incentivos
fiscais e econômicos estão previstos
para os proprietários de terras que
têm área com vegetação
nativa primária, conhecida como mata
virgem ou secundária, em estágio
avançado e médio de regeneração
- são aquelas resultantes de um processo
natural de recuperação.
A nova lei define critérios
para proteger esse tipo de vegetação.
Quanto maior o grau de preservação
da área, maior o número de critérios
para orientar o seu uso. Ao contrário
do que é comum na legislação
ambiental, o projeto não apenas proíbe
ações no bioma. Ele permite
a exploração racional da Mata
Atlântica, desde que as rígidas
regras para a preservação sejam
respeitadas. Ela ainda destina para agricultura,
ou para loteamentos, as áreas onde
o processo de regeneração dos
remanescentes da Mata Atlântica está
em fase inicial, ou seja, onde a vegetação
teve menos de 10 anos para se recuperar. Mesmo
assim, essa ocupação deve levar
em conta a legislação que já
está em vigor, como a exigência
da proteção de nascentes e a
reserva legal. Na lei, consta que cabe ao
Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama)
definir o que é vegetação
primária e secundária e quais
são seus diferentes estágios
de preservação. Definição,
essa, que já foi feita e que deverá
ser ajustada a partir de agora. Ela cria também
o Fundo de Restauração do Bioma
Mata Atlântica para financiar projetos
de restauração ambiental e pesquisa
científica.
Quanto às penalidades,
a Lei da Mata Atlântica incrementa a
Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que
impõe sanções aos que
desrespeitam os critérios de preservação,
causando danos à fauna, à flora
e aos demais atributos da vegetação
nativa. Assim, quem destruir ou danificar
a vegetação primária
ou secundária, em estágio avançado
ou médio de regeneração,
poderá ser punido com detenção
de um a três anos e multa.
Dados sobre a exploração
da Mata Atlântica
Quando os portugueses chegaram
ao Brasil, o país tinha 1,3 milhão
de Km² de Mata Atlântica. Ou seja,
15% do território brasileiro era coberto
pelas diferentes formações florestais
do bioma. Dados preliminares dos Mapas de
Cobertura Vegetal Nativa dos Biomas Brasileiros,
divulgados na última quarta-feira (20/12),
pelo Ministério do Meio Ambiente, revelam
que a Mata Atlântica compreende uma
área equivalente a 27,44% da sua cobertura
original. O ano base desse trabalho é
2002.
Levantamento da Fundação
SOS Mata Atlântica, desenvolvido com
metodologia diferente, já havia indicado
que pouco mais de 7% da cobertura original
do bioma encontrava-se em bom estado de conservação.
Ambos os percentuais apresentam a Mata Atlântica
como o bioma mais devastado do país.
Esse é o resultado da exploração
predatória, que teve início
com a colonização portuguesa
e, ao longo do tempo, só cresceu. De
11000 a 1995, mais de 500 mil hectares foram
destruídos para dar lugar à
expansão das cidades, aos assentamentos
de reforma agrária, à pecuária
e ao plantio de pinus e de eucaliptos para
produzir a lenha que será utilizada
na secagem do fumo.
A floresta também
sofre com o chamado "corte seletivo":
a derrubada de árvores com mais de
40 cm de diâmetro. Assim, os melhores
exemplares de perobas, cedros, araucárias,
imbuias e outras espécies nobres foram
e são retirados da Mata Atlântica.
Sobram árvores frágeis, tortas
e raquíticas e poucas em fase adulta,
quando são capazes de produzir sementes.
Características do
bioma
Em algumas regiões,
a Mata Atlântica é caracterizada
por árvores emergentes de até
40 metros de altura e densa vegetação
arbustiva. Em outras, é caracterizada
pela mata de araucárias. Há
áreas que são constituídas
por fartas árvores de 25 a 30 metros,
que perdem as folhas durante o inverno. O
bioma se desenvolve ao longo da costa brasileira,
do Rio Grande do Sul ao Rio Grande do Norte.
Ele abrange, total ou parcialmente, 3.409
municípios em 17 estados. Em alguns
deles, como Rio Grande do Sul, Santa Catarina,
Paraná e São Paulo, estende-se
pelo interior, até os limites com a
Argentina e Paraguai.
Na Mata Atlântica,
são gerados 70% do Produto Interno
Bruto (PIB) do país, o que justifica
a sua importância estratégica
para o desenvolvimento sustentável.
O bioma ajuda a regular o clima, a temperatura,
a umidade e as chuvas. Beneficia 120 milhões
de brasileiros. Assegura a fertilidade do
solo, protege escarpas de serras e encostas
de morros. Também preserva as nascentes
e fontes, regulando o fluxo dos mananciais
de água que abastecem cidades e comunidades
do interior.
Considerada Patrimônio
Nacional pela Constituição Federal,
a Mata Atlântica é um dos biomas
mais ricos do mundo em biodiversidade. Estudos
recentes revelam que ela pode possuir a maior
diversidade de árvores do planeta.
Nela são encontras espécies
endêmicas, que não ocorrem em
nenhum outro lugar. É o caso de 73
espécies de mamíferos, dentre
elas, 21 espécies e subespécies
de primatas. Das 627 espécies ameaçadas
de extinção, segundo levantamento
de 2003, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
e dos Recursos Renováveis (Ibama),
a Conservation Internacional aponta que 185
vertebrados, 118 aves, 16 espécies
de anfíbios, 38 mamíferos e
13 espécies de répteis pertenciam
à Mata Atlântica.